A cidade de Tremembé (SP) está conseguindo mobilizar famílias e saberes do território para garantir a qualidade da educação das crianças
Desde que as escolas suspenderam as aulas presenciais – seguindo as normas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para minimizar os danos da pandemia da Covid-19, a cidade de Tremembé, localizada no interior de São Paulo, encontrou nas particularidades de seu território e sua população uma forma de garantir o direito dos estudantes à educação de qualidade.
Segundo a secretária municipal de Educação de Tremembé, Cristiana Berthoud, partir direto para a educação a distância, como fizeram outras redes de ensino, não funcionaria no contexto da cidade, que desde 2018 está implantando o modelo de Educação Integral nas 17 escolas públicas que compõem a rede.
“Temos um trabalho diferente e por isso nossa prioridade é trabalhar com as famílias”, declarou Cristiana em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral.
Trabalho conjunto
Logo que anunciadas as medidas de isolamento social, diretores e professores das escolas criaram grupos nas redes sociais com as famílias dos estudantes, com foco prioritário em atualização de contatos e endereços para que as atividades educativas pudessem ser feitas.
Os esforços resultaram no mapeamento de 90% dos 6.000 estudantes da rede, que trouxe também detalhes sobre a infraestrutura disponível para cada um (conexão com a internet e acesso a aparelhos eletrônicos), bem como as plataformas digitais mais usadas por eles e suas famílias. Só a partir dessas informações o corpo docente começou a planejar ações pedagógicas que conversassem com a realidade das famílias.
O plano de ação foi batizado de Ninguém em Casa sem Aprender, porque famílias e escolas estão juntas! e apresenta estratégias em cinco frentes: Mobilização, Plano de Comunicação, Estudo em Casa, Troca de Saberes do Território e Famílias em Rede.
“Foi prioritário garantir que todos os estudantes estivessem contemplados pelo programa”, explicou Natacha Costa, diretora geral da Associação Cidade Escola Aprendiz, que ajuda a implementar o programa de Educação Integral no município.
“Por isso as estratégias foram desenhadas assegurando a busca ativa das famílias, o engajamento delas, a criação de conexões para garantir que as informações possam circular e o acompanhamento permanente e personalizado por parte dos professores”, completa.
Ensino construído em etapas
Considerar a rotina e exaltar a importância das famílias foi o primeiro passo nesse processo de adaptação do ensino presencial para a casa dos estudantes. Educadores propuseram exercícios que estimulavam a aproximação e o envolvimento das famílias, como cantar músicas e fazer brincadeiras juntos. Além disso, enfatizaram a importância de criar momentos de união, usando a hora das refeições, por exemplo.
A etapa seguinte contou com o entrelaçamento das atividades rotineiras das famílias com conteúdos curriculares. Para não sobrecarregar estudantes e cuidadores, os docentes elaboram os exercícios para 15 dias, facilitando a organização para o cumprimento das tarefas, que além de ser enviadas às famílias ficam reunidas no portal da secretaria e podem servir, inclusive, de inspiração para outras escolas.
Seguindo uma perspectiva que já vinha sendo realizada em Tremembé (SP) desde 2014, os saberes de casa e do território ganham centralidade. As aulas de Artes do 5º ano, por exemplo, pediam que os estudantes reunissem materiais encontrados em casa para criar instrumentos musicais.
No caso dos anos finais do Ensino Fundamental, os estudantes aproveitaram as aulas de História para estudar os desdobramentos de pandemias anteriores. Foram também estimulados a promover reflexões e debates com suas famílias, além de resgatar lendas e histórias vivenciadas pelos parentes mais antigos.
Nem Educação Física ficou de fora! Os estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental receberam uma ficha com uma série de brincadeiras e atividades para movimentar o corpo em movimento, levando em conta a diversão.
Para sustentar e planejar o trabalho pedagógico, os professores e coordenadores realizam constantes reuniões virtuais para discutir ações, além disso, técnicos da secretaria de educação entram em contato com as famílias para entender o que tem funcionado e o que precisa ser adaptado. “É um trabalho em construção o tempo todo”, ressalta a secretária Cristiana Berthoud.
Ninguém fica para trás
Tremembé já chegou a ter uma das notas de Ideb mais baixas dos municípios do Vale do Paraíba, mas desde 2014 a secretaria local vem somando esforços para elevar a qualidade do ensino e transformar a cidade em uma verdadeira comunidade de aprendizagem. A revitalização de áreas verdes, criação de espaços de participação pública e a instalação de equipamentos culturais foram medidas implementadas.
Em 2018, aproveitando a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a implantação da Educação Integral nas escolas da rede passou a ser o foco da secretaria municipal, que trabalha em parceria com o Centro de Referências em Educação Integral para reestruturar os currículos e formar gestores e professores.
Inclusão e equidade são princípios caros à Educação Integral. Por isso, Tremembé (SP) está contando também com um trabalho intenso de busca ativa para alcançar os estudantes que não foram mapeados ainda desde o fechamento das escolas.
As próprias famílias contribuem com esse processo. Através de uma escala circular organizada, uma família se responsabiliza por ligar para a outra para saber se está tudo bem ou se precisam de ajuda. Os diretores escolares também criaram um grupo de suporte para acionar outros setores e garantir o atendimento de necessidades imediatas de alimentação, entre outras coisas.
Além disso, o portal Educa Tremembé também tem sido usado para partilhar informações, trocar conhecimentos e incrementar as atividades realizadas pelos estudantes. No vídeo abaixo, o professor Victor Narezi deixa uma importante mensagem sobre como todos tem algo a ensinar e aprender:
Para Natacha Costa, considerar experiências como esta e aspectos da Educação Integral, com propostas que buscam responder aos desafios atuais, guarda coerência com o trabalho já realizado, ao mesmo tempo em que lança bases para o que terá de ser feito no pós-pandemia.
“Aprendizagem é uma ação que se dá na interação com o mundo, necessariamente mediada pelo outro, pela linguagem e pelo contexto social. Qualquer tentativa de isolar o processo de aprendizagem desses aspectos estará fadada ao fracasso”, escreveu para o Centro de Referências em Educação Integral.