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ARTIGO 114/LIVRO 2 – TEMA: MEDIDAS DE PROTEÇÃO
Comentário de Olympio Sotto Maior
Ministério Público/Paraná

Estabelece a norma ora em análise, no seu caput, que a imposição das medidas sócio-educativas de obrigação de reparar o dano, de prestação de serviços à comunidade, de liberdade assistida, de inserçãoem regime de semiliberdade e de internação em estabelecimento educacional (cf. art. 112, II a VI, do ECA) pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, exceto na hipótese de tal aplicação vir a ocorrer concomitantemente à concessão de remissão. O parágrafo único do prefalado artigo, por outro lado, assevera que; tratando-se da medida de advertência, bastarão a prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

Segundo sistema então estabelecido pelo já revogado Código de Menores, a aplicação das medidas lá indicadas como de assistência e proteção, previstas no art. 14, não dependia exclusivamente de ter o adolescente adequado seu comportamento a uma figura típica penal (ou seja, ser autor de infração penal, nos termos do referido diploma legal). Com efeito, a imposição de qualquer das medidas que elencava, inclusive aquelas que importassem privação de liberdade (assim, colocação em casa de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional), poderia estar fundamentada também na constatação de desvio de conduta (cf. art. 21!,V, do Código de Menores), cuja identificação, como se conclui do caráter multívoco da expressão, permitia restarem abrangidas as mais inúmeras e diversas situações.

Em razão de mencionado precedente, cremos que a intenção do legislador do Estatuto, ao formular o art. 114, foi a de explicitar regra geral de garantia no sentido de que a aplicação de qualquer medida sócio-educativa não pode prescindir da comprovação da existência (materialidade) de um ato infracional (conduta descrita na legislação como crime ou contravenção) e de que tenha o adolescente – a quem se atribui o fato – sido seu autor (co-autor ou partícipe). Assim, somente quando o conjunto probatório trazido aos autos estiver a demonstrar de forma inequívoca a prática da infração por parte do adolescente é que, diante de tal certeza, resta permitida a imposição das multicitadas medidas (v., nesta linha, o art. 189 do ECA).

Em outro aspecto, todavia, não exige a lei prova de autoria e materialidade da infração, nos casos das medidas aplicadas por força de remissão. É que, sob prisma procedimental, a concessão da remissão acaba impedindo a realização da instrução probatória (nas hipóteses em que é concedida, pelo Ministério Público, como forma de exclusão do processo) ou faz por interrompê-la antes de seu término (quando concedida pela autoridade judiciária e importando a suspensão ou extinção do processo), donde não se poder, mesmo, exigir a comprovação, que constitui regra para as situações em que a instrução é ultimada. Por outro lado, e também a justificar o conteúdo de excepcionalidade previsto na norma, temos que a espécie de remissão na qual se inclui a medida sócio-educativa se apresenta sempre revestida de um caráter de composição, determinado por ajuste e concordância, pela aceitação de sua concessão por parte do adolescente (e de seus pais ou responsável). Além do mais, nos exatos termos do art. 127 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a remissão não prevalece para efeito de antecedentes e não pode induir a aplicação das medidas sócio-educativas consistentes na inserção em regime de semiliberdade ou na internação em estabelecimento educacional.

Da mesma sorte, como claramente pretendeu o legislador, as medidas de proteção mencionadas no art. 112, VII, do Estatuto dispensam a comprovação (ou, mesmo, indícios) da autoridade e materialidade da infração, bastando para fundamentar sua aplicação o reconhecimento de que o adolescente resta enquadrado na previsão do art. 98. Isto se dá em razão de as medidas protetivas não implicarem restrição ou diminuição de qualquer direito do adolescente.

Finalmente, o parágrafo único do mesmo art. 114 do Estatuto estabelece que, para a aplicação da medida sócio-educativa de advertência (traduzível em admoestação verbal, cf. art. 115 do ECA) e uma vez provada a existência da infração, basta comparecerem indícios suficientes da autoria. Considera-se indício o fato provado de que se induz, necessariamente, o fato probando (ou “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”, cf. art. 239 do CP). Assim, os indícios serão suficientes para justificar a imposição da medida de advertência quando, mesmo inexistindo prova direta (como, p. ex., o flagrante de ato infracional ou a confissão), através deles for possível alcançar-se o máximo de probabilidade de haver o adolescente praticado a infração. O caráter indiciário da autoria não significa, portanto, mera presunção, as, sim, a existência de prova circunstancial veemente, convergente e conclusiva no que tange àquele a quem se pode atribuir a infração.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ECA comentado: ARTIGO 114/LIVRO 2 – TEMA: Medidas de proteção
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