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28.06.2021
Tempo de leitura: 6 minutos

A luta da ativista Gilmara Cunha pela causa LGBTQIA+ no Complexo da Maré

Moradora da região, a líder comunitária é uma das fundadoras da primeira organização LGBTQIA+ em uma favela no Brasil. Conheça sua história

Imagem de uma pessoa levantando um coração de papel com as cores de um arco-íris.

O Complexo da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, com seus 140 mil moradores, tem longa trajetória de lutas pela população LGBTQIA+. A Parada LGBT da Maré, por exemplo, já teve 12 edições. O evento chega a reunir cerca de 30 mil pessoas, e já se tornou o maior evento de toda a comunidade. Ele encerra a Semana da Diversidade Sexual da Maré, que traz múltiplas atividades que buscam à promoção da saúde e dos Direitos Humanos na comunidade.

Este ano a Maré celebra mais uma conquista: será o primeiro conjunto de favelas, no estado do Rio de Janeiro, a receber um Centro de Promoção da Cidadania LGBT, iniciativa ligada ao Programa Estadual Rio Sem LGBTIfobia, da Subsecretaria de Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro. A unidade terá atendimento jurídico, psicológico e social, entre outros serviços gratuitos à comunidade LGBTQIA+, aos seus familiares e a seus amigos.

Apesar de ser um programa governamental, a conquista se dá principalmente pela luta da líder comunitária Gilmara Cunha, de 36 anos. Moradora da região, ela foi a primeira mulher transgênero a ganhar a medalha Tiradentes, premiação concedida a pessoas que prestaram relevantes serviços à causa pública do Estado do Rio de Janeiro, e é uma das fundadoras do Grupo Conexão G, a primeira organização LGBTQIA+ em uma favela no Brasil.

Bastante respeitada e, por vezes, chamada de madrinha na Maré, ela pensa e constrói cotidianamente novas estratégias de atuação. “Tem que existir e resistir nestes espaços para construir políticas que ajudem a nossa população. Precisamos nos reinventar sempre”, defende Gilmara.

A inauguração do centro deveria ter ocorrido no começo do ano, mas, por causa de mudanças internas na Subsecretaria, a abertura foi adiada e está prevista para o fim deste mês. Além dos serviços de auxílio, Gilmara pretende ainda levar outros projetos, como cursos de informática, de corte e costura, e uma biblioteca comunitária. “Não queremos que o Centro seja criado para que os profissionais esperem que a comunidade vá até eles, nós vamos convocar a comunidade para estar dentro deste espaço”, diz.

Trajetória: à frente na luta 

O perfil de liderança da Gilmara pode parecer, para muitos, uma característica inata, mas ela diz que não se via nesta posição. “Sentia necessidade de ser alguém na vida, precisava que as pessoas me reconhecessem. Acabei sendo empurrada para esse lugar de liderança que ocupo hoje.”

Gilmara é uma das responsáveis por dar voz à população LGBTQIA+ em favelas. “Onde, na história do Brasil, uma travesti negra, pobre, favelada, vai para Londres, Nova York, Paris?”, pergunta. “Fui para essas cidades para exportar para outros países a metodologia que eu tinha usado aqui na Maré. Viu? A travesti exporta metodologia!”, diverte-se.

De família humilde e dentro um cenário conturbado, sua jornada não foi fácil. “Quando se trata da questão LGBT, a coisa sempre é pior”, afirma Gilmara. Morou e estudou na Maré e, com pouco amparo familiar e convivendo, na época, com dilemas sobre sua identidade de gênero, recebeu apoio de organizações de defesa e garantia da cidadania da comunidade LGBTQIA+.

Durante sua juventude, contou com atendimento psicológico gratuito de uma ONG, por achar errado o que estava vivendo e sentindo. Ainda jovem, participou do projeto Instituto Promundo, organização que tinha como objetivo promover a equidade de gêneros e o fim da violência por meio de discussões sobre masculinidade e feminilidade. “Comecei a me apaixonar por essa luta, mas ainda não entendia muito bem do que se tratava”, afirma.

Em 2006, fundou, ao lado de cinco amigos gays, a ONG Grupo Conexão G. No início, ela conta, eram reuniões apenas entre os integrantes que constantemente sofriam agressões verbais e físicas por serem homossexuais.

Dos encontros semanais, a organização se consolidou e com seus projetos começou a transformar, tanto o território da Maré, quanto áreas fora da periferia. “Movimentamos a sociedade para dizer que existiam gays, lésbicas, transgêneros, bissexuais na favela, e que não dava para pensar mais em uma política desigual e excludente. Queríamos furar a bolha para estar dentro das políticas públicas. Se o favelado já vive à margem, imagina o favelado gay, trans ou lésbica? Estamos à margem da margem.”

A instituição organizou eventos, ocupou espaços de discussões e formações. A Parada LGBT, promovida pelo Conexão, já está no calendário fixo das comunidades do complexo. Ela afirma, no entanto, ser um equívoco dizer que a realidade da Maré é a mesma que a de outros locais.

“Cada comunidade tem a sua especificidade”, ressalta. Segundo ela, o que funciona na Maré pode não funcionar em outras favelas cariocas, como a Rocinha e o Alemão. “As agendas criadas devem respeitar as particularidades de cada lugar”, diz.

Já são quinze anos de existência e o Conexão é a única organização LGBTQIA+ em favela no mundo. Gilmara diz que se sente bastante realizada ao ver que, ao longo de sua história, conseguiu abrir portas para pessoas da comunidade LGBTQIA+.

“Depois desse tempo, não ter outra significa que essa população não se sente segura. Considero que fui muito ousada para resistir e estar aqui. Se me perguntar se faria tudo de novo, eu respondo que sim, faria. Cheguei aonde eu quis. Alguém tinha que furar esta bolha”, finaliza.

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