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ARTIGO 213/LIVRO 2 – TEMA: CRIANÇA E ADOLESCENTE

Comentário de Kazuo Watanabe
Jurista/ São Paulo

1. Fonte inspiradora

Seguramente, a fonte inspiradora deste artigo foi o anteprojeto de modificação do Código de Processo Civil publicado no DOU, edição de 24.12.85, elaborado pela Comissão nomeada em 1985 pelo Ministério da Justiça e integrada por Luiz Antônio de Andrade, José Joaquim Calmon de Passos, Kazuo Watanabe, Joaquim Correia de Carvalho Jr. e Sérgio Ber­mudes. Consta desse anteprojeto: com efeito, praticamente com as mes­mas palavras, a sugestão de criação de uma ação especial de tutela especí­fica da obrigação de fazer ou não fazer.

A mesma sugestão, por sinal, foi aproveitada pela Comissão elabora­dora do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, com algumas modificações. O texto final é o que se encontra, hoje, no art. 84 e §§ do Código de Defesa do Consumidor, em vigor desde março/91.

2. Efetividade da tutela jurídica processual

Uma das preocupações marcantes do legislador do Estatuto foi a ins­trumentalidade substancial e maior efetividade do processo, ao que se ex­trai do artigo em exame e também do artigo anterior.

O artigo em estudo, que disciplina a ação especial para execução específica das obrigações de fazer ou não fazer, complementa o enunciado do caput do art. 212.

O Direito Processual pátrio, como é cediço, consagra ações especiais, algumas até com procedimento simplificado e bastante ágil, para a tutela processual privilegiada de certos direitos patrimoniais.

Porém, para a tutela de direitos não patrimoniais o nosso ordenamen­to é muito acanhado, principalmente no que diz respeito às relações jurídi­cas entre particulares.

Essa pobreza do nosso sistema jurídico é decorrente basicamente da mentalidade com que interpretamos o nosso ordenamento, forma lista aci­ma de tudo e marcada profundamente pela visão economística, em que está inspirado o Direito Processual pátrio.

A nós sempre nos pareceu que o princípio constitucional da inafasta­bilidade do controle jurisdicional, hoje inscrito no inc. XXXV do art. 52 da CF, não somente possibilita o acesso formal aos órgãos judiciários como, também, assegura a garantia efetiva contra qualquer forma de dene­gação da justiça. E isso significa, a toda evidência, a promessa de preorde­nação dos instrumentos processuais adequados à concretização dessa ga­rantia. E essa promessa, evidentemente, é abrangente também dos tipos de provimentos, e não apenas das espécies de procedimentos.

A esse texto constitucional e outros infraconstitucionais soma-se, ago­ra, o art. 212, caput, do Estatuto, para deixar estreme de dúvidas, definiti­vamente, que o nosso sistema processual, para a tutela dos interesses e direitos dos menores e adolescentes, é dotado de “todas as espécies de ações pertinentes”.

E o art. 213 atribui mais poderes ao juiz (e também às próprias partes, pois é através do seu pedido que os poderes do juiz são ativados) para conferir ao processo, mais especificamente ao seu provimento, maior plas­ticidade e mais perfeita adequação e aderência às peculiaridades do caso concreto. Assim é que poderá ele impor multa diária, independentemente de pedido do autor, caso seja essa solução suficiente e mais compatível com a obrigação, e poderá, ainda, determinar a adoção de todas as provi­dências legítimas e compatíveis à tutela específica da obrigação ou ao atin­gimento do resultado prático correspondente (art. 213, caput e § 22).

Dentro dessa linha evolutiva, que já na Lei 7.347/85 (Ação Civil PÚ­blica) se acentuara bastante com a explicitação, no art. 11, de que “o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessa­ção da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de comina­ção de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independente­mente. de requerimento do autor”, não se afigura exagerado afirmar-se que o nosso sistema processual é dotado de ação mandamental de eficácia bastante e assemelhada à da injunction do sistema da common law e à “ação inibitória” do Direito italiano.

Certamente, está consagrado nesses dispositivos um instituto seme­lhante ao do contempt of court dos ordenamentos da common law.

