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As políticas educacionais são fundamentais, mas a estruturação de uma escola inclusiva requer o entendimento mais abrangente sobre inclusão e respeito

#Educação#EducaçãoAntirracista

A imagem mostra um grupo de sete crianças da educação infantil. Todos vestem uniforme, com camiseta branca e calça azul royal. Em primeiro plano, está um menino na cadeira de rodas. Os demais estudantes estão sorrindo e em pé em volta dele. Ao fundo do grupo, está a cabeça desfocada de um professor.

O direito à educação não é garantido, como deveria, para todos os estudantes. Alguns grupos sociais frequentemente são empurrados à margem até abandonarem os estudos. O ambiente escolar ainda reproduz inúmeras violências, seja contra estudantes negros e negras, seja contra alunos com deficiência (PcD) ou contra a comunidade LGBTQIA+. Segundo especialistas, a construção de uma escola inclusiva e mais acolhedora demanda a aplicação de normas e se solidifica, sobretudo, no respeito às diferenças de cada um.

O acesso universal ao ensino já é citado desde a Constituição de 1988 e há outros marcos legislativos importantes na educação brasileira (veja boxe a seguir). Todo o arcabouço legal é indispensável para estruturar uma escola inclusiva, mas não é o principal elemento dessa construção. Para a professora Maria Teresa Eglér Mantoan, uma das maiores referências na área, a educação inclusiva é aquela pensada para todos, dada à impossibilidade de se rotular, classificar, ordenar as pessoas pelo que são em suas subjetividades.

“É a consideração de que cada aluno é um aluno e deve ser acolhido indistintamente. Em seu caminho educacional, há veredas e uma caminhada própria diante do conhecimento”, afirma a especialista.

O que é uma escola inclusiva?

Hoje, à frente do LEPED (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença), situado na Unicamp e que há 25 anos contribui na formação de profissionais, na pesquisa e no desenvolvimento de políticas públicas, Mantoan acredita que precisamos avançar no entendimento sobre o conceito de inclusão.

Em primeiro lugar, a inclusão se sobrepõe a qualquer questão ligada à diversidade. Isso significa que a escola não deve utilizar esse critério para segregar as pessoas, separando, por exemplo, as pessoas com deficiência, as pessoas LGBTQIA+, as pessoas negras, tampouco quem tem altas habilidades, ou pertence a determinado grupo social e cultural. O conceito deve se apoiar no princípio de que todas as pessoas são diferentes entre si e, portanto, não podem ser fixadas em enquadramentos específicos.

“De uma forma mais simples: a educação inclusiva se refere a pessoas que trabalham umas com as outras, que convivem e compartilham. Não é uma turma em que alguns tenham um tipo de educação porque correspondem a um padrão idealizado, enquanto outros recebem uma educação dita especial por não se encaixarem no modelo geral”, resume Mantoan.

E a especialista vai além: é preciso mudar a própria concepção do que é ensinar e do que é aprender. Educadores, gestores e outros dirigentes que encabeçam órgãos de articulação político-educacional ainda avaliam o bom rendimento escolar dentro de um modelo que não é feito para todos.

“A educação especial não pode substituir a educação comum. Assim como deve-se complementar a formação desses alunos com atividades específicas para que todos possam participar da mesma sala de aula. Portanto, é preciso eliminar os modelos e as formas engessadas de se classificar e ordenar as turmas de alunos”, finaliza.

Lutas identitárias no ambiente escolar

Uma escola inclusiva e diversa encara questões identitárias consideradas tabu, superando o senso comum e os entendimentos equivocados. Por exemplo, garantir o acesso da comunidade trans à educação não é critério de inclusão, mas sim de construção de um ambiente escolar sadio, seguro, acolhedor e onde os direitos são respeitados.

