Crédito: Songpan Janthong/Shutterstock
*Publicado originalmente no site Child in the city,
com tradução do Portal Aprendiz
Para efetivar o direito à participação social das crianças, é necessário que se reconheça que suas visões de mundo são bases legítimas para o planejamento urbano. Considerando isso, como é possível planejar o desenvolvimento de nossas cidades na direção de uma cidade amigável para crianças?
Em um estudo em andamento, crianças com 11 anos de idade da cidade de Recife (PE) escreveram cartas sobre o que eles consideram uma cidade amigável para a infância. As cartas eram endereçadas para aqueles que as crianças julgavam serem responsáveis pela cidade e trazem em si uma forte sensibilidade política. Confira alguns dos trechos:
– Para um amigo: “Carlos (…), nós temos que lutar pelos direitos das crianças”, disse Marcos.
– Para o diretor da escola: “Você pode não ser perfeito, mas você tem o poder de promover um futuro melhor, onde nós podemos ser o que queremos ser”, disse Jane.
– Para a Câmara dos Vereadores: “Essa cidade pode ser muito melhor, e é você, que me lê, que pode fazer isso acontecer!”, provocou Laura.
– Para o Presidente: “Se você ler isso, eu confio que você realizará o que pedimos”
– Para outras crianças: “E podemos conseguir tudo isso começando com nós mesmos”, disse Rafael.
– Para todo o mundo: “Nós não temos a quem culpar se não olharmos o que nós mesmos estamos fazendo para atingir uma cidade amigável para as crianças. Devemos sempre ajudar as crianças em necessidade. Aqui é o João mandando um SOS para o mundo”.
Sujeitos complexos
A pesquisa, coordenada por Adriana Cordeiro e Sérgio Benício, professores do Grupo de Pesquisa de Estudos Urbanos e de Políticas de Mobilidade da Universidade Federal de Pernambuco (MOBIS/UFPE), pretende contribuir para o conhecimento dos contextos políticos que envolvem as vidas e rotinas de nossas crianças, promover novas experiências educativas e construir uma compreensão crítica do planejamento urbano.
As crianças são agentes que assumem múltiplas posições, revelando a complexidade de sua experiência urbana e as especificidades de sua percepção única. Pais, amigos, outros adultos e instituições são implicadas em suas preocupações sobre os problemas da cidade. Vinny, por exemplo, escreveu que “uma cidade para crianças é uma cidade que demonstra na prática o que a criança aprendeu na escola, como não jogar lixo na rua, que é algo que as pessoas adultas fazem conforme envelhecem”.
Na carta de Leonardo para sua mãe, Lucy, ele escreve: “uma cidade amigável para as crianças precisa de pessoas como você (boas, educadas, respeitosas e amorosas). Precisamos fazer uma campanha: ‘Mais Lucy na cidade’. Talvez aí Recife comece a ser uma cidade para crianças”.
As crianças mostraram muitas queixas sobre violência, corrupção, inflação, preconceito, poluição, trânsito e culparam diversos atores por esses problemas. Em suas cartas, elas exigem saúde, moradia e educação de qualidade para todos e todas, assim como honestidade do governo e da população adulta no geral.
“Muitas vezes eu penso sobre como é possível que uma cidade tão linda tenha tanta violência. Algumas pessoas nem saem de casa por medo”, escreveu Letícia. “Eu queria uma cidade onde as pessoas não bebem e dirigem e não ficam irritadas porque seu time de futebol perdeu, onde não há pessoas sem teto e onde as escolas privadas não são melhores que as públicas”, propôs Miriam.
O estudo também mostrou que, além de comer sorvete e querer comprar brinquedos, as crianças também querem poder brincar ao ar livre em um ambiente limpo, seguro e agradável. Eles projetam uma cidade para crianças como um local onde se pode brincar na rua sem se preocupar com os carros ou com a violência. Nessa cidade ideal, com menos automóveis, “as crianças podem brincar na rua ao invés de usar o computador e o celular”, acredita Arthur.