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Crédito: Agência Brasil

Por Cecília Garcia, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz

Décadas de luta contra o trabalho infantil, em um misto de fiscalização, denúncia e investimento em políticas públicas de redução da miséria como o Bolsa Família, resultaram em uma diminuição no número de crianças e adolescentes trabalhando. Uma vitória considerada modelo por outras nações – o Nobel da Paz, Kailash Satyarthi, constantemente elogia o Brasil neste âmbito.

No inicio da década de 1990, eram exatos 8.423.448  crianças e adolescentes trabalhando, muitos deles complementando a renda de suas famílias em atividades perigosas como carvoaria e agricultura. Em 2014, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), há 3,3 milhões em situação de trabalho infantil.

Desse número – que é alto e requer a continuidade do combate da sociedade civil e dos poderes públicos – cerca de 80% são jovens com idade superior a 14 anos. Desenhou-se, então, um novo perfil do trabalhador infantil brasileiro: diferente do anterior, que se caracterizava em sua maioria por crianças envoltas nas piores formas de trabalho, se há um adolescente que, buscando desde cedo a independência financeira e inserção no mercado de trabalho, ele se engaja em atividades como ser auxiliar num lava-rápido ou prestar serviços em um negócio familiar.

Ante a mudança do perfil, as medidas para combatê-lo também devem se transformar. Se o jovem tem o anseio de trabalhar, a ele tem de ser oferecidos os meios para que esse trabalho seja de formação integral e pedagógica, o chamado trabalho adolescente protegido, e não atrapalhe a continuidade de seus estudos, se possível, os fortalecendo. A partir dos 14 anos, é permitido por lei que jovens trabalhem na forma prevista pela Lei de Aprendizagem (Lei nº 10.027, de 2000). Lembrando que qualquer outra forma de trabalho infantil antes dos 18 anos é proibida.

O Promenino conversou com a ministra Kátia Arruda, do Tribunal Superior de Trabalho (TST), e com o Centro Assistencial de Formação Profissional (CAMP), em São Paulo, para saber quais sãos os entraves e avanços com relação à aplicação da lei e suas vantagens no combate ao trabalho infantil. Também foram ouvidos três aprendizes para opinar sobre essa forma de trabalho, que combina prática e teoria.

Semana Nacional de Aprendizagem: engajar empresas a contratar aprendizes
A Lei de Aprendizagem, criada em 2000, determina que empresas de médio e grande porte dediquem de 5% a 15% de suas vagas para jovens de 14 e 24 anos. É um contrato especial, onde o jovem não somente executa as funções pertinentes ao seu cargo, como também recebe formação teórica para qualificação profissional; entidades qualificadas que trabalham em uníssono com as empresas oferecem conteúdos pedagógicos que visam não somente sua evolução como futuro trabalhador, mas também aspectos formativos do cidadão.

O jovem receber vale-transporte que cubra os trajetos entre sua moradia, a empresa e também a entidade que oferece sua formação pedagógica. O contrato determina que: se for adolescente, ele deve receber férias que coincidam com seu período escolar, e deve ter seu emprego garantido, salvo casos específicos (quando ele completa 24 anos, se houver perda do ano letivo ou uma falta disciplinar grave, por exemplo). Em hipótese nenhuma esse trabalho pode ser um dos listados na Lista TIP – Piores Formas de Trabalho Infantil.

Como é ser jovem aprendiz no Brasil? Relembre reportagem especial do Promenino.

Quando a empresa de médio a grande porte cumpre a cota da Lei de Aprendizagem, ela não está apenas funcionando na conformidade legislativa –está cumprindo um papel fundamentalmente social, dando oportunidade para que jovens se desenvolvam em suas áreas de interesse e, talvez, no decorrer do percurso, descubram afinidades com áreas desconhecidas. A falta do cumprimento, por consequência, implica um grave retrocesso: um trabalhador adolescente não fiscalizado exerce funções que em nada auxiliam sua formação como indivíduo, sendo possivelmente danosas e garantias de um futuro profissional precário.

É fundamental que as políticas públicas travem um diálogo constante com as empresas, incentivando e esclarecendo as vantagens da Lei de Aprendizagem. A Semana Nacional de Aprendizagem, que acontecerá de 2 a 6 de maio, foi criada pela união de diversas instituições públicas e privadas, tais como o TST, Ministério do Trabalho (MPT), “Sistema S”, CNI/CNC/Sindicato para conscientizar empresas em todo território nacional a adotarem a lei. A semana realizará audiência pública em diversos estados, conscientizando empresas, em especial as descumpridoras.

Para a ministra Kátia Arruda, do TST, são claras as vantagens para a empresa no tocante a contratação de aprendizes. “A empresa estará fazendo a parte que lhe cabe na formação desse jovem e, consequentemente, estará contribuindo para afastá-lo de formas nefastas e precários de exploração. A lei também prevê incentivos, tais como, a diminuição da alíquota do FGTS (que cai de 8% para 2% para os aprendizes), além do que, por ser um contrato por prazo determinado, não tem aviso prévio ou multa rescisória, desde que realizado conforme a lei”. Ela complementa que a empresa terá a sua disposição um profissional muito mais familiarizado com os processos internos do negócio.

