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Antonio Carlos Gomes da Costa*

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

 

 

Art. 227 da Constituição Federal

 

Não podemos falar em regimes de atendimento fora do contexto maior da política de atendimento. O ECA está dividido em dois grandes livros:

O Livro I (Parte Geral), segundo Edson Sêda, “detalha como o intérprete e o aplicador da lei haverão de entender a natureza e o alcance dos direitos elencados na norma constitucional” (art. 227 da CF);

O Livro II (Parte Especial) trata das normas gerais (art. 204 da CF) que deverão reger a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente violados ou ameaçados de violação em seus direitos.
Para abordarmos o tema dos regimes de atendimento no contexto da política de atendimento do ECA, temos de concentrar nossa atenção no Título I do Livro 2, que trata precisamente da política de atendimento, estando dividido em dois capítulos:
Capítulo I: Das Disposições Gerais;

Capítulo II: Das Entidades de Atendimento.
A grande revolução trazida pela nova política é a substituição da doutrina da situação irregular (Lei 6697/79) por um novo paradigma: a doutrina da proteção integral.
O artigo 227 da Constituição Federal sintetiza em seu texto os pontos básicos da Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas:

 

Tudo o que é considerado direito das crianças e adolescentes deve ser considerado dever das gerações adultas, representadas pela família, a sociedade e o Estado;

 

As crianças e adolescentes são sujeitos de direitos exigíveis com base na lei, sendo o ECA a lei que cria as condições de exigibilidade desses direitos em seus 267 artigos;

 

O atendimento aos direitos da criança e do adolescente deve ser encarado como prioridade absoluta, devido ao fato de (i) eles não conhecerem suficientemente seus direitos, (ii) não terem condições de suprir por si mesmos suas necessidades básicas, (iii) serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, e, finalmente, (iv) possuírem um valor intrínseco (são seres humanos integrais em qualquer fase de seu desenvolvimento) e um valor projetivo (são portadores do futuro de suas famílias, de seus povos e da espécie humana);

 

O mandato da Convenção Internacional dos Direitos da Criança para a família, a sociedade e o Estado compreende a promoção de um conjunto de direitos fundamentais da população infanto-juvenil e a sua defesa contra um conjunto de situações de risco pessoal e social ou circunstâncias especialmente difíceis;

O conjunto de direitos fundamentais a ser promovido pelas gerações adultas se divide em três elencos básicos:
O Direito à Sobrevivência (vida, saúde, alimentação);

O Direito ao Desenvolvimento Pessoal e Social
(educação, cultura, lazer e profissionalização);


O Direito à Integridade Física, Psicológica e Moral
(dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária).
O conjunto de situações de risco pessoal e social ou de circunstâncias especialmente difíceis em relação aos quais as crianças e adolescentes devem ser protegidos (colocados a salvo) são: a negligência, a discriminação, a exploração, a violência, a crueldade e a opressão;
O atendimento desses direitos na Doutrina da Proteção Integral da ONU se rege pelos dois princípios básicos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: (i) são direitos universais, pois referem-se a todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, (ii) são direitos indivisíveis, pois não podem ser aplicados de forma parcial. Daí esta doutrina ser conhecida como Doutrina da Proteção Integral.
A aplicação da Doutrina da Proteção Integral implica e requer um conjunto articulado de ações por parte do Estado e da sociedade. Estas ações podem ser divididas em quatro grandes linhas:


Políticas Sociais Básicas
, direitos de todos e dever do Estado, como educação e saúde;

Políticas de Assistência Social
, para quem se encontra em estado de necessidade temporária ou permanente, como os programas de renda familiar mínima;


Políticas de Proteção Especial
, para quem se encontra violado ou ameaçado de violação em sua integridade física, psicológica e moral, como os programas de abrigo;


Políticas de Garantia de Direitos
, para quem precisa pôr para funcionar em seu favor as conquistas do estado democrático de direito, como, por exemplo, uma ação do Ministério Público ou de um centro de defesa de direitos.
Quando uma criança ou adolescente está atendido adequadamente por sua família e pelas políticas sociais básicas, podemos afirmar que seu direito à proteção integral está assegurado.
Quando uma criança ou adolescente se encontra em estado de necessidade temporário ou permanente, ele passa a ser credor de atendimento pela política de assistência social.
Quando uma criança ou adolescente se encontra diante de uma situação que ameaça ou viola sua integridade, ele precisa com urgência de proteção especial.
Finalmente, quando uma criança ou adolescente se encontra envolvido num conflito de natureza jurídica, sua proteção integral requer o acionamento das políticas de garantia de direitos.
O artigo 86 do ECA assim define a política de atendimento:

