Foi divulgada no dia 07/10 a pesquisa TALIS 2024 (Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem), conduzida pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O documento traz um retrato atualizado sobre as condições de trabalho, práticas pedagógicas e percepções dos professores e diretores de mais de 40 países. No Brasil, o estudo ouviu docentes e gestores dos anos finais do Ensino Fundamental.
A cada edição, a TALIS introduz novas perguntas na pesquisa para captar informações relevantes no contexto atual. Em 2024, a TALIS perguntou aos professores sobre como se adaptam a populações estudantis cada vez mais diversas, o uso de tecnologia e inteligência artificial e como respondem às necessidades sociais e emocionais dos alunos. Vale destacar que os dados da TALIS são baseados na autopercepção dos docentes, o que significa que os resultados refletem suas experiências e opiniões individuais.
Além disso, os resultados da TALIS reforçam que a discussão sobre competências digitais deve ser compreendida de forma ampla. Isso envolve não apenas a capacidade de ensinar com tecnologia, integrando recursos digitais de forma pedagógica, mas também a habilidade de ensinar sobre tecnologia, promovendo uma compreensão crítica de como ela influencia os processos de ensino e aprendizagem. Trata-se de formar professores capazes de usar ferramentas digitais de maneira intencional e reflexiva, entendendo seus impactos, limitações e possibilidades no contexto educacional.
Uso de tecnologia e inteligência artificial em sala de aula
De acordo com os dados divulgados, 56% dos docentes brasileiros afirmam já ter utilizado inteligência artificial em seu trabalho, percentual superior à média da OCDE (36%). A tabela abaixo indica quais os principais usos que esses professores têm feito da IA em suas práticas.

Entre os professores que afirmaram não ter usado IA no ensino nos 12 meses anteriores à pesquisa, 64% disseram não ter o conhecimento ou as habilidades necessárias para ensinar com IA (abaixo da média da OCDE: 75%) e 60% afirmaram que suas escolas não possuem infraestrutura para utilizar IA (acima da média da OCDE: 37%).
Esses dados sugerem que há um amplo espaço para fortalecer e expandir as formações docentes. Cumpre ressaltar que o valor dessas iniciativas é reconhecido pelos próprios professores: cerca de 90% afirmam que as formações das quais participaram tiveram impacto positivo em sua prática pedagógica, um índice significativamente superior à média da OCDE, de 55%. Vale destacar que o percentual de professores iniciantes (com até 5 anos de experiência), que consideram essas formações relevantes, está 4 pontos percentuais acima do observado entre os mais experientes.
Mais especificamente sobre as formações em competências digitais, 39% dos docentes relatam altas necessidades de formação continuada em inteligência artificial aplicada à educação, uma das principais áreas de demanda identificadas, ao lado do ensino de alunos com necessidades especiais (48%) e da atuação em contextos multiculturais (37%). Entre os professores em início de carreira, a demanda por formação em IA é ligeiramente menor (32%), mas ainda figura entre as três áreas de maior necessidade.
É interessante observar que esse conjunto de resultados contribui para relativizar e interpretar com mais cautela um dado que, à primeira vista, pode parecer bastante positivo: 72% dos recém-formados afirmam que sua formação inicial os preparou bem para utilizar recursos e ferramentas digitais no ensino, um percentual superior à média da OCDE, de 62%. No entanto, esse dado deve ser lido com atenção, uma vez que, como apresentado anteriormente, os próprios docentes relatam dificuldades em aplicar tecnologias na prática e apontam necessidades significativas de formação continuada. Como se trata de uma pesquisa baseada em percepções, o resultado de 72% parece refletir mais a familiaridade ou exposição aos recursos digitais do que uma real segurança pedagógica no uso dessas tecnologias. Nesse contexto, os achados da TALIS 2024 reforçam a importância de políticas de formação docente articuladas, que fortaleçam tanto a formação inicial quanto a continuada, promovendo o desenvolvimento efetivo de competências digitais integradas ao fazer pedagógico.
Essa articulação, quando feita com intencionalidade, poderia contribuir para superar os principais obstáculos relatados pelos professores para participar de atividades de desenvolvimento profissional, como a falta de apoio institucional (57%), conflito com carga horária de trabalho (52%), custo elevado de formações (52%). Ao alinhar a formação oferecida nas universidades com as oportunidades de atualização disponíveis ao longo da carreira, estruturando esse processo de forma coordenada como política pública, seria possível conduzir o desenvolvimento das competências digitais de forma progressiva e consistente.
O papel estratégico da tecnologia na inclusão e na autonomia docente
A pesquisa também evidencia o papel estratégico da tecnologia no apoio à inclusão educacional. No Brasil, 30% dos professores atuam em escolas onde mais de 10% dos estudantes têm necessidades educacionais especiais, percentual que cresceu 20 pontos percentuais desde 2018. Nesse contexto, as tecnologias digitais e, em especial, as ferramentas baseadas em IA oferecem oportunidades para personalizar o ensino, ampliar a acessibilidade e diversificar estratégias de aprendizagem, apoiando professores na adaptação de tarefas e no acompanhamento individualizado dos alunos.
Por fim, é válido comentar que a pesquisa TALIS também traz uma interessante análise sobre a autonomia e a autoridade decisória dos professores na sala de aula. Um ponto específico de interesse, que pode ser observado no gráfico abaixo, diz respeito à decisão sobre o uso de recursos digitais para o ensino, que aparece abaixo da média da OCDE. Em síntese, esses resultados reforçam que existe espaço para fortalecer o professor como agente ativo da inovação educacional.

Essa discussão é especialmente importante porque a implementação de políticas públicas depende, em grande medida, das decisões cotidianas tomadas pelos atores envolvidos “na ponta”, ou seja, em sala de aula. Mesmo em sistemas com políticas e diretrizes educacionais bem estruturadas, o sucesso da implementação está diretamente ligado ao grau de discricionariedade docente, isto é, à margem de decisão que cada professor exerce ao interpretar, adaptar e colocar em prática as orientações que chegam à escola. Por isso, formar o professor é também formar o principal agente de implementação de políticas públicas. A construção de uma educação digital equitativa depende não apenas de currículos robustos, mas de professores preparados para exercer sua discricionariedade de forma consciente, informada e orientada por evidências.