ARTIGO 141/LIVRO 2 – TEMA: JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
Comentário de Jorge Araken Faria da Silva
Desembargador/Acre
Inspirado na doutrina da proteção integral, o Estatuto garante o acesso de toda criança ou adolescente à justiça.
Usando a expressão “Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos”, o caput do dispositivo, ora comentado, quis indicar que a criança e o adolescente não terão acesso apenas à Justiça da infância e da Juventude, mas a todos os órgãos jurisdicionais.
E esses órgãos são os mencionados no art. 92 da CF.
È claro que, quando o Estatuto quis referir-se à Justiça especializada, mencionou a expressão “Justiça da Infância e da Juventude” que não era da tradição de nosso Direito, mas for por ele escolhida.
Mas, além dos órgãos do Poder Judiciário, Estatuto faz menção expressa ao acesso da criança e do adolescente à defensoria Pública e ao Ministério Público.
“A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus, os necessitados na forma do art. 5°, LXXIV”, da CF.
Não havendo sido elaborada, ainda, a lei complementar que organizará a Defensoria Pública, da União e do Distrito Federal, e que é de lamentar-se, a assistência judiciária gratuita será oferecida a crianças e adolescentes como até aqui tem sido dada aos necessitados em geral.
È com ansiedade que esperamos a edição dessa lei complementar.
Infelizmente, a triste observação de Ovídio ainda é uma realidade no Brasil de nossos dias: “Cura pauperibus clausa est” (“O tribunal está fechado para os pobres”).
A organização da Defensoria Pública é uma esperança de efetiva realização da “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos” (art.5° LXXIV, da CF), que substitui a velha e descumprida promessa constitucional de assistência judiciária aos necessitados.
Pode ser que as Defensorias Públicas cumpram esse desideratum com eficiência. Pode ser…
E não seria demasiado lembrar que a assistência jurídica aos necessitados constitui uma das “ondas renovatórias do Direito Processual moderno”.
A organização da Defensoria Pública é uma esperança a mais, porque, como se sabe, o defensor dativo, por mais bem-intencionado que esteja e por maior que seja sua consciência profissional, não tem condições de exercer essas funções como gostaria de fazê-lo.
Embora disponha o Código de Ética Profissional que “cumpre ao advogado prestar, desinteressadamente, serviços profissionais aos miseráveis que o solicitarem” e que, “designado para esse fim, não pode o advogado sem motivo justificado,escusar-se, cumprindo-lhe proceder com todo o esforço e solicitude” (seção I,n. II, “b”), e seja dever do advogado “observar os preceitos do Código de Ética Profissional” (art.87, IV, do Estatuto da Ordem), bem como “prestar, gratuitamente, serviços profissionais aos necessitados no sentido da lei, quando nomeado pela Assistência Judiciária, pela Ordem e pelo juízo” (art. 87, XI, do precitado Estatuto), e esteja ele sujeito, em caso de recusa, ás penas de censura e multa nos termos do art. 103, XVIII, e dos arts. 107 e 108, ainda do Estatuto; embora tudo isso esteja expressamente disposto no Código de ética Profissional e no Estatuto da Ordem, que é lei federal (Lei 4.215, de 27.4.63), não se pode negar, apesar da abnegação de muitos profissionais e de que a maioria dos advogados, respeitando o compromisso prestado perante o Conselho Seccional ou a Diretoria da Seção, defende, “como o mesmo denodo, humildes e poderosos”, apesar de tudo isso, não se pode deixar de reconhecer eu, “para obter os serviços de um profissional altamente treinado, é preciso pagar caro, sejam os honorários atendidos pelo cliente ou pelo Estado”, pois em economias de mercado…a realidade diz que, sem remuneração adequada, os serviços jurídicos para os pobres tendem ser pobres, também.
Tenho esperança, mas não tenho ilusões.
E por que esperanças, e não ilusões? – perguntará um hipotético interlocutor.
Primeiramente porque não se trata de instituto novo, mas de vetusta e descumprida promessa constitucional.