 

“A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

Esta política se desdobra em quatro grandes linhas de ação, conforme o artigo 87. Linhas estas que – segundo nosso entendimento – podem ser assim representadas:

A implementação dos programas e ações em cada uma dessas quatro linhas de ação da política de atendimento é regida por um conjunto de seis diretrizes básicas, contidas no artigo 88 do ECA:

Podemos visualizar nessas seis diretrizes os princípios reitores da política de atendimento do ECA:

 

Princípio da Descentralização: municipalização do atendimento;
Princípio da Participação: criação de Conselhos;
Princípio da Focalização: criação e manutenção de programas específicos;
Princípio da Sustentação: manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais;
Princípio da Integração Operacional: atuação convergente e intercomplementar dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência Social no atendimento ao adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;
Princípio da Mobilização: desenvolvimento de estratégias de comunicação, visando a participação dos diversos segmentos da sociedade na promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil.
A Política de Atendimento, enquanto conjunto articulado de ações, pode ser vista de forma topográfica, dividida em quatro linhas de ação, que configuram quatro campos básicos de atenção à criança e ao adolescente: políticas sociais básicas, assistência social, proteção especial e garantia de direitos.

Esses quatro grandes territórios são regidos pelas diretrizes da política de atendimento, que nos dão os princípios estruturadores do sistema de proteção integral dos direitos da criança e do adolescente;
As medidas de proteção e sócio-educativas – nesse contexto – são as decisões dos conselhos tutelares e dos juízes da infância e da juventude aplicadas às crianças e adolescentes violados ou ameaçados de violação em seus direitos e aos adolescentes em conflito com a lei em razão do cometimento de ato infracional. Em ambos os casos, os programas e ações a serem desenvolvidos são programas e ações estruturados no marco da proteção especial.
Para terem execução eficaz, as medidas de proteção e as medidas sócio-educativas requerem sistemas de atendimento estruturados para sua correta aplicação. Esses sistemas de atendimento devem ser constituídos por redes locais de entidades de atendimento, cuja função é prover retaguarda para os Conselhos Tutelares e a Justiça da Infância e da Juventude.
As entidades de atendimento se distinguem umas das outras e, ao mesmo tempo, se integram à rede local pelo tipo ou tipos de regimes de atendimento por ela praticado(s) na implementação das medidas protetivas ou das medidas sócio-educativas estabelecidas no ECA. O regime de atendimento é, portanto, o elemento caracterizador da natureza de uma entidade de atendimento. Assim sendo, o regime de atendimento torna-se o critério básico da organização da estrutura e do funcionamento de uma unidade de atendimento, ou seja, o seu regimento, o conjunto de normas que preside sua estruturação e o seu funcionamento no dia-a-dia.

Leia abaixo, breve comentário sobre os 7 Regimes do ECA

I – ORIENTAÇÃO E APOIO SÓCIO-FAMILIAR
 

O regime de orientação e apoio sócio-familiar é o mais importante e o menos praticado dos regimes de atendimento do ECA. Isto ocorre devido à fragilidade da posição ocupada pela família no contexto das políticas que presidem a estruturação do ramo social do Estado brasileiro.

 

Na aplicação – tanto das medidas protetivas como das medidas sócio-educativas – é fundamental começar pela família. A orientação refere-se à ajuda não-material à família: informação, aconselhamento psicossocial, jurídico e econômico. Já o apoio refere-se à ajuda material: renda mínima, cesta básica, materiais de construção, vestuário, medicamentos e outros nessa linha.

 

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II – APOIO SÓCIO-EDUCATIVO EM MEIO ABERTO
 

Na denominação desse regime, o termo sócio-educativo – no contexto do ECA – foi utilizado de forma inadequada. Sócio-educativo não se refere à implementação de medida judicial aplicada ao adolescente infrator. O sentido do termo, aqui, se dá na linha de trabalho social e educativo dirigido a crianças e adolescentes fora dos regimes de institucionalização (abrigo e internação). Nesse sentido, tais programas governamentais ou não-governamentais desenvolvidos na comunidade são um poderoso instrumento de garantia às crianças e adolescentes ao direito à convivência familiar e comunitária.