As ordens judiciais, no sistema processual pátria, devem ser executa­das, em linha de princípio, em sua forma específica, sob pena de uso da violência oficial para seu efetivo cumprimento, como deixam claro, entre outros, os arts. 362, 412 e 842, todos do CPC.

O art. 340 do Código Penal, ao tipificar como delito a desobediência a ordem legal de funcionário público, completa todo esse quadro, tornan­do perfeitamente admissível a adoção entre nós da ação mandamental de eficácia próxima à da injunction do sistema da common law e da ação inibitória do direito italiano.

A chamada ação mandamental, de que é exemplo a ação de mandado de segurança, constitui um exemplo dessa evolução. Não se confunde ela, embora as inegáveis semelhanças, com a ação condenatória. Esta dá ori· gem à formação do título que, não sendo cumprida a condenação esponta­neamente pelo demandado, possibilitará o acesso a uma outra ação, que é a de execução de sentença. A mandamental, à semelhança das ações exe­cutivas lato sensu, não reclama uma ação de execução ex intervallo, ense­jando, ao revés, a expedição de ordens, que, sendo descumpridas, farão configurar o crime de desobediência e a realização de atos materiais de execução pelo juiz. O comando da sentença, em suma, é cumprido de modo específico.

O legislador deixa bem claro que, na obtenção da tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, o que importa, mais do que a conduta do devedor, é o resultado prático protegido pelo Direito. E, para a obtenção dele, o juiz deverá determinar todas as providências e medidas legais e adequadas ao seu alcance, inclusive, se necessário, a modificação do mun­do fático, por ato próprio e de seus auxiliares, para conformá-Io ao co­mando emergente da sentença.

3. Multa

A medida coercitiva representada pela multa, concebida para induzir o devedor a cumprir espontaneamente as obrigações que lhe incumbem, principalmente as de natureza infungível, não é de natureza reparatória. Vale dizer, sua imposição não prejudica o direito do credor à realização específica da obrigação ou ao recebimento do equivalente monetário, e tampouco à postulação das perdas e danos. A multa, em suma, tem função puramente coercitiva.

O § 3º deixa bem claro que a multa será devida desde a data do descumprimento do preceito, embora sua exigibilidade esteja condicionada ao trânsito em julgado da sentença.

4. Medida liminar

A ação especial terá rito ordinário após a contestação, como é de regra no sistema processual brasileiro, mas admite a concessão da medida liminar de plano ou após justificação prévia, devendo, nesta última hipótese, ser citado o réu (§1º).

Os pressupostos para a antecipação do provimento definitivo são a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final.

5. Multa e poder ampliado do juiz

O § 2° confere ao juiz o poder de adaptação do provimento jurisdicio­nal à natureza e às peculiaridades do caso concreto, podendo impor multa diária, “independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou com­patível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito”.

Evidentemente, a imposição da multa não prejudica o direito do cre­dor ao cumprimento específico da obrigação, nem ao recebimento de seu equivalente monetário, e tampouco à reclamação das perdas e danos. O dispositivo confere maior plasticidade ao processo, principalmente ao pro­vimento nele reclamado, permitindo que o juiz, em cada caso concreto, através da faculdade prevista no parágrafo em análise, proceda ao adequa­do equilíbrio entre o direito e a execução respectiva, procurando fazer com que esta última ocorra de forma compatível e proporcional à peculiaridade de cada caso.

Para isso, evidentemente, os juízes deverão estar muito bem prepara­dos, com a reciclagem permanente de seus conhecimentos jurídicos e de outras áreas do saber humano e com a perfeita aderência à realidade Só­cio-econômico-política em que se encontram inseridos, de tal modo que os dirêitos dos menores e dos adolescentes consagrados no Estatuto sejam efetivamente tutelados.

O maior preparo dos juízes mais ainda se impõe quando se tem pre­sente a ampliação de seus poderes, pela clara adoção pelo Estatuto de no­vos e mais eficazes tipos de provimentos jurisdicionais, como a ação mandamental de eficácia assemelhada à injunction do sistema da common law e à ação inibitória do direito italiano.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ECA comentado: ARTIGO 213/LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
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