Iniciativas restituem às crianças espaços da cidade | Crédito: Divulgação ErêLab
Da redação do Promenino e Portal Aprendiz*, com Cidade Escola Aprendiz.
“Vivemos sob a política do medo”, reflete o artista plástico e cenógrafo Roni Hirsch, “que aprisiona a criança dentro de casa, do clube, do condomínio, e a grande commodity virou a segurança. Se não atuarmos no sentido contrário – apresentar à criança o território que é dela, e promover a partir da apropriação o surgimento de uma nova visão de cidadania –, ficaremos preso a essa ideia de promover segurança a qualquer preço.”
Para dar vida à sua inquietação, Roni idealizou o ErêLab, laboratório de criação de objetos e espaços de brincar, interagir e participar. “São objetos de grande porte lúdicos para espaços públicos, interativos, instalações lúdicas. Não quero cair na ideia do brinquedo e do playground básico: em seu espaço livre, a criança pode criar muito mais do que isso.”
Agenda do Erê Lab + Slowkids no aniversário de São Paulo
Dia 24/1 – 10h às 16h – ZONA OESTE
Av Sumaré entre Praça Márcia Alberti Mammana e Ministro Godói
Dia 24/1 – 10h às 16h – ZONA SUL
Campo Limpo – Av. Carlos Caldeira Filho na altura do metrô Capão Redondo
Dia 25/1 – 10h às 16h – ZONA LESTE
Cidade Tiradentes – Av. dos Metalúrgicos
Dia 25/1 – 10h às 16h – ZONA SUL
Parelheiros – Rua Terezinha do Prado Oliveira ( na altura do Ceu Parelheiros)
Dia 25/1 – 10h às 16h – CENTRO
Avenida Paulista
Por ocasião do aniversário da cidade de São Paulo, em uma ação conjunta do ErêLab com o Slowkids, um projeto realizado em parceria com o Instituto Alana, as crianças terão uma boa amostra de como funciona o brincar na cidade. Como divulgaram nas redes, será uma “ocupação lúdica”, abrangendo pontos em todas as regiões: Norte, Sul, Leste e Oeste, que incentiva o tempo para brincar, o estar em família e o amor pela cidade. É uma chance de relembrar o tempo em que a infância se desenvolvia também nas ruas, palco de travessuras e brincadeiras infantis.
“Temos quase seis mil espaços verdes na cidade e muitos estão sem uso, alguns inclusive viram rotatórias de carros. Abandono, falta de uso, tem terra e árvore, mas não tem banco para sentar, banheiro público, lixeira, brinquedo, nada”, lamenta Roni. “Precisamos ter sempre pequenas estruturas de brincar em todos os bairros, para a comunidade se encontrar, criando uma rede de famílias e apoio que passa a cuidar da praça.”
Para ele, é grande a demanda para que isso aconteça, mas não há consciência coletiva de que ela existe. “O espaço da criança não é somente da criança, mas sim da família. Se ela está confortável nesse espaço, a criança também estará. Tem que ter banco, mesa, banheiro público. A criança não toma decisão sozinha, precisa-se atrair a família como um todo.”
Entre as criações do ErêLab estão uma casa palafita, um horizonte baseado no skyline de São Paulo, pedras de borracha feitas com pneus reciclados e triturados, labirintos com peças de encaixe inspirados no design modernista.
Conheça alguns movimentos, coletivos e iniciativas que contribuem para devolver a cidade para as crianças:
Grupo Contrafilé
Surgido no ano 2000 e formado por artistas que vivem em São Paulo, o Grupo Contrafilé desenvolve trabalhos de intervenção pública que promovem encontros entre diversas pessoas, coletivos e comunidades. Entre eles está o Parque para Brincar e Pensar, ideia levada a cabo em 2011, no Jardim Miriam (zona sul), com a intenção de reunir pessoas de diferentes gerações, formações e classes sociais na construção de um espaço comunitário de lazer e reflexão. “Um território de invenções”, define o Grupo em texto, “no qual o maior conteúdo é a brincadeira”.
Para a artista e educadora Joana Zatz Mussi, integrante do Contrafilé, a brincadeira está associada à invenção do que é público, comum e social. “Nosso objetivo sempre foi reconectar a criança, o jovem, o idoso e o adulto, misturando as sabedorias próprias de cada fase da vida. É necessário que isso aconteça para a criança voltar a brincar no espaço público”, afirma.
Com a mesma finalidade e participação da comunidade no processo de criação surgiu o Quintal, parque situado no Jardim dos Químicos, em São Bernardo do Campo (SP). Ambos os espaços são decorrentes do projeto A Rebelião das Crianças, iniciado em 2005 após revoltas ocorridas no sistema socioeducativo. Na ocasião, o grupo discutiu as narrativas dos acontecimentos pela grande mídia, as escolhas das palavras “internos”, “infratores” e “marginais” para definir os adolescentes em conflito com a lei. “A construção das narrativas sociais também é espaço público. Afinal, ele não é só concreto e asfalto, é muito mais complexo do que isso: é onde, quando e como o comum acontece”, defende Joana.
Em sua opinião, os tais “marginais” eram apenas crianças que nunca tiveram seus direitos protegidos e sintetizavam a condição de milhares de meninos e meninas brasileiros que tiveram a infância roubada. O grupo, então, promoveu ações diretas no espaço público com crianças moradoras de rua, excluídas do “comum”, pintando viadutos e criando balanços junto com eles. “A ideia era construir uma intervenção local que, a partir da circulação de imagens, pudesse intervir de uma maneira surpreendente na imaginação coletiva.”
Coletivo Apé
Desde o início de 2015, o coletivo Apé – Estudos em Mobilidade realiza o projeto Exploradores da Rua em duas escolas públicas da capital paulista. Nele, percorrem trechos da cidade e estimulam as crianças a trabalharem com o espaço público que vivenciam durante os passeios. No centro, alunos da EMEI Armando de Arruda saem da Praça da República e vão até o Theatro Municipal; na zona oeste, estudantes da EE Brasílio Machado vão da escola até o Instituto Tomie Ohtake.
Com binóculos, lupas e saquinhos para coletar materiais, os pequenos se dividem em grupos de dez, vestem coletes e estão prontos para desbravar a cidade. Uma grande mão colorida serve como referência do trajeto, que será guiado por integrantes do Apé e docentes. No retorno ao espaço escolar, há atividades como desenhos do percurso e perguntas sobre o que as crianças gostariam de melhorar naquele trecho da cidade.
O coletivo propõe uma mudança de mentalidade: criando uma narrativa de exploração, adequada à linguagem infantil, a criança descobre que a rua é mais um território que pode ser explorado. “Os planejadores urbanos não levam em conta a presença delas no espaço público. E vira um ciclo: cria-se a imagem de perigo, tira-se as crianças da rua e vai ficando cada vez pior. A ponto de causar espanto sair com as crianças na rua”, observa Júlia Anversa, arquiteta e integrante do coletivo. “Isso mostra como a presença da criança na cidade está desnaturalizada.”
*Matéria original publicada no Portal Aprendiz em julho/15.