Pesquisa mostra como a violência afeta a aprendizagem de jovens, e a Educação para Paz ganha força no enfrentamento de conflitos
“Nós temos que pensar em transformar o ambiente escolar para que as crianças se sintam seguras e integradas”. A fala do coordenador de Relações Internacionais do Instituto do Cérebro (InsCer) do Rio Grande do Sul, Augusto Buchweitz, reflete os dados trazidos pelo Mapa da Violência, que mede os mais variados graus de indicadores no país. Segundo o coordenador “70% das crianças que estudam em escolas públicas acham que a escola é um lugar violento”. Se o cenário de violência preocupa, conceitos como a cultura de paz contribuem para mudá-lo.
O especialista coordena uma pesquisa realizada por estudantes da PUC-RS, em Porto Alegre, da qual o InsCer faz parte. Financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), a pesquisa tem o objetivo de mostrar como a exposição crônica à violência afeta a aprendizagem e o desenvolvimento de cognição social em jovens. Aproximadamente 80% dos pré-adolescentes de 10 a 12 anos ouvidos já tinham sido expostos a situações violentas.
O estudo foi feito por meio de questionários e testes práticos orientados em três eixos: memória, atenção e cognição social. Foram enviados 500 convites a famílias de escolas localizadas em bairros considerados violentos. Cerca de 150 aceitaram participar e apenas 52 realizaram as atividades.
“Esse tipo de funcionamento atípico do cérebro social pode ser um indicativo de risco para depressão e outras dificuldades de saúde mental na vida adulta. Se a criança estiver exposta a altos níveis de estresse e medo, e não conseguir se engajar socialmente, isso também atrapalha a aprendizagem dela”, acrescenta Augusto Buchweitz.Um dos testes mais significativos foi o de cognição social, no qual as crianças tentam traduzir emoções através do olhar de outras pessoas. É algo que nosso cérebro faz constantemente, buscando pistas sobre o que o outro está sentindo ou pensando. Quanto mais a criança está exposta à violência, menos essa rede está ativada.
Educação para Paz como caminho
Em 2016 foi aprovada a Lei 13.663/18, que prevê que a chamada cultura de paz faça parte da Lei de Diretrizes e Bases. É um esforço para que conceitos como mediação de conflitos e desenvolvimento das relações humanas sejam incluídos no planejamento pedagógico de todas as escolas brasileiras.
O conceito de cultura de paz pode parecer um tanto abstrato quando pensado isoladamente, mas o professor Nei Alberto Sales Filho, coordenador do Núcleo de Educação para Paz (NEP) explica os critérios que abrange: “A cultura de paz é basicamente tudo aquilo que é feito, independente do lugar, para se opor à noção de violência, incentivar a união comunitária e visar o bem dos indivíduos de uma determinada comunidade”.
Já do ponto de vista prático, a Educação para Paz traduz esses princípios pedagogicamente, introduzindo através de atividades cinco eixos: valores humanos, direitos humanos, mediação de conflitos, ecoformação (meio ambiente e sustentabilidade) e as vivências e convivências, que reúne toda a parte de dinâmicas em grupo, teatro, música, jogos interativos.
Apesar de estabelecidos como meta pela UNESCO desde a primeira metade do século XXI, no Brasil os conceitos só passaram a ser sistematizados em 2008, pelo NEP, que existe como um projeto de extensão universitária, vinculado à Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), e presta assessoria pedagógica gratuita, oferecendo oficinas e formação de professores e profissionais da educação.
“O que percebemos ao longo desses anos é que, se uma escola quiser efetivamente melhorar as convivências e diminuir a violência, ela precisa explicitar no seu projeto pedagógico essa noção de cultura de paz. Muitas escolas já têm essas iniciativas no Brasil, mas não basta só fazer ações isoladas”, acrescenta Nei Alberto.
Paz é fazer parte
A Escola André Urani, mais conhecida como GENTE (Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais), está localizada na Rocinha, uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro. Foi estruturada de maneira a priorizar a afetividade, o processo de autonomia dos alunos em relação à própria comunidade.
Em 2017, a região foi afetada por um embate entre o tráfico e a polícia. “A escola ficou sem condições de funcionar. Nossa estratégia foi usar a tecnologia para alcançar os alunos e conversar ainda mais abertamente com eles, com os pais, para que juntos pudéssemos entender o que se passava na comunidade”, relembra Marcela Oliveira, coordenadora pedagógica do GENTE. “Nossa página no Facebook se tornou um ponto de apoio”.
A partir desse momento, a escola investiu ainda mais na diversidade e na vivência que o aluno traz para a sala de aula. “Para nós, cultura de paz é ter o aluno presente no espaço escolar, participando, sendo solidário, crítico. Nós trabalhamos esse conceito quando dizemos aos jovens que são bem vindos aqui. Resolver problemas através do diálogo e da participação ativa é um diferencial. Isso faz parte da educação para a paz!”, completa a pedagoga.