E, se nossa tradição é não cumpri-la, não será fácil acreditar que, agora, num passe de mágica, venha a ser integralmente respeitada.
Em todo caso, e seja como for, há sempre uma esperança.
E nossa esperança concentra-se nas Defensorias Públicas, que o legislador constituinte, tão enfaticamente, criou e que se devem funcionar com estrutura adequada, em todos os juízos e tribunais do País, inclusive, e naturalmente, nos órgãos da Justiça especializada, dentre os quais não podemos olvidar as Câmaras ou Turmas da Família, da Infância e da Juventude.
È possível que a Defensoria Pública não seja a melhor solução, mas foi a adotada pelo texto constitucional de 1988.
Pode ser que o sistema sueco, p. ex., seja melhor.
” A Suécia, onde os índices de pobreza são mínimos, e que tem, talvez, o sistema de assistência judiciária mais dispendioso do mundo, foi considerada, por um observador, como o único país que realmente logrou oferecer assistência judiciária a qualquer pessoa que não possa enfrentar os riscos dos serviços jurídicos”.
Mas o Brasil não pode comparar-se com a Suécia, “onde 85% da população têm seguros que cobrem, entre outros, a maior parte dos ôns pela derrota numa ação”.
Por mais otimista que queiramos ser, o passado e a realidade aí estão. E que triste e vergonhosa realidade, como a que foi traçada pelo Sr. Presidente da República, Fernando Collor de Mello, no discurso pronunciado aos 31.5.90, quando anunciou a Nação que a criança e o adolescente passam a ser prioridade absoluta do Governo.
Mas o dispositivo em exame confere, também, á criança e ao adolescente integral acesso ao Ministério Público.
?Instituição permanente, essencial à função jurisdicional?, ao Ministério Público incumbe “a defesa de ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art.127 da CF).
E as funções do Ministério Público, previstas no Estatuto, seus representantes exercê-las-ão nos termos da respectiva lei orgânica (art. 200 do próprio Estatuto).
E basta ler o art. 200 deste Estatuto para que se tenha uma idéia das relevantíssimas funções que o Ministério Público exerce na proteção da criança e do adolescente, não sendo demasiado lembrar que as atribuições previstas naqueles dispositivos, apesar de sua amplitude, “não excluem outras, desde que compatíveis com a finalidade” da Instituição, nos termos do § 2° daquele mesmo dispositivo.
Em síntese, podemos dizer que o Estatuto garantiu a criança e ao adolescente o mais amplo acesso à Justiça.
E dizemos o mais amplo porque, além de consagrar o acesso da criança e do adolescente a todos os órgãos do Poder Judiciário, garantiu-lhes, também, o acesso ao Ministério Público e a Defensoria que exercem “funções essenciais à Justiça”, como consagrado na Constituição da República.
Por outro lado, a assistência judiciária, no sistema do Estatuto, pode ser prestada tanto por defensor público quanto por advogado nomeado na forma do parágrafo único do dispositivo ora comentado.
E essa essência o Estatuto quer seja integral (art.206, parágrafo único).
Ao advogado, por seu turno, o Estatuto dedicou um capítulo, o de n. VI, do tít. VI.
O Estatuto, por outro lado, isentou de custas e emolumentos as ações judiciais da competência da Justiça da Infância e da Adolescência, ressalvando, porém, a hipótese de litigância de má-fé.
A expressão litigância de má-fé aparece, na lei que disciplina a ação civil pública.
A isenção consagrada no Estatuto, no entanto, é mais ampla do que aquela a que se refere a Lei 7.347, de 24.7.85, que disciplina aquela ação.
Pelo art.18 daquele diploma, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas.
Ora, não adianta é, apenas, não pagar antecipadamente, porque o vencido deverá ressarcir as despesas no final.
Mas o que se entende por litigância de má-fé?
Reputa-se litigante de má-fé aquele que: “I – deduzir pretensão ou defesa contra o texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidentes manifestamente infundados; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório? (art. 17 do CPC).”
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury