“Ser adolescente e não ser revolucionário é um paradoxo”, afirma, convicto, o cearense Felipe Caetano. A entrevista mal começa e já o chamam para um compromisso: ele tem de participar de uma importante reunião. Horas depois, voltamos a conversar.
“Como você vê a adolescência no Brasil? Ao coordenar vários grupos de jovens, suponho que tenha sido um protagonista nesta idade…”, pergunto. “Era, não! Ainda sou. Sou um adolescente, tenho 14 anos. Espero que não esteja falando enganchado”, ri o garoto, surpreendendo a repórter que revisa as anotações – Caetano fala com naturalidade sobre Nelson Mandela e Martin Luther King, por exemplo. Defende propostas ligadas aos direitos humanos como se fosse um militante experiente.
Estudante do 9o ano do Ensino Fundamental, o jovem é coordenador do Núcleo de Cidadania d@s Adolescentes (NUCA), localizado na praiana cidade de Aquiraz, separada por apenas 36 km de Fortaleza (CE). “Moro em uma região litorânea, e aqui quase todos trabalham vendendo coisas na praia. Isso me incomoda, porque sei que várias dessas crianças e jovens deixam de ir à escola porque precisam trabalhar.”
O entorno também o preocupa. “Quando vou a alguns interiores, pelas estradas vejo crianças com aquele olhar cansado, um olhar triste… por lá, o trabalho chega a ser ainda mais puxado, pois estamos falando do roçado. Parece até coisa de filme, sabe? Várias vezes já tive vontade de pedir para parar o carro e tirar aquela criança dali.”
Crédito: Arquivo pessoal
Por Ana Luísa Vieira, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
Arregaçando as mangas
O cenário e a sensação de que deveria fazer algo para mudar o que via fizeram Caetano bater à porta do Ministério Público do Trabalho. Em um encontro com o procurador Antonio de Oliveira Lima, coordenador do projeto nacional MPT na Escola, também conhecido como Peteca – que leva a questão do trabalho infantil e a difusão do Estatuto da Criança e do Adolescente para escolas das regiões Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste –, propôs um instrumento por meio do qual os adolescentes do Ceará ganharam voz e puderam contribuir no combate ao grave problema, que ainda atinge mais de 3 milhões de meninos e meninas no país. Logo, a parceria foi selada: juntos, criaram o Comitê de Adolescentes na Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Canpeti).
“Felipe se interessou bastante em participar das ações de prevenção e erradicação do trabalho infantil e pediu a parceria do MPT para mobilizar adolescentes dos 184 municípios cearenses por meio do Peteca”, conta o procurador.
Primeiros passos
O I Encontro Estadual de Adolescentes Contra o Trabalho Infantil (Enapeti), que acontece no dia 14 de março em Fortaleza, vai anunciar aos 700 convidados a comissão que acompanhará a iniciativa. Dela, participarão quatro representantes de cada um dos 184 municípios cearenses: “Serão dois adolescentes, observada a paridade de gênero, um representante do Conselho Municipal do Conselho da Criança e do Adolescente e um integrante do Projeto Peteca”, explica Lima. Antes da reunião, em 4 de março, o programa será apresentado aos Coordenadores Municipais do Peteca.
Felipe Caetano aguarda com a ansiedade de menino pelos encontros agendados para este ano, que passarão por municípios como Crateús, Sobral e Itapipoca. Os resultados desta primeira fase de trabalho serão compartilhados na 1ª Conferência Estadual sobre Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil no Ceará, marcada para junho.
Crédito: Arquivo pessoal
Leitura do mundo, leitura da palavra
Como escreveu Paulo Freire (1921-1997), patrono da Educação Brasileira, a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Nesse sentido, é necessário conhecer nossos direitos e deveres para colocá-los em prática. O Canpeti é pautado por essa ideia. “Envolver a comunidade e os pais é um dos grandes objetivos”, ressalta Felipe.
Apoiada por atores do Sistema de Garantia de Direitos, a troca de experiências e o aprendizado mútuo entre crianças e comunidades envolvem, essencialmente, os direitos da infância. O Canpeti nasce com o objetivo de conscientizar sobre os riscos do trabalho infantil e a necessidade do trabalho adolescente protegido, que só pode acontecer mediante o cumprimento da Lei de Aprendizagem.
“Os adolescentes participantes serão capacitados para atuar na elaboração de planos de ação, atividades de mobilização, com ações de conscientização da sociedade, principalmente entre seus pares, identificação, busca ativa e denúncia de casos de trabalho infantil, além de monitoramento das políticas de prevenção e erradicação”, complementa o procurador.
Mundo mais justo
Filho da dona de casa Fabiana e do comerciante Francisco, Felipe ficava impressionado quando assistia a reportagens sobre crianças africanas que morrem de fome. “Era bem pequeno, mas saía perguntando: Por que tem tantas pessoas com comida de sobra e deixam estragar? Por que essas crianças passam fome e não vão à escola? Ficava triste, sem respostas”, recorda-se. “Conversava com meus pais sobre a possibilidade de um mundo mais justo. E entendi que precisava colaborar para isso. Que todos precisamos fazer algo. Eles me criaram com muito amor.”
Aprendeu sobre a necessidade de defender o direito à infância com as palestras de Lima, agora seu parceiro de trabalho, e do Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi. Já a certeza de que deveria fazer sua parte veio quando conheceu os pensamentos do líder pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948). Com o pensador, aprendeu que, se o mundo é bom para as crianças, o mundo é bom para todo mundo.