Saltar para o menu de navegação
Saltar para o rodapé
Saltar para os conteúdos
Saltar para o menu de acessibilidade

Crédito: iStock/Ian_Redding

Por Ana Luísa Vieira, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz

O palmeirense Lucas Lecce, de 23 anos, passeava pela Praça das Artes, em São Paulo, quando uma vitrine com várias peças de roupa lhe chamou a atenção. Ele havia acabado de comprar um agasalho de uma famosa marca de artigos esportivos e, curioso, convidou o amigo Luís Cruz, também de 23 anos, para entrar na suposta loja. O choque foi imediato: ao ultrapassar a cortina preta, Lucas e Luís entraram em um cenário escuro, sombrio, com bonecas e carrinhos antigos espalhados pelo chão, em meio a pedaços de tecidos, linhas coloridas e máquinas de costura. No telão ao fundo, uma menina de olhos cansados tecia sem parar – o barulho da costura se misturava ao calor e a uma canção de ninar.

No mini-documentário exibido durante o percurso, tristes dados de uma realidade invisível: 114 mil meninas e meninos brasileiros trabalham na cadeia da moda, em quartos minúsculos, tais quais os retratados na exposição “Fashion Experience: Consumo Consciente Contra o Trabalho Infantil”: O cômodo não tem janela, a luz é fraca e se espalham elementos perigosos para o manuseio por crianças. “Cara, 8 mil crianças trabalham na montagem de jóias em Limeira!”, disse Luís, citando a cidade do interior do estado de São Paulo. “Mano, estou com vergonha de carregar essa sacola aqui com a roupa que acabei de comprar”, respondeu Lucas.

Ao saírem da sala, foram recebidos pelos guias da exposição, que estão ali para estimular a reflexão sobre o problema. “Estou me sentindo mal, te juro. A gente até olha a roupa que veste, mas não para para pensar. Dia desses, olhei uma blusa ‘Made in Vietnã’. Fico aqui pensando se essa meninada não estava envolvida…”, afirmou Lucas. “Essa cadeia produtiva acontece do outro lado do mundo e no nosso quintal. Precisamos pensar sobre isso”, completou Luís.

A finalidade da instalação é justamente esse: fazer com que o consumidor pense em quem costura as suas roupas. A temática se encontra com o mote da campanha “Não ao Trabalho Infantil na Cadeia Produtiva”, proposta neste ano pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e apoiada pelas principais entidades que lutam pela erradicação do trabalho infantil. “A instalação tem por objetivo provocar a reflexão e a complexidade do tema, fazendo com que seus visitantes reflitam sobre o combate ao trabalho infantil. Retratamos a cadeia produtiva na moda, que vai além da questão têxtil, ultrapassando fronteiras”, explica Elisiane dos Santos, coordenadora nacional da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente) e procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT-SP), idealizador da exposição. “Pretendemos trabalhar com os sentidos, com a empatia, que é a sensação de se colocar no lugar do outro, e incentivar a denúncia desses casos.”

 

Em busca de transparência

A exposição em São Paulo, que aconteceu entre os dias 17 e 22 de junho, contou com o suporte da Fashion Revolution, organização internacional presente em quase 90 países. Foi criada em abril de 2013, após o desabamento do Rana Plaza, prédio em Bangladesh que abrigava várias confecções e trabalhadores explorados por grandes marcas. Mais de 2,5 mil pessoas ficaram feridas e 1.134 morreram.

“Estilistas, acadêmicos e jornalistas que trabalhavam com moda sustentável na Inglaterra se uniram para dar um basta nessa violação. Todo dia 24 de abril, fazemos o Fashion Revolution Day, como marco para sensibilizar consumidores sobre o que está escondido na cadeia produtiva da moda: desde a exploração de trabalho adulto e infantil aos impactos ambientais”, explica Eloisa Artuso, diretora educacional da ONG no Brasil, que também indica o filme “The True Cost” para uma reflexão sobre o cenário.

A parceria do MPT com a Fashion Revolution e outros apoiadores (27 Million Brasil, Organização Internacional do Trabalho e Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, entre outros*) se propõe, também, a indicar caminhos alternativos para quem trabalha com moda e estabelecer uma comunicação mais transparente com o consumidor final.

Relembre a reportagem especial do Promenino sobre a GoodWeave, ONG criada pelo Nobel da Paz Kailash Satyarthi para retirar crianças do trabalho escravo em tapeçarias.

Aqui no Brasil, tanto o Disque 100 quanto o 

Aplicativo Proteja Brasil são importantes ferramentas de denúncia.

Confira, também, o Aplicativo Moda Livre, que monitora e denuncia a presença de trabalho escravos em lojas. 

“As pessoas que passam pela experiência têm todos os tipos de reação: tem gente que sai andando, gente que fica tocado, gente que diz nunca ter parado para pensar e outros, mais sensibilizados, que prometem pensar duas vezes antes de comprar de novo. Essa é a melhor resposta, a das pessoas que saem daqui e vão replicar a reflexão. Juntos, precisamos questionar as marcas, exigir mais transparência naquilo que consumimos”, conta Eloisa.

Para a desembargadora Silvana Abramo Margheritto Ariano, do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região (São Paulo), iniciativas como a exposição ajudam a diminuir a distância entre a sociedade e a temática do trabalho infantil. “A dificuldade é sair das portas, deixar de falar para os iniciados e atingir o grande público, chegando aos locais em que, de fato, ocorrem essas violações de direito. A iniciativa vai ao encontro dessa preocupação, pois atinge e sensibiliza de imediato. Tem a delicadeza e o impacto. Com certeza, as pessoas saem diferentes da instalação”, afirma Silvana.

As monitoras da exposição concordam com a desembargadora. “Tem gente que para aqui na porta e pergunta o preço dos produtos, apenas com a intenção de comprar. Tomam um susto ao encontrar a instalação”, diz Yasmin Queirós. Ana Luiza Sérgio conta que algumas pessoas vão embora com a promessa de denunciar esse tipo de atividade. Keyti Gurgel pede sempre aos visitantes que comecem a olhar para o comércio local, para a costureira do bairro. “Isso faz a renda da comunidade girar e você sabe exatamente o passo a passo da roupa que compra”, diz. Samanta Silva, que estudava moda, vê o consumo e a compra de roupas no próprio bairro como alternativa.

Silvana Abramo, que também é diretora de Formação e Cultura da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), reforça: “O trabalho em confecções é uma das piores formas e não só pela questão de a criança residir no mesmo local do trabalho. Os pais também sofrem o impacto e é difícil lhes pedir que não envolvam os filhos no processo. Eles são igualmente vítimas”, diz. “É importante coibir o trabalho infantil sem culpabilizar os pais e as pessoas que cuidam dessas crianças. Temos de repensar e buscar soluções”, diz a desembargadora.

*Realização do evento: Fashion Revolution, 27 Million Brasil – Enfrentando o Tráfico de Pessoas no Brasil, Stop the Traffik, Ministério Público do Trabalho (MPT). Apoio: Organização Internacional do Trabalho (OIT), Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), CenoIdeias, Lab Fashion e Prefeitura de São Paulo.

De onde vem a roupa que você veste? Exposição reflete o trabalho infantil na cadeia têxtil
De onde vem a roupa que você veste? Exposição reflete o trabalho infantil na cadeia têxtil