Estima-se que 2,7 milhões de adolescentes entre 14 e 17 anos estejam trabalhando, e que 60% deles exerçam atividades ilegais ou perigosas. Esse número diminui se as empresas cumprirem a cota de aprendizagem. A ministra aponta alguns dos fatores que pode ser impedimentos para a contratação. “São vários, desde o desconhecimento da importância da lei à incompreensão de sua função social. Todos querem tirar os adolescentes das ruas e afastá-los da marginalidade, mas não percebem que o melhor caminho é a educação de qualidade e a formação técnica adequada que o contrato de aprendizagem pode proporciona.”

Uma das ações que a Semana Nacional de Aprendizagem promoverá é uma chamada pública em São Paulo para 200 grandes empresas que possivelmente não estão cumprindo a cota. Durante a audiência, serão esclarecidas dúvidas em relação à contratação, aprofundamento de suas vantagens para empresa, além de abertura para a fala dos empresários, mediante inscrição prévia.

A opinião de quem aprende
Raquel Ferreira dos Santos, de 17 anos, sempre quis cursar Direito. Foi trabalhando como aprendiz na área jurídica de uma empresa que ela percebeu que o cotidiano de um formando advogado não era exatamente o que ela visionava. “Hoje sei que pendo para o lado da psicologia e a da assistência social.” Os sonhos para o futuro são sempre enevoados, principalmente quando se é adolescente, e poder contar com uma experiência palpável na área de uma possível escolha profissional é decisivo para continuar nela, ou largá-la e perseguir outros almejos. Para Raquel, ser aprendiz foi o que possibilitou essa experimentação e descoberta.

No prédio de paredes brancas e portas coloridas do CAMP Pinheiros, muitos jovens como Raquel sobem e descem escadarias para suas aulas diárias. E lá, como em outras unidades do Centro, que é braço social do Rotary Club, que acontecem as formações integrais para os aprendizes. “Queremos criar profissionais e seres humanos plenos. Ensinamos uma série de conteúdos que visam à inserção produtiva deles no mundo, então também passamos valores éticos e morais aos jovens”, explica Rosa Maria, coordenadora pedagógica do Centro.

São 400 jovens a cada trimestre que procuram o CAMP, geralmente oriundos de famílias de baixa renda. Para se inscrever, devem ter entre 15 e 21 anos e uma escolaridade mínima de 8ª série. Rosa Maria conta que a maioria os procura querendo um emprego, e aí cabe explicar que o CAMP não é uma agência e sim um formador de aprendizes. “Trabalhamos com eles para mostrar que a Lei de Aprendizagem foi criada como um investimento educacional”, complementa Cristiane Pinto da Silva, supervisora pedagógica.

Clique na imagem para ler na íntegra a publicação que trata da Proteção ao Trabalho Decente do Adolescente e Aprendizagem

Nota-se que o desejo de independência financeira é a principal motivação do adolescente, seja para complementar a renda da família ou para adquirir bens de consumo. “Eles assinam o contrato e daqui a alguns meses você já os vê vestindo tênis de marca ou adquirindo um celular. Então trabalhamos para mostrar a importância da formação, para que quando o contrato acabe, ele não fique sem nada, e tenha adquirido uma boa experiência profissional que o ajude no futuro”. Por terem motivação financeira, também existe um trabalho potente em incentivá-los a abraçar a formação teórica. “Estamos aqui para auxiliá-los primeiramente para a vida e consequentemente no mundo do trabalho”, finaliza Cristiane.

O Promenino conversou com os jovens Raquel, Johann de Oliveira (19 anos) e Beatriz Peres (18 anos). Eles fizeram um caminho inverso da maioria dos alunos da CAMP: ao conseguirem seu primeiro emprego, foram encaminhados para o CAMP para formação técnico-profissional. Neles se percebe uma preocupação genuína com o futuro profissional. “Eu senti vontade de trabalhar desde cedo, queria ser independente e não depender mais dos meus pais. Trabalhar como aprendiz fez eu me desenvolver muito”, conta Raquel.

Beatriz acredita que a experiência é um diferencial na hora da contratação, e que buscar se munir de conhecimento desde jovem é muito importante para conseguir um emprego. “Se deixarmos um pouco mais para frente, as empresas não irão querer nos dar oportunidade.” Ela também concorda com Raquel sobre a independência financeira, principalmente se ela puder custear seus próprios estudos e sua faculdade. Atualmente, Beatriz está cursando Relações Internacionais.

Para Johann, que fez curso técnico de Engenharia Elétrica e agora também cursa a faculdade na mesma área, o processo de aprendizagem foi importar para quebrar preconceitos e abrir seus horizontes com relação ao futuro profissional. “Sempre fiz cursos voltados para minha especialização, e pensava que administração será péssimo. Mas trabalhando com a área, vi que não era tão ruim assim e ganhei uma experiência muito importante. Tudo que faremos daqui para frente exige experiência”, vaticina.

A Lei de Aprendizagem como forma de combater o trabalho infantil
A Lei de Aprendizagem como forma de combater o trabalho infantil