Crédito: Agência Brasil
Carolina Pezzoni, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
“A educação não tem modelos. Deve ser reconstruída segundo a realidade humana e suas necessidades sociais.” Sob esta premissa, o conselheiro Luiz Roberto Alves, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) e professor da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), está coordenando o processo de elaboração de diretrizes para a educação de jovens em medidas socioeducativas, conforme previsto no Plano Nacional do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
O documento, que começou a ser elaborado no início de 2014 e em janeiro de 2015 apresentará sua primeira versão, contempla a diversidade dos sistemas educacionais dos estados e municípios da federação, que têm seus próprios planos e normas, mas deve propor as questões gerais, em nome da União. “O desafio é garantir um regime de colaboração”, afirma Alves. “Precisa haver solidariedade, conhecimento do que o outro faz e comunicação, a favor dos melhores resultados educacionais.”
Distorção série-idade
Hoje, existem aproximadamente 20 mil adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em todo o país, dos quais 57% não frequentam a escola. Segundo uma pesquisa feita em 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existe uma grave distorção série-idade: embora a idade média dos internos seja de 16,7 anos, a última série cursada por 86% deles era do Ensino Fundamental. O problema se acentua no caso dos jovens em regime de internação, que não conseguem sair das unidades para estudar em escolas convencionais.
Em São Paulo, é nítida a dificuldade de aprovação dos internos em processos seletivos. Entre os aproximadamente 9 mil internos do estado, apenas 19 foram aprovados no exame de Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) e Faculdades de Tecnologia (Fatecs) em 2014. Uma das causas seria a resistência do Poder Judiciário em ampliar o número de internações em liberdade assistida.
Na avaliação do Sinase, orientado pela diretriz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto à natureza pedagógica das medidas socioeducativas, a discriminação e a violência a que são submetidos esses jovens em toda a rede de atendimento desvirtuam o caráter educacional do sistema, cujo intuito é reeducá-los e evitar a reincidência.
As distorções vão desde a ausência de um projeto político-pedagógico, acarretando a descontinuidade das ações educativas, passando pela falta de alinhamento conceitual e prático entre unidades, até a superlotação e a insuficiência de espaços físicos adequados à escolarização e de programas de acompanhamento do egresso.
Com o objetivo de reverter este cenário, o parecer de diretrizes que está sendo elaborado pelo Conselho Nacional de Educação aponta, entre outras mudanças necessárias, a organização curricular “já proposta nas diretrizes curriculares do Conselho Nacional de Educação, mas ainda estranhas às fundações e outras instituições estaduais”, conforme ressalta Alves, e a formação de professores para atuarem no universo dos meninos e meninas em processo de reeducação.
“Educar e reeducar esses adolescentes será sinal da competência brasileira de provocar mudanças sociais e alterar destinos postos em xeque”, provoca o especialista. Confira a seguir em entrevista exclusiva ao Promenino.
Promenino: Qual é a condição atual da educação dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em regime de internação?
Luiz Roberto Alves: A situação é diversa, conforme variam as competências e desempenhos das administrações municipais e estaduais. Esses meninos e meninas – que são cerca de 20 mil sob medida de internação e cerca de 80 mil em regime semiaberto – estão sob a guarda dos estados brasileiros, com apoio de municipalidades. As visitas feitas por executivos e consultores do MEC [Ministério da Educação] e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República revelam que faltam normas, clareza de atitudes, explicitação da Lei do Sinase etc.
Promenino: Você poderia citar exemplos de mudanças necessárias?
Luiz Roberto Alves: Alguma organização curricular, fundamentada na Base Nacional Comum, já proposta nas diretrizes curriculares do Conselho Nacional de Educação, mas ainda claramente estranhas às fundações e outras instituições estaduais que têm a responsabilidade de educar e reeducar os adolescentes que cometeram algum ato infracional. Da mesma forma, a melhor formação de professores para aquele mundo concreto dos meninos e meninas em processo de reeducação. A educação não tem modelos. Deve ser reconstruída segundo a realidade humana e suas necessidades sociais. Além disso, educar e reeducar esses adolescentes será sinal da competência brasileira de provocar mudanças sociais e alterar destinos postos em xeque.
Promenino: Quais são as principais diretrizes propostas pelo Conselho Nacional de Educação?
Luiz Roberto Alves: A Comissão [que tem o conselheiro Luiz Roberto Alves como presidente e a conselheira Rita Potiguara como relatora] vem realizando reuniões técnicas e seminários (depois de receber farto e rico seminário de ministérios da União e do Conanda) e no mês de janeiro apresentará a primeira redação das diretrizes. Em seguida, abrirá para audiências públicas em vários pontos do país. Evidentemente que as principais diretrizes deverão normatizar e combater o que não transparece como bom e digno para educar e reeducar os meninos e meninas submetidos ao sistema socioeducativo.
Promenino: Onde estão os maiores desafios do processo?
Luiz Roberto Alves: Somos uma Federação, cujos estados e municípios têm sistemas educacionais próprios e elaboram planos de educação e suas normas. A União propõe as questões gerais, as diretrizes nacionais. O regime, porém, segundo a Constituição da República, deve ser de colaboração. Precisa haver solidariedade, conhecimento do que o outro faz e comunicação, a favor dos melhores resultados educacionais.
Promenino: O que se espera atingir como resultado?
Luiz Roberto Alves: Dignidade educacional, professores em sinergia com seus alunos, estudantes desejosos de sair do sistema de internação e construir nova vida. Estado local, regional e nacional cumprindo sua missão educativa, a escola como integralidade na vida desses meninos e meninas, como valor central desse tempo de internação. Para que isso ocorra, pessoas especializadas em educação deverão estar continuamente avaliando métodos, conteúdos, procedimentos e, acima de tudo, em diálogo com os próprios reeducandos.