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ARTIGO 139/LIVRO 2 – TEMA: CONSELHO TUTELAR 
Comentário de Wanderlino Nogueira
Consultor e Advogado/Bahia

O Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser visto, politicamente, como um instrumento a serviço da estratégia global de luta em prol da construção da cidadania especial da criança e do adolescente, via garantia dos seus direitos fundamentais, promovendo-os ou os defendendo, quando transgredidos.

Ora, todo passo que se dá na caminhada pela construção da cidadania, no Brasil, leva-nos, forçosamente, à consolidação da Democracia real: nosso maior sinal de crise é a fragilidade da cidadania, entre nós.

Democracia só existe quando o Poder Público estatal (governamental ou comunitário) se exerce, legitimamente, ou indiretamente, através dos representantes políticos do povo, ou diretamente, através das instâncias orgânicas da sociedade civil ou da deliberação dos cidadãos, como conjunto majoritário e, em concreto (plebiscitos, referendos etc).

O aperfeiçoamento, pois, dos sistemas de escolha desses representantes da sociedade – que, em seu nome e em seu favor, exercem o poder estatal – é meta a ser buscada prioritariamente. Assim, quanto mais desvelador das expectativas do coletivo social e mais balizador das necessidades dele for esse sistema de escolha, mais representativo será ele. E mais Democracia teremos.

Por sua vez, quanto mais se organiza esse povo e faz desveladas e balizadas suas expectativas e necessidades, através da discussão e da busca do consenso no interior dessas organizações, mais crescerá o nível de participação popular na gestão dos negócios públicos. E mais Democracia teremos.

O Estatuto, no definir os espaços públicos institucionais, responsáveis pelas políticas de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, ora os constitui a partir do instrumental da “representação” (Democracia indireta), ora da “participação” (Democracia direta).

Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, p. ex., em seus três níveis (municipal, estadual e federal), são exercícios fecundos de um sistema misto de representação-participação.E o são ao garantir,com sua composição paritária, tanto os representantes de organismos públicos (os ministros de Estado, secretários estaduais, dirigentes de órgãos municipais, membros do Ministério Público, representantes do Poder Judiciário, p. ex.) quanto os militantes de organizações não governamentais e movimentos da sociedade civil organizada (partidos políticos, sindicatos, entidades de atendimento direto e outras instâncias organizadas intermediárias, p. ex.).

Já os Conselhos Tutelares, por sua vez, são exemplos do exercício indireto do poder, via escolha de mandatários. Não há como se ver nesse sistema de escolha uma forma de exercício de Democracia direta, de participação popular pura. A eleição dos conselheiros se dará dentre os cidadãos locais, por seus pares, indeterminadamente e sem caracterização de sua legitimidade por sua pertença a uma instância organizada da sociedade civil. Assim, são eles mandatários do povo em geral. Exercem o poder por outorga da própria sociedade, como um todo: no interior da “sociedade política” como “governo dos funcionários” e não como manifestação ou intervenção direta da “sociedade civil organizada”.

O exercício da Democracia direta, no caso dos. Conselhos Tutelares, não se coadunaria com sua característica maior. Não é ele um órgão formulador de políticas ou controlador de ações. E sim um órgão público administrativo de execução técnica dessa política: uma peça dentro da máquina burocrática do Estado.

Coerente com isso, o Estatuto o reconhece como organismo público municipal colegiado, mas com funções providas por algum sistema de escolha, pela sociedade, na forma ditada pela realidade de cada Município. Conseqüentemente, com isso, considerando-o como parte da estrutura administrativa do Poder Público municipal, o Estatuto remete à lei municipal a competência para regular os Conselhos Tutelares, inclusive quanto à escolha dos seus membros. E atribui mais ao Conselho Municipal de Direitos poderes para dar execução a essa lei, providenciando a sua efetivação no tocante à escolha dos membros dos Conselhos Tutelares. Tudo isso a confirmar o posicionamento político destes, de espaços públicos institucionais governamentais.

Já o Ministério Público, como defensor do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses públicos sociais (art. 127 da CF), nesses procedimentos de escolha, participa advogando esses interesses, e não como prepostos do poder municipal e defensor dos interesses públicos governamentais da esfera municipal.Aí está como elemento de controle externo sobre a atividade política-administrativa municipal, como o faz no caso do processo eleitoral para a escolha de prefeitos, vereadores, p. ex.

Em conclusão, é de se reconhecer que o Estatuto ao estabelecer o sistema de escolha preconizado pelo art. 139, em sua nova redação, o faz dentro do seguinte contexto sócio-político:

1°. Há que se fazer do atendimento promocional concreto e direto aos direitos fundamentais da criança e do adolescente um ato de administração, um ato de governo, um ato político de intervenção transformadora (ou conservadora, a depender de hipótese) da realidade, como posta conjunturalmente. E não uma prestação jurisdicional, já que, realmente, não existem interesses conflitantes a serem dirimidos, pois, realmente, não há o pretenso conflito entre uma “sociedade justa” (um contexto regular) e “menores em situação irregular” (uma clientela perigosa), como ideologicamente se fez passar, justificando políticas de controle social e de manutenção de um status quo perverso – discriminador, explorador, violento, opressor.

2°. Os autores responsáveis por esse agir político-administrativo executório devem ser tidos como mandatários do povo, seus representantes, com obrigações de em seu nome agirem e de prestarem contas desses atos a essa sociedade que os escolheu.

3°. Esses mandatários, conseqüentemente, são agentes públicos temporários, sujeitos periodicamente à renovação de seus mandatos, à luta pela relegitimação do exercício de suas funções.

4°. Através dessa renovação periódica, a sociedade poderá traçar os rumos e o modo de agir da execução das políticas públicas nessa área da promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

5°. O grau de amadurecimento sócio-político de cada Município dará o tom e o ritmo à criação e implantação dos Conselhos Tutelares: pelas razões expostas, eles devem ser conseqüência de processo de mobilização popular.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ARTIGO 139/LIVRO 2 – TEMA: CONSELHO TUTELAR
Comentério de Judá Jessé de Bragança Soares
Juiz de Direito/Rio de Janeiro

 

A redação acima foi dada pela Lei federal 8242, de 12.10.91 (DOU16.12.91), afastando o questionamento a respeito da constitucional idade do dispositivo tal como constava anteriormente.

Cada Município, atendendo às suas próprias peculiaridades, legislará sobre a forma como se fará a escolha, respeitando as duas exigências mínimas da lei federal: que a escolha seja feita pela comunidade local e que o processo dessa escolha seja realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Não é necessário e, possivelmente, não será viável que a lei municipal estabeleça a obrigatoriedade do voto ou o sufrágio universal. A escolha pode ser indireta, desde que realmente representativa da comunidade local. Podem-se estabelecer a exigência e as condições para o registro prévio dos candidatos.

O ideal, a nosso ver, é que as instituições públicas ou privadas que atuem há mais de um ano na proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes (orfanatos, creches, escolas, centros de defesa) exercitem um papel semelhante ao dos partidos políticos, só elas indicando os candidatos para registro, em número estabelecido na lei municipal, quer seja direto, quer indireto, o processo de escolha.

Onde a eleição direta fosse inviável, as organizações comunitárias que funcionem pelo menos há um ano (sindicatos, associações de bairros, escolas, hospitais etc.) indicariam os eleitores, seus representantes. A qualificação e a inscrição prévias desses eleitores seriam feitas perante o Conselho Municipal de Direitos, na forma estabelecida na lei municipal.

(Nada impede que a lei municipal fixe prazo superior ou inferior a um ano, tendo sido sugerido esse período com base no parâmetro do art.210, m, do Estatuto, que defere legitimação extraordinária às associações “legalmente constituídas há pelo menos um ano”.)

Importante é evitar a possibilidade de pessoas ou instituições com segundas intenções e sem qualquer compromisso com o atendimento da criança e do adolescente poderem conduzir ou dominar o processo de escolha, desviando-o de seus verdadeiros e nobres objetivos.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

 

ECA comentado: ARTIGO 139/LIVRO 2 – TEMA: Conselho tutelar
ECA comentado: ARTIGO 139/LIVRO 2 – TEMA: Conselho tutelar