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ECA: ARTIGO 245 / LIVRO 2 – TEMA: Infração Administrativa

Comentário de Edmundo Oliveira
Universidade do Pará.

Objeto jurídico desta infração é o bom tratamento da criança ou ado­lescente. Esse é o bem jurídico tutelado neste caso, como forma especifica da boa administração, que é a forma genérica do objeto jurídico nos arti­gos relativos às infrações administrativas.

Sujeito ativo da infração podem ser: o médico, subentendido: que as­sista à criança ou ao adolescente; o professor daquela ou deste; o respon­sável pelo estabelecimento, que pode ser de saúde, de ensino fundamen­tal, pré-escolar ou creche.

Sujeito passivo é a Administração Pública e, secundariamente, é a criança ou adolescente entregue aos cuidados do sujeito ativo (ofendido).

Fato típico é a omissão do dever imposto em lei, isto é, o de comuni­car a autoridade competente os casos de maus-tratos contra criança ou ado­lescente de que o sujeito ativo tenha conhecimento. Em outras palavras, o Estatuto obriga aquelas pessoas (sujeitos ativos) a comunicar à autoridade competente os casos de maus-tratos. Elas praticam a infração se não o fa­zem. Ao contrário do que acontece nos casos de infrações comissivas, as omissivas configuram-se com a simples inércia.

Para que o dever de comunicar se configure basta que o sujeito ativo tenha conhecimento dos maus-tratos ou deles suspeite.

Pode acontecer que ao médico tenha chegado o conhecimento do fato em razão de seu mister. Comete ele o crime previsto no art. 154 do CP (violação do segredo profissional) ao fazer a revelação? Não, porque o crime de violação de segredo profissional envolve um elemento normati­vo: sem justa causa. E não pode ser considerado injusto o que é obrigató­rio por força da lei.

Consumação: a infração ao art. 245 consuma-se com a inércia do su­jeito ativo. É matéria de fato, revelada pelas circunstâncias do caso con­creto, a de saber se o obrigado a comunicar deixou de fazê-Io ou se apenas retardou a comunicação.

Pena: a pena para o infrator do art. 245 é a de multa de 3 a 20 salários de referência. Em caso de reincidência, ela se aplica em dobro.

Como todas as sanções administrativas, essa resulta da violação de ato normativo, da lei ou da autoridade administrativa (regulamento, porta­ria, etc.). No caso em estudo, o poder de aplicar a pena decorre da autori­dade da Administração sobre seus servidores. Distingue-se, portanto, do poder de apenar resultante de contrato administrativo entre o Estado e o particular: cabe à Administração punir seus servidores na hipótese de in­fração administrativa. No caso de aplicação de pena ao servidor, a sanção é ato interno da Administração e tem caráter disciplinar; no caso de apli­cação de pena ao administrado, a sanção é de caráter externo e não é cor­reicionaI. Tratando-se de pena disciplinar, maior é a discricionariedade da Administração Pública do que ·no trato da pena resultante de contrato ad­ministrativo. Em outras palavras: a Administração age com mais liberdade ao impor sanção a seus servidores do que a estranhos unidos a ela por con­trato administrativo. No caso em exame, o sujeito ativo da infração é ser­vidor público. A lei poderia tê-Io ameaçado de outras sanções (suspensão, afastamento do cargo ou função etc.). Preferiu, entretanto, a pena de multa.

Trata-se de multa administrativa, diversa da multa fiscal e da multa criminal. A multa fiscal é uma pena pecuniária pelo inadimplemento de obrigação para com o fisco (Fazenda Pública). A multa criminal é pena pecuniária, cominada em lei, pela prática de crime. A multa administrativa é pena pecuniária imponível no caso de infração administrativa. Ao con­trário do que acontece com a pena de multa do Direito Penal (CP, art. 51), a multa administrativa não pode ser convertida em pena privativa da liber­dade. Também diversamente do que ocorre no Direito Penal, a multa em Direito Administrativo é objetiva, independe de dolo ou de culpa.

Para o caso específico do art. 245 do Estatuto, agora comentado, a pena cominada é a de multa de 3 a 20 salários de referência. Em caso de reincidência a pena será aplicada em dobro.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ARTIGO 245/LIVRO 2 – TEMA: Infração Administrativa

Comentário de Hélio de Oliveira Santos
CRAMI/Campinas..
Fundamentação

Os maus-tratos na infância são geralmente impostos pelos próprios pais ou responsáveis, presentes indistintamente em todas as categorias socioeconômicas, não respeitando credo, raça ou cor. Os fatores de risco coleti­vo a que estão submetidas as crianças vítimas de maus-tratos são os de ordem ambiental ou ecológica, como, p. ex., fruto de contaminação am­biental atmosférica, uso abusivo e indiscriminado de agrotóxicos, ruído exa­gerado, poluição de água e alimentos. Individualmente, vamos encontrar: os abusos físicos ou sexuais, as intoxicações provocadas intencionalmente por medicamentos ou outras formas de envenenamento. Os fatores de ris­co sociais relacionados à privação familiar por abandono temporário ou permanente, privação alimentar ou de medicamentos em caso de enfermi­dade infantil, estímulos distorcidos provocados por pais ou responsáveis com distúrbios comporta mentais ou toxicomanias. As situações de priva­ção de alimento podendo redundar em desnutrição importante, a privação de medicamentos, em internações ou, mesmo, morte infantil. Os fatores de risco psíquico relacionados a alterações psicológicas ou psiquiátricas dos familiares envolvidos com agressões à criança ou presentes na própria vítima,

