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12.07.2016
Tempo de leitura: 5 minutos

A classe multisseriada como espaço de autonomia e habilidade de lidar com o outro

A interação entre alunos de diferentes idades cria espaços produtivos, onde todos aprendem e ensinam juntos.

A interação entre alunos de diferentes idades cria espaços produtivos, onde todos aprendem e ensinam juntos.

Com um barbante, as crianças marcaram sua altura na parede da sala de aprendizado. Os compridos indicavam as altas crianças entre 10 e 12 anos; os menores, próximos do rodapé, mostravam a miudeza dos que tem 3. A sala de iniciação do Projeto Âncora acolhe desde crianças que ainda estão aprendendo a rabiscar letras até aquelas que escrevem sobre o que os bichos comem. O espaço multisseriado é de troca, onde todo mundo tem o que ensinar e o que aprender.

Quando se pensa em espaços educativos em que crianças de diferentes faixas etárias estudam e convivem, é natural pensar nas escolas do campo. Nas mais de 42 mil escolas brasileiras do campo – conceito que se estende para áreas litorâneas, quilombos e comunidades indígenas – 74% delas são multisseriadas. Segundo Cybele Amado, presidente do Instituto Chapada, as classes multisseriadas brasileiras nasceram da necessidade. Para democratizar o acesso à escola, as salas de aula tinham de comportar alunos de idades múltiplas, e, muitas vezes, estágios múltiplos de aprendizado, devido a uma ausência de infraestrutura que permitisse a seriação.

Em paralelo, espaços educativos em outros países e também fora do campo revolucionavam sua pedagogia, entendendo a escola como instituição pública e espaço de cidadania. Experiências como a do escocês Alexander Sutherland Neill e a escola Summerhill, onde alunos de diversas idades habitavam espaços de aprendizado e democracia, escolhendo o que queriam estudar, influenciaram correntes pedagógicas onde o aluno é autônomo e centro da pedagogia.

Acontecendo por razões e contextos diversas, as classes multisseriadas são uma realidade e uma proposta de educação diferente. No contexto rural brasileiro, são comumente associadas à precarização, e raramente vistas como possibilidade de inovação. “A visão que minimiza e banaliza a experiência do campo está pautada por elas não serem construídas como argumento conceitual. Ao longo da história, foram sendo compreendidos os benefícios das salas multisseriadas, embora o sonho da escola seriada ainda persista em muitos lugares”, explica Cybele. Quando a escola do campo é considerada inovadora, como algumas das 178 experiências mapeadas pelo Ministério da Educação (MEC), essas práticas são legitimadas e podem servir de inspiração.

Não há conhecimento e aprendizado sem interação. Na classe multisseriada, há um encontro intenso de saberes. Em pesquisas feitas pelo Instituto Chapada, Cybele notou que crianças nativas desses espaços avançavam mais do que as de turmas seriadas. Estudantes em idade de leitura podem acelerar o processo de quem ainda não consegue, por exemplo. Nos desafios surgidos na convivência, crianças aprendem a lidar com o diferente, fundamental para a vida em comunidade.

No Projeto Âncora, localizado em Cotia (SP), crianças de diferentes idades convivem na grama, no circo e na sala de aprendizado. Não há séries, como também não há matérias. As competências são aprendidas por meio de roteiros escolhidas pela própria criança, e os grupos heterógenos se formam a partir de desejos em comum. “As crianças aprendem a ser gente” fala a coordenadora Susana Ribeiro, citando o professor português José Pacheco, da inspiradora Escola da Ponte. Quando ocupam espaços que requerem diferentes níveis de interação, elas exercem sua autonomia. “Autonomia é aprendida na prática. Quando você coloca a criança em um espírito de comunidade, ela consegue identificar momentos onde pode ser útil e fazer parte do que chamamos de ‘problema de um, problema de todos’”, completa. O projeto é um modelo positivo da pedagogia disruptiva fora do campo.

O educador, ante uma classe multisseriada, se depara com uma realidade a qual ele não foi preparado em sua formação. Por isso, para Cybele Amado, não é nenhum espanto que ele não consiga perceber e lidar com os desafios que esse ambiente oferece. “Os educadores tiveram uma formação muito centrada na seriação e pouca experiência de interação entre crianças, dentro da sala de aula e também fora dela. Quando partiram para escola, isso também continuou”.

Clique aqui para ler a matéria e fazer o download da Coleção Classes Multisseriadas, lançada pela Fundação Telefônica Vivo em parceria com o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa.

A pedagogia das classes multisseriadas não pressupõe um trabalho sempre em conjunto, como também a capacidade organizacional de perceber quando os alunos tem que agrupar ou quando devem trabalhar sozinhos.
Seja por uma necessidade de democratização de acesso, seja um modelo inovador de pedagogia, os espaços multisseriados se configuram como uma proposta que demanda um olhar próprio e cuidadoso. A inovação na educação acontece quando a criança, mas do que aprender, tem a escola como um lugar de formação e descoberta de si própria. “As crianças são mestras, e se pudermos olhá-las com respeito e sem prepotência, veríamos que elas têm muito a ensinar”, conclui Suzana.


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