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ECA: ARTIGO 191 /LIVRO 2 – TEMA: ENTIDADES DE ATENDIMENTO

Comentário de Almir Gasquez Rufino
Ministério Público/São Paulo

Topologicamente inserida no capítulo “Dos procedimentos” (cap. III do tít. VI do Livro 11),cuida a focalizada seção, em três artigos, daquele a ser observado visando à apuração de irregularidade ocorrida em entidade, governamental ou não, de atendimento a crianças e adolescentes.

A primeira observação a fazer diz respeito à forma de iniciar o procedimento, que, ex dispositione júris, se cinge, em qualquer caso, à portaria da autoridade judiciária ou representação do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, como, aliás, decorrência lógica do dever de fiscalização que lhes incumbe em relação às entidades de atendimento (arts. 90 e ss.), à luz do disposto no art. 95 do Estatuto.

No pertinente, especificamente, ao Ministério Público, o Estatuto, também no art. 201, XI, embora com diversidade de verbo e certa atecnia na discriminação das entidades de atendimento – ora nominadas como governamentais e não governamentais,ora como públicas e particulares atribui-lhe a mesma função.

Quadra, neste item, asserir que, por analogia ao que dispõe o art. 220 do Estatuto, se acha facultado, a exemplo do processo penal (art. 5°,§ 3°, do diploma adjetivo penal), a qualquer pessoa, ainda que não diretamente interessada, a apresentação, por meio hábil, de denúncia sobre irregularidade ocorrida nas entidades tratadas. Não se acha obstaculizada, outrossim, a apresentação de denúncia anônima (por carta ou ligação telefônica, e.g.), caso em que ao destinatário – autoridade judiciária, Ministério Público ou Conselho Tutelar – recomendam-se discrição e cautela redobradas na apuração sigilosa da noticia, só após o quê, se positivo o resultado da cognição encetada, se mostrará legítimo o desencadeamento do procedimento de que ora se cuida.

Acresce dizer que, quer se trate de portaria, quer de representação, dever-se-á,sob pena de invalidação, por inépcia, proceder, em atenção ao que preceitua o caput, parte final, do art. 191, à clara exposição, mesmo que a traço sumário, dos fatos reveladores das irregularidades tidas por praticadas, com indicação de seus autores e sua qualificação, caso já conhecidos, bem assim dos meios de prova, juridicamente admissíveis, com os quais se pretende comprovar os fatos trazidos a lume.

Não se exige que da peça incoativa já se faça constar a medida cabível à entidade, entre aquelas elencadas no art. 97: Assim é porque o próprio Estatuto faculta à autoridade judiciária, ao cabo da instrução probatória, deixar de aplicar qualquer das medidas previstas, nos casos – presume- se- de irregularidades de pequena gravidade, hipótese em que deverá fixar prazo razoável à sua remoção, encerrando-se, então, o processo sem julgamento do mérito com a comprovação, a contento, do efetivo cumprimento das exigências expressamente fixadas.

A propósito, e ainda em abono à tese da desnecessidade da indicação da medida aplicável, não se há de arredar a conjectura de, com a produção de provas ao longo do arco procedimental, se apurar que a irregularidade inicialmente apontada apresenta-se com maior amplitude, de maneira a justificar a imposição de medida mais gravosa à entidade, com o quê se teria que, sob essa vertente, aditar a peça inicial.

A questão competencial apresenta-se destituída de complexidade, porquanto o Estatuto, clara e iniludivelmente, atribui à Justiça da Infância e da Juventude competência para conhecer de ações decorrentes de irregularidades ocorridas em entidades de atendimento, governamentais ou não, aplicando as medidas cabíveis (art. 148, caput e inc. V). Assim, excepcionada a competência da Justiça Federal, se acaso configurada a hipótese tipificada no art. 109, I,da CF, competirá sempre à Justiça estadual, especializada, a cognição e julgamento de referidas demandas.
A autoridade judiciária a que alude o caput do art. 191 entende-se como sendo a que exerce as atribuições da Justiça da Infância e da Juventude na Comarca dentro de cujos limites territoriais acha-se estabelecida a entidade de atendimento. Se múltiplos os juízos especializados numa mesma comarca, tem-se por acertado que qualquer um.deles se mostra concorrentemente competente para exercer a fiscalização’ de que trata o art. 95 do Estatuto, et pour cause para instauração do procedimento em comentário, respeitada, nesse último caso, a fixação de competência por prevenção:Acresce frisar que se cuida,como já antevisto, de competência absoluta in ratione materiae e, por isso, improrrogável e indisponível às partes, devendo ser declarada de oficio pelo juiz (arts. 111 caput, e 113 do CPC, c/c o art. 152 do Estatuto).

A diferença do procedimento objetivando a apuração de ato infracional atribuído a criança ou adolescente, em relação ao qual a imposição de sigilo, mutatis mutandis, decorre de expressa disposição legal (art. 143, caput, do Estatuto), no procedimento em referência remanesce o princípio geral da (ampla) publicidade dos atos e termos processuais, agora constitucionalmente avocado (arts. 5º,LX, e 93, IX, infine, ambos da Carta Magna).Não se está a impedir, todavia, que, mercê das próprias ressalvas abertas pelo preceptivo federal, a relativizar o caráter peremptório do marcado princípio, possa a autoridade judiciária, amoldando a norma do art. 155,I, do estatuto adjetivo civil ao regramento maior, imprimir ao procedimento segredo de justiça, sem o qual se teria, conforme o caso, certamente por afetado o interesse público ou social subjacente. Do ângulo prático,não é difícil imaginar os prejuízos, a vários aspectos, decorrentes da ampla e irrestrita publicidade dos atos do procedimento cognitivo em exame, a dificultar e, mesmo, até impossibilitar que a apuração das irregularidades, mormente quanto múltiplas e graves, ocorridas em entidade de atendimento,seja levada a bom termo.