Podemos encontrar um distúrbio mental ou uma alteração comporta­mental em um dos pais, tendo como fator desencadeante da agressão o uso de bebidas, tóxicos ou situações de stress como desemprego, trabalho excessivo, separação e litígios familiares ou morte de um dos cônjuges. To­dos esses fatores de risco geralmente encontram-se integrados em situa­ções como espancamentos, abusos sexuais, negligência, intoxicações intencionais, abandono, mau-trato psicológico, entre outras formas de maus-tra­tos contra a criança e o adolescente.

As agressões corporais são as mais freqüentes formas de violência di­reta e familiar contra crianças, sendo atendidas em prontos-socorros, ob­servadas em creches, pré-escolas ou escolas ou encaminhadas a centro de atenção à criança e adolescente ou ao Instituto Médico-Legal, após bole­tim de ocorrência em posto policial. Todavia esses casos registrad0s corres­pondem somente a 1/5 dos que ocorrem na comunidade, sendo, geral­mente, os de natureza grave. Estes freqüentemente incorrem em riscos de 50% da reincidência do ato abusivo, com conseqüente risco de 25% de dano cerebral e 10% de risco de vida.

Os casos de agressões corporais atendidos em prontos-socorros ou in­ternados em hospitais não são oficialmente notificados. As razões de natu­reza médica na falha de registros são, geralmente:

– O profissional médico não faz o diagnóstico, por desconhecimento.

Muitos casos de queimaduras, fraturas no crânio ou ossos longos, ferimen­tos de couro cabeludo, são confundidos com simples acidentes não inten­cionais. Serviços de urgência traumatológica nos Estados Unidos da Améri­ca apresentam estatística de até 30% de fraturas de ossos atendidos, tendo como causa o mau-trato.

– O médico rechaça a hipótese de mau-trato, por razões culturais. A criança chega, às vezes, ao pronto-socorro com sangramento vaginal ou lesão vulvar semelhante a doença venérea e se despreza a possibilidade de um abuso sexual.

– Falta de consciência social, não aceitando como obrigação profissio­nal sua notificação, escondendo-se atrás dos preceitos éticos do “segredo médico”.

O Boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS) para classifica­ção de doenças em português de maio-agosto/86 mostra a preocupação com tal fato: ” … com grande preocupação e pesar, que os maus-tratos na infância se constituem em importante fator de mortalidade e morbidade nos primeiros anos de vida … Pretende-se chamar a atenção das Secretarias de Saúde para a análise criteriosa dos óbitos de crianças falecidas por cau­sas violentas. Muitas dessas mortes, se adequadamente investigadas, po­dem revelar-se como devidas a maus-tratos e classificadas na categoria E 967 – síndrome da criança espancada e outras formas de maus-tratos … ”

Além disso, o próprio Código de Ética Médica restringe a prática do segredo profissional quando este desrespeita o interesse e a integridade do paciente, a sua saúde física ou psíquica, estando também obrigado etica­mente a denunciar o fato. Desconhecimento pelo médico da atitude a se tomar. Após a suspeita levantada, comunicar à autoridade policial para um boletim de ocorrência e exame médico-legal. Em seguida, encaminhamento de relatório à Vara de Justiça da Infância e da Adolescência, ou notificar a um centro de aten­ção à criança e adolescente.

– Medo de revanchismo contra bens, família ou contra si próprio.

– Medo de aparecer na imprensa.

– Temor de transtornos legais ou acusação de falsa denúncia.

– Temor de comparecimento ao tribunal, com perda de tempo profissional.

Resumidamente, os fatores de sub-registros estão relacionados ao des­conhecimento geral da compulsoriedade legal da notificação, de ordem profissional, cultural ou social. Há necessidade de que tal notificação seja acompanhada de garantia do anonimato, além de compromisso de todos os profissionais da área da saúde e outros membros da comunidade para essa importante luta em prol da proteção integral à criança (Crianças Es­pancadas, Santos H. O, Papirus, 1987).

A abrangência da responsabilidade profissional da notificação

A existência de inúmeros equipamentos sociais voltados à atenção a crianças e adolescentes faz com que se amplie o leque de profissionais res­ponsáveis pelo registro de situações suspeitas ou verificadas de maus-tratos.

Cabe, portanto, a: profissionais que exerçam trabalho específico com crianças e adolescentes