Créditos: Governo da Bahia
Juliana Sada, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
Segundo a Constituição e a legislação brasileiras, o trabalho é permitido apenas a partir dos 16 anos. No entanto, para o juiz do Trabalho José Roberto Dantas Oliva, até 2016, o Brasil terá que elevar essa idade para 18 anos. A modificação é justificada pelo aumento da idade obrigatória de ensino, que foi estendida até os 17 anos. “O ideal, e isso consta na Convenção 138 ratificada pelo Brasil, é que a educação básica não seja concomitante ao trabalho”, defende o juiz.
O caminho ideal para que a mudança fosse realizada é pelo Poder Legislativo, com uma emenda constitucional que modificasse o artigo que trata da idade mínima ao trabalho. No entanto, explica Oliva, os juízes podem aplicar a nova regra por interpretação da Constituição e da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para o juiz do trabalho, haverá resistência do Congresso
Nacional em realizar a modificação. “Temos três Propostas de Emendas à Constituição (PECs) tramitando, propondo a redução da idade mínima. Caso aprovadas, elas representariam um retrocesso inaceitável.”
Em entrevista exclusiva ao Promenino, José Roberto Dantas Oliva, juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Presidente Prudente (SP), comenta o papel do Judiciário na erradicação do trabalho infantil, debatendo as recorrentes autorizações dadas para o trabalho de crianças e adolescentes. “Fora atividades artísticas, não se pode autorizar ninguém a trabalhar fora da idade permitida.”
Para o juiz, o Brasil avançou muito no combate ao trabalho infantil, mas ainda há muito o que fazer. Oliva ressalta a importância de se oferecer alternativas para crianças e adolescentes nessas situações, como educação, a aprendizagem e o acesso a programas sociais. “Eu não tenho dúvidas de que o caminho mais correto a se trilhar no combate ao trabalho infantil seria o da oferta de educação de qualidade, de preferência em tempo integral, e atrativa aos jovens.”
Confira a seguir a entrevista com o juiz do Trabalho José Roberto Dantas Oliva.
Promenino: Recentemente, em um seminário, você defendeu que seria necessário elevar a idade mínima para o trabalho. Por que aumentar a idade mínima?
José Roberto Dantas Oliva: É uma questão constitucional. Eu entendo que esse aumento será obrigatório, no máximo, até 2016, quando a idade mínima para trabalho seria 18 anos. Em 2009, houve uma emenda constitucional que modificou o artigo 208, que trata do dever do Estado com a educação. O ensino básico passou a ser obrigatório dos 4 aos 17 anos, incluindo o ensino médio que não era obrigatório.
Mas o que isso tem a ver com a idade mínima? O ideal, e isso consta na Convenção 138 ratificada pelo Brasil, é que a educação básica não seja concomitante ao trabalho. Essa Convenção, que tem status constitucional, estabelece que todo país deve aumentar progressivamente a idade mínima de trabalho. Já o seu artigo 2 determina que a idade mínima não pode ser inferior à da conclusão da escolaridade compulsória.
Se a Convenção é uma norma, e deve ser cumprida, e se a educação será obrigatória até os 17 anos, a idade de trabalho não pode ser inferior a 18 anos. E por que afirmo que isso deve ocorrer até 2016? Porque esse é o prazo que a emenda constitucional dá para que sejam implementadas as mudanças que ela prevê.
Promenino: Essa mudança teria que vir do legislativo, certo? Como dar início a esse processo?
Oliva: Eu entendo que, independente de qualquer modificação legislativa ou constitucional, isso já pode ocorrer por simples interpretação do Judiciário. O ideal, é claro, é que houvesse alterações na Constituição e nas leis. No entanto, isso é muito difícil de acontecer já que há uma resistência muito grande no Congresso.
Há uma resistência, inclusive, à atual idade mínima, de 16 anos. Temos três Propostas de Emendas à Constituição (PECs) tramitando, propondo a redução da idade mínima. Caso aprovadas, elas representariam um retrocesso inaceitável, e o Poder Judiciário deveria se posicionar, declarando-as como inconstitucionais.
Promenino: Quais os desafios para erradicar o trabalho infantil no Brasil?
Oliva: Eu não tenho dúvidas de que o caminho mais correto a se trilhar no combate ao trabalho infantil seria o da oferta de educação de qualidade, de preferência em tempo integral, e atrativa aos jovens.
Outra coisa que acho fundamental é que não podemos simplesmente negar, dizendo “você não pode trabalhar e ponto final”. Nós precisamos encontrar caminhos para apresentar também alternativas. Umas delas seria o encaminhamento para aprendizagem, para quem já completou 14 anos. Hoje existe uma lei que determina que as empresas contratem aprendizes e essa lei não está sendo cumprida. Precisamos de mecanismos, como a rede de proteção em cada município com a participação do Judiciário, para garantir a proteção. Se o caso de trabalho infantil envolver criança ou adolescente com menos de 14 anos, tem que dar condições para que essa família mantenha a criança na escola e com seu tempo de atividades lúdicas, para que ela possa ter plena infância, com a aprendizagem adequada. A partir dos 14 anos, deve-se aliar educação com aprendizagem profissional de verdade – não essa falsa aprendizagem que vemos muito por aí, que é apenas mão de obra barata. Se conseguíssemos essa rede, seria mais fácil dizer não, porque diríamos um sim com outras oportunidades.
Promenino: Como o Judiciário se encontra neste panorama?
Oliva: O Poder Judiciário já esta atuando de forma proativa, com o Programa de Combate ao Trabalho Infantil, todos os 24 Tribunais do Trabalho estão engajados nessa pauta. O Poder Judiciário Trabalhista se associa a todos que até agora vêm lutando. Inclusive para fazer com que o país possa cumprir as metas assumidas de erradicar todas as formas de trabalho infantil até 2020 e as piores formas até 2015. É um compromisso de Estado, não apenas de governo, e o Poder Judiciário faz parte do Estado, e tem o dever de contribuir para erradicação definitiva dessa chaga social. Acho que estamos no caminho certo, não sei se conseguiremos cumprir essas metas, mas caminhamos para que o trabalho infantil seja apenas uma reminiscência do passado.
Promenino: Dentro do sistema judicial, muito se debate sobre a competência para autorizar o trabalho infantil, se é da Justiça do Trabalho ou das Varas de Infância. Mas essa autorização deve ocorrer? Se sim, em qual situação?
Oliva: A competência não é para autorização, é para desautorização. A ideia não é autorizar, é não permitir que haja trabalho infantil em qualquer uma de suas formas. A única exceção, por conta da mesma Convenção 138 da OIT, é o artístico, sempre observando que haja proteção prioritária e total para o artista infantil; e que não seja prejudicial a sua formação. Fora isso, não se pode autorizar ninguém a trabalhar fora da idade permitida.