Dessa forma, pode-se, em certo e justo, assentar a ilação de que, como regra geral, se há de prestigiar o princípio – agora, repise-se, erigido em cânon constitucional – da publicidade dos atos processuais, facultando-se, porém, a judicial e fundamentada imposição de segredo de justiça, se o interesse público reclamá-lo. Nessa hipótese, de determinação de sigilo jurisdicional, conjurar-se-ão, como fácil fica de perceber, os prejuízos resultantes de uma publicidade plena, de que fala Frederico Marques, limitando-se, então, apenas às partes e aos seus respectivos advogados, assim como ao Ministério Público, a presença à prática dos atos em que o procedimento desdobra-se e o acesso aos correspondentes autos. Em relação a estes também se restringe, por consectário lógico, a expedição de certidões ou cópias e, enfim, sua retirada de cartório.

Prevendo a ocorrência de grave(s) irregularidade(s), houve por bem o Legislador infraconstitucional facultar à autoridade judiciária, e apenas a ela,decretar,com prévia manifestação do órgão do Ministério Público (no caso,obviamente,de não ter sido ele o requerente da medida) e à vista dos elementos informativos já constantes dos autos, o afastamento provisório do dirigente da entidade não se distinguindo se governamental ou não. Cumpre adicionar a possibilidade de, nada obstante o silêncio legislativo, também se afastar, em abono à máxima “in eo quod plus est semper inest et minus”, o dirigente da unidade ou de programa de atendimento, ou tão somente este, conforme a situação posta à cognição judicial.

Reclama-se, porém, que a decisão de afastamento, que poderá se dar, inclusive, inaudita altera pars, revista-se da necessária fundamentação. A este propósito, de se sublinhar que ao dever, agora constitucionalmente imposto (CF, art. 93, IX, da CF), de motivação dos atos processuais, acolhido no parágrafo único do art. 191 do Estatuto, se há de emprestar o devido alcance, de sorte a limitá-lo às sentenças ou acórdãos ditos definitivos ou em que há exame do meritum causae, a exigir, só então, o estrito cumprimento do art. 458 do CPC,’ sob pena de configuração de nulidade insanável, da qual se poderá conhecer até mesmo ex officio. No pertinente, contudo, às decisões interlocutórias, de que é exemplo o ato decisório em pauta, e mesmo às sentenças e acórdãos terminativos, admite-se fundamentação breve, concisa, embora clara e compreensível, também sob pena de nulidade.

Da decisão que determina o afastamento do dirigente da entidade e mesmo da que o nega, quando solicitado pelo Ministério Público ou Conselho Tutelar, cabe, sobre se tratar, como expresso, de decisão interlocutória, o recurso de agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, com possibilidade de retratação de seu prolator.

Ad instar do processo civil cautelar, admite-se que a decisão de afastamento de dirigente ocorra em momento posterior do curso do procedimento, ainda que já oferecida resposta, se e quando a autoridade judiciária convença-se da conveniência e oportunidade da segurança antecipada (cf., a respeito, J. J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, X-I/198 e 199, São Paulo, Ed. RT, 1984, n. 171; Ovídio A. Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, 2° ed., XI/211, Porto Alegre, Letras Jurídicas, 1986; Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, 2°ed. V11-I/340, Rio, Forense, 1981, n. 58 et aI). Frise-se, neste espaço, que igualmente se possibilita, durante o iter procedimental e quando já instaurado o contraditório processual, a fundamentada revogação ou modificação, impugnável por agravo, da decisão liminar de afastamento do dirigente da entidade, caso desaparecida sua razão de ser.

Se determinado liminarmente o afastamento provisório do dirigente de entidade governamental, cumpre à autoridade judiciária, a teor do art. 193, § 2°, sub studio, oficiar à autoridade administrativa imediatamente superior àquele, comunicando-lhe, então, a decisão e já fixando prazo exíguo, porém suficiente, à viabilização da substituição do dirigente afastado, sob pena de natural solução de continuidade no desenvolvimento dos programas da entidade.
Na hipótese acima aventada, de se determinar tão-só o afastamento do dirigente de unidade ou de programa da entidade, dever-se-á, por conseguinte, oficiar ao dirigente desta para que, na forma explicitada, proceda à substituição do afastado.

Se, todavia, não governamental a entidade de atendimento e ainda no Caso de afastamento provisório de dirigente:” é curial dever sua substituição pautar-se pelos critérios estabelecidos no respectivo estatuto e nas atas de assembléias realizadas. Quando, porém, só determinado o afastamento de dirigente de unidade ou de programa em que teve lugar a irregularidade objeto de apuração, competirá ao próprio dirigente da entidade de atendimento- a quem deverá ser oficiado, nos moldes referidos – efetuar a devida substituição.

À guisa de desfecho do presente item, quadra ponderar que o “motivo grave” de que fala o legislador (art. 191, parágrafo único) há de ser, guardadas as condições peculiares da entidade tratada, criteriosamente aferido de acordo com a escusabilidade ou não do descumprimento dos princípios e obrigações impostos pelos arts. 92 e 94, caput e § 1°, do Estatuto.

Este texto sobre o ECA: ARTIGO 191 / LIVRO 2 faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

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