Dados da inédita pesquisa Vivências reais de crianças e adolescentes transgêneres no sistema educacional brasileiro, publicada em 2021 com apoio da UNESCO, apontam a urgência desse debate. Para 98% de mães, pais ou responsáveis, o ambiente escolar não é seguro para pessoas trans. Além disso, 77,5% dos 120 entrevistados, em 17 estados brasileiros, informaram que seus filhos, entre 5 e 17 anos, já foram vítimas de bullying transfóbico na escola. E o mais grave é que a violência muitas vezes parte de quem deveria ser responsável por garantir o cumprimento dos direitos, como gestores e professores.

“O uso do termo evasão escolar tenta limpar o que realmente acontece com a população trans. Quando um aluno não pode usar um banheiro na escola; quando é alvo de chacota e passa por um martírio para colocar seu nome social; quando constantemente enfrenta olhares de discriminação sem nenhum posicionamento da diretoria e da comunidade escolar. Com tudo isso, esse aluno não evade da escola, na verdade ele sofre uma expulsão por um sistema extremamente transfóbico”, alerta Thamirys Nunes, fundadora da ONG Minha Criança Trans.

Além de ter atuado como coordenadora do estudo, que deve ganhar uma nova edição em 2023, ela é autora do livro de mesmo nome da ONG que fundou, no qual narra sua trajetória como mãe da Agatha. Nunes aposta na promoção de segurança emocional, psicológica e socioafetiva junto às famílias para lidar com as adversidades que atravessam a criação desses jovens.

Uma boa dose de respeito

Se no fundo, a solução parece estar em uma boa dose de respeito e bom senso, isso esbarra no medo de falar sobre o assunto. “Existe desinformação por parte dos formadores, educadores, dos diretores de escola sobre o que é legal, ou não; se podem ser responsabilizados ou punidos. As escolas se fecharam para questões ligadas a diversidade”, complementa Nunes.

Dessa forma, ela enaltece documentos como o lançado pela própria UNESCO, no último 8 de março. O artigo explicita diretrizes e fundamentos normativos nacionais e internacionais para o desenvolvimento de planos educativos, partindo do pressuposto de que a educação integral em sexualidade (EIS) é um componente essencial na agenda de desenvolvimento de uma sociedade mais justa.

Outra especialista no tema, a professora Sayonara Nogueira, que atuou por 16 anos na educação básica e atualmente preside o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), vê o apagamento do debate sobre sexualidade e gênero como resultado de um gargalo da formação docente. “Há uma ausência dessas temáticas e, quando tratadas, ficam restritas a oficinas, palestras ou congressos”, afirma.

Para ela, a falta de efetividade no cumprimento de normas – como o desrespeito ao uso do nome social, garantido desde 2018 por uma portaria do MEC (Ministério da Educação) – é apenas a ponta do iceberg no processo de escolarização de pessoas trans. É imprescindível fortalecer um Projeto Político-Pedagógico com a comunidade escolar, que se baseie na flexibilidade e no diálogo. “A escola, em pleno século 21, ainda exclui todos os corpos que não se adequam à binaridade de gênero ou aos padrões impostos pela sociedade”, conclui.

Caminho em construção

O caminho para a construção de uma escola verdadeiramente plural e inclusiva costuma ser um tanto doloroso para quem está na linha de frente dessa discussão. É o caso de Thamirys Nunes, que se apega à vivência como mãe para se manter firme na luta. “Espero que nenhuma outra criança trans tenha sua matrícula negada, ou escute que deve apanhar, como a minha filha já escutou. Da mesma forma, espero que nenhuma outra mãe passe pela humilhação de ver uma lista de pais solicitando a expulsão da filha dela. Faço das minhas experiências munição para me manter como uma aliada da educação”, relata.

Ela ainda finaliza deixando explícita a sua fé na potência da escola inclusiva e da educação para formar uma sociedade melhor: “estou aqui para falar que existem falhas, lacunas e lapsos de direitos severos, mas também dou a outra mão para construirmos uma coisa diferente”.

Como tornar a escola inclusiva e acolhedora para todos os estudantes
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