 

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III – COLOCAÇÃO FAMILIAR
A colocação em família substituta em regime de guarda, tutela ou adoção é uma forma de – quando exauridas todas as alternativas de manter a criança em sua família natural – assegurar à criança o direito à convivência familiar e comunitária.

 

Enquanto regime de atendimento praticado por uma entidade de atenção direta em seu elenco de programas e ações, a colocação emerge como uma forma de atenção alternativa ao abrigo, quando este corre o risco de institucionalizar a criança de forma permanente. Assim, é o caso de crianças com necessidades especiais e outras com dificuldade de serem adotadas. Nesse caso, a entidade de atendimento pode colocá-las em regime de colocação familiar sob-soldada (em regime de guarda), visando assegurar-lhes uma alternativa à permanência indefinida em uma instituição de abrigamento, como freqüentemente ocorre nesses casos.

 

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IV – ABRIGO
O abrigo não é uma internação (privação de liberdade) de crianças e adolescentes que não cometeram ato infracional. Trata-se, na verdade, de uma medida de apoio residencial, afetivo e social de caráter provisório até que a criança ou o adolescente atendido possa retornar à sua própria família ou colocado em família substituta.

 

Por isso mesmo, o abrigo deve ser regido por uma estrita observância do princípio da incompletude institucional, não reproduzindo em seu interior formas de atendimento encontráveis na comunidade. Existem exceções, no entanto, a esse princípio. A principal delas é o caso de crianças com múltiplas deficiências (paralisia cerebral, por exemplo), que passam a requerer estruturas com adequados recursos de especialização.

 

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V – LIBERDADE ASSISTIDA
 

 

A liberdade assistida é considerada por muitos magistrados e especialistas em trabalho social e educativo a “rainha das medidas”. Enquanto regime de atendimento, eu não tenho dúvidas em considerar que – desde que adequadamente implementada – essa modalidade de ação sócio-educativa é a mais articulada e conseqüente das abordagens na grande maioria dos casos de cometimento de ato infracional por adolescentes.

 

Para que isso ocorra, no entanto, faz-se necessário o desenvolvimento de um adequado conjunto de métodos e técnicas de ação sócio-educativa e a estruturação de um adequado conjunto de programas de atendimento de retaguarda nas áreas de aconselhamento, terapia, reabilitação e, como não pode deixar de ser, educação básica e profissional. A orientação e, quando necessário, o apoio sócio-familiar, devem sempre estar presentes.

 

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VI – SEMILIBERDADE
A semiliberdade, enquanto regime de atendimento, afigura-se-nos importante em duas posições na estratégia do atendimento ao adolescente autor de ato infracional. É a última alternativa antes que se recorra à privação da liberdade. É a primeira alternativa, quando se pensa na progressão de regime para os adolescentes que se encontram internados. Sua implementação vale-se de elementos de ação sócio-educativa do regime de internação e também daqueles próprios do regime de liberdade assistida.

 

O regime de semiliberdade é adequado tanto para adolescentes primários, que não se pretende privar inteiramente da liberdade, como para aqueles que, no regime de privação de liberdade, dão mostras de ter condições já de retorno controlado ao convívio humano mais amplo do que aquele existente no internato.

 

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VII – A INTERNAÇÃO
O regime de internação é o mais complexo e difícil de ser implementado. Parafraseando o prof. Alessandro Baratta, podemos afirmar que “o bom internato é aquele que não existe”. Esta advertência serve para nos alertar da necessidade de ter-se sempre um compromisso profundo com os princípios da brevidade e da excepcionalidade na aplicação dessa medida e um compromisso também profundo com a integridade física, psicológica e moral dos jovens e com seu desenvolvimento pessoal e social na implementação desse regime.

 

Quanto à ação sócio-educativa (conjunto de métodos e técnicas a ser trabalhado com esses jovens), o ponto principal é sabermos que “tudo que serve para trabalhar com adolescentes serve para trabalhar com adolescentes autores de ato infracional”. Afinal, estamos diante de um adolescente que, por circunstâncias, cometeu ato infracional. Não estamos diante de um infrator que, por circunstâncias, é um adolescente.

 

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Antonio Carlos Gomes da Costa: a política de atendimento
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