No Rio, Rádio Yandê difunde cultura dos índios; em Porto Alegre, sábios se tornam professores
No Rio, Rádio Yandê difunde cultura dos índios; em Porto Alegre, sábios se tornam professores
Neste 19 de abril, Dia do Índio, vamos contar a história de duas práticas inovadoras protagonizadas por índios que buscam transformar realidades e inspirar inovações: a primeira rádio online indígena do país, chamada Rádio Yandê, e uma disciplina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ministrada por sábios indígenas e afrodescendentes.
Rádio
Segundo Anápuáka Muniz Tupinambá, um dos idealizadores da Rádio Yandê, a proposta é trabalhar a questão da etnomídia indígena no Brasil. Tupinambá lançou a plataforma há três anos, no Rio de Janeiro, ao lado de Renata Machado Tupinambá e Denilson Baniwa. “Historicamente é muito importante para nós, povos indígenas. Precisávamos de um canal de comunicação com nossa própria dinâmica e necessidade.”
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Anápuáka Muniz Tupinambá, idealizador da Rádio Yandê
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Com cerca de 1 milhão de ouvintes, a rádio tem como público alvo os indígenas, principalmente a juventude. No entanto, pessoas em busca de conhecimento sobre a cultura indígena e profissionais da área de educação estão entre os ouvintes.
São também os indígenas que produzem conteúdo. “Atualmente, contamos com 174 colaboradores no país, em comunidades de todos os estados. Quem não tem acesso à internet na aldeia capta áudios, fotos e vídeos pelo celular. Depois nos transmite quando consegue conexão nas cidades”.
Os temas abordados são entretenimento, educação e políticas públicas, além da transmissão de músicas indígenas. “Queremos que os povos construam redes de comunicação e dialoguem entre si. Isso colabora para o empoderamento e autonomia. Queremos expandir o conhecimento a partir da oralidade”, explicou Tupinambá.
Além disso, o idealizador conta que a plataforma é muito útil para os indígenas que vivem em contexto urbano. “Como a rádio fala da diversidade indígena do país, abrangendo todos os povos, quem vive na cidade se apropria desse conteúdo para ter uma referência, notícias e resgatar as lembranças.”
No futuro, o projeto pretende criar um estúdio móvel, para realizar gravações por todo o país. “A ideia é que os indígenas possam gravar discos, registros, audiolivros e até mesmo histórias. Seria uma forma de acervo de nossa cultura.”
Universidade
A disciplina Encontro de Saberes é ministrada por sábios indígenas e afrodescendentes na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde 2010, seis universidades do Brasil aceitaram o desafio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI/UnB), para a inclusão de mestres e mestras dos saberes tradicionais como professores de disciplinas regulares.
Além de refletirem sobre a relação entre mestres dos saberes tradicionais e o mundo acadêmico, as universidades também estão envolvidas na inclusão de alunos de escolas públicas e descendentes de indígenas e negros. Para a professora Ana Tettamanzy, uma das responsáveis pelo projeto na UFRGS, a ideia da iniciativa é contemplar diferentes visões de mundo, reconhecendo a sabedoria dos povos indígenas.
Durante as aulas, professores anfitriões recebem os mestres, que apresentam músicas, filmes e toda a complexidade de suas culturas, a partir de rodas de conversas. Também são debatidas políticas públicas e a defesa de questões importantes junto ao governo. Por outro lado, os alunos indígenas também se sentem representados e pertencentes ao espaço acadêmico.
A professora Carla Beatriz Meinerz, uma das educadoras anfitriãs, conta que já chegou a visitar aldeias indígenas com os alunos. “Saímos deste espaço das quatro paredes universitárias e isso é muito impactante. Podemos dizer que estamos construindo uma virada no meio acadêmico, ao trazer estes mestres para o cargo de professor.”
Segundo Carla, as comunidades se sentem lisonjeadas por estarem na universidade. “Estar aqui dentro é uma conquista, onde se criaram políticas afirmativas, na intenção de dar visibilidade a essas comunidades. É gratificante ter a universidade permeada por todos os povos. É uma virada epistemológica
em relação ao conhecimento
, rompendo um tipo de saber que era fechado a uma perspectiva científica, europeia e colonizada. Estamos nos revirando como professores e cidadãos.”
O educador Eráclito Pereira compartilha a opinião da colega. Para ele, é evidente que há uma quebra de paradigma. “As aulas são itinerantes. Algumas ocorrem nos museus e outras em saídas de campo, potencializando o trabalho. A ideia é que seja uma troca com os sábios e todo seu arcabouço de conhecimento, vindo de suas raízes e histórias de vida. A intenção é que haja essa ruptura. O questionamento muitas vezes é duro, mas é preciso que seja feito.”