Créditos: Ana Nascimento/MDS
Juliana Sada, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
Enviada especial a Brasília
A III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, que se encerrou ontem (10) com a aprovação da Declaração de Brasília por unanimidade, foi um palco onde autoridades e atores sociais trocaram experiências e reafirmaram suas posições em relação às metas de erradicação das piores formas em 2016 e de todo o trabalho infantil em 2020.
Ainda que muitos debates ao longo do encontro soassem pessimistas em relação ao cumprimento das metas da erradicação do fenômeno, o documento reafirma a “determinação de eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016, ao mesmo tempo em que reiteramos o objetivo mais abrangente de erradicar toda forma de trabalho infantil, ao aumentar imediatamente nossos esforços em nível nacional e internacional”. Em entrevista aos jornalistas, o diretor geral da OIT, Guy Ryder, declarou acreditar que “temos que insistir nesse objetivo e aumentar o ritmo. Eu quero chegar na próxima Conferência com isso cumprido”. “A minha responsabilidade agora é trabalhar e dar prosseguimento ao que foi acordado”, complementou Ryder.
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Além da questão da meta, na Declaração de Brasília, os países e as entidades de empregados e empregadores reafirmam a importância da cooperação internacional e se a atuar articuladamente na erradicação do trabalho infantil. O documento também ressalta a importância dos governos garantirem educação gratuita, trabalho decente para os adultos e políticas de proteção social. Além disso, é destacada a importância de produção de estatísticas sobre o trabalho infantil e de adoção de arcabouço legal para que se coíba o trabalho infantil.
O item 4 da Declaração, resume de maneira clara as preocupações expressas pelos 1300 participantes do evento: “Reconhecemos, ademais, que medidas para promover o trabalho decente e o emprego pleno e produtivo para adultos são essenciais, a fim de capacitar famílias a eliminar sua dependência dos rendimentos provenientes do trabalho infantil. Além disso, são necessárias medidas para ampliar e melhorar o acesso à educação gratuita, obrigatória e de qualidade para todas as crianças, bem como para a universalização progressiva da proteção social, em consonância com a Convenção 102 da OIT, que estabelece padrões mínimos de segurança social, e a Recomendação 202 da OIT, relativa a pisos nacionais de proteção social”.
Desafios brasileiros
Ao longo dos três dias da Conferência Global, o Brasil foi elogiado e citado como exemplo de aplicação de políticas de erradicação do trabalho infantil. Entretanto, ainda são 3,5 milhões de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, trabalhando, de acordo com a edição 2012 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD).
Outro consenso durante a Conferência foi de que o Brasil, assim como outros países, chegou ao núcleo duro do problema, onde a erradicação se torna mais difícil e demanda novas estratégias de ação. Na avaliação da secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti), Isa de Oliveira, isso está claro: “as políticas públicas, as ações e os programas que estão sendo implementados não são suficientes nem eficazes para dar conta dessa grande desafio”.
Entre as dificuldades que estão postas está a de garantir o trabalho adolescente protegido. Das 3,5 milhões das pessoas envolvidas no trabalho infantil, 84% tem entre 14 e 17 anos – faixa etária o trabalho é permitido em algumas situações. Entre os 14 e 15 anos, a única modalidade de trabalho admitida é a de aprendiz, na qual o adolescente é inserido em um curso técnico e desenvolve atividades dentro de uma empresa com carga horária limitada, enquanto segue com os estudos regulares. Os programas de aprendizagem podem ser aplicados para jovens de 14 a 29 anos.
Entretanto, o alcance da aprendizagem ainda é muito pequeno no Brasil. Dos 875 mil adolescentes entre 14 e 15 anos que trabalham, apenas cerca de 32 mil são aprendizes. “Apenas uma porcentagem muito pequena está na aprendizagem, então um caminho é intensificar a lei de aprendizagem oferecendo oportunidades de aprendizagem e possibilitar o processo de formação protegido”, defende a diretora do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo, em entrevista ao Promenino durante o evento. Levantamento realizado com dados de 2009 pela entidade revela que apenas 1,6% dos adolescentes de 14 e 15 anos que trabalhavam estavam na condição de aprendiz.
O governo brasileiro também reconhece a necessidade de ampliação da aprendizagem para os adolescentes de 14 a 17 anos. “Para os adolescentes, ainda temos que melhorar a lei de aprendizagem”, afirmou a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, em coletiva após o encerramento da III Conferência. “Isso está no nosso horizonte de atuação”, complementou.
Já entre os 16 e 17 anos, além da aprendizagem, é permitido o trabalho que não seja perigoso, insalubre e nem em horário noturno e a contratação deve ser no regime CLT, com carteira assinada. Entretanto, o cumprimento da lei é minoria também para esse grupo etário. Isa de Oliveira revela que “na faixa dos 16 e 17 anos, em que temos dois milhões de adolescentes que tem direito ao trabalho protegido, apenas 477 mil tem carteira assinada”. “Temos mais de 1,5mi de adolescentes no trabalho informal, provavelmente perigoso e degradante”, explicou.
Ainda que o trabalho infantil venha caindo no Brasil, a faixa etária entre os 16 e 17 anos foi a única em que apresentou aumento entre os anos 2011 e 2012, de acordo com a Pnad. Este aumento ocorreu em quase todas as regiões brasileiras, com exceção da Norte. Para a diretora da OIT, uma das estratégias para lidar com o trabalho infantil nessa faixa etária é a educação. “Temos que melhorar a qualidade da escola pra eles permanecerem estudando e também ofertar mais oportunidades de aprendizagem”, defende Laís.
“Além disso, o Brasil deve focalizar mais ainda as políticas naqueles estados que tem maior concentração de trabalho infantil e naqueles setores que constituem o núcleo duro do problema, que é o trabalho doméstico, o informal urbano e do setor agrícola”, analisa a diretora da OIT.
Para Isa, do Fnpeti, a educação deveria se transformar em um dos eixos central da política de erradicação do trabalho infantil como um todo do Brasil. “Com a educação, podemos ter uma atuação que pode ser preventiva e de combate ao trabalho infantil”, explica Isa. De acordo com a última edição da PNAD, existem 3,3 milhões de pessoas entre 4 e 17 anos fora da sala de aula no Brasil. “É preciso que o enfrentamento ao trabalho infantil seja uma pauta priorizada pela educação, porque o atraso escolar e o trabalho infantil são as duas causas mais fortes da exclusão escolar”, avalia a secretária.
Mãos à obra
“Neste momento pós Conferência, temos que ser vigilantes para que nós sejamos capazes de levar o que foi pactuado aqui e definir ações para o cumprimento, não só das metas de erradicação do trabalho infantil, mas sobretudo do dever ético do Estado brasileiro em cessar essa violação dos direitos das crianças e do adolescente que é o trabalho infantil”, defende Isa.
Agora, o mundo fica de olhos abertos para as políticas a serem aplicadas nos próximos quatro anos, muitas delas retiradas deste encontro, e que serão colocadas sob análise em suas conquistas e fracassos na IV Conferência Global, a ocorrer na Argentina em 2017. O diretor geral da OIT, Guy Ryder, resumiu o quadro com uma analogia com o futebol: “Peço a todos vocês aqui voltem a seus países e procurem erradicar o trabalho infantil. Tomemos o exemplo do Brasil, que caminha rápido como ninguém no processo de erradicação. E espero que não tomem isso como ofensa (olhando para a ministra Campello), mas espero que vocês percam nesta. Espero que todos os países consigam aumentar o passo e ultrapassar o Brasil nesse processo. Vamos fazer o seguinte (olhando para a plateia), vamos fazer igual ao ano que vem quando viremos ao Brasil para disputar a Copa de 2014. Sabemos que o Brasil ganhará, mas vamos pelo menos dar-lhes um jogo de igual para igual. É isso que devemos fazer no processo de erradicação. Devemos tentar caminhar no passo do Brasil”. Veremos agora como caminha o mundo, veremos como caminha o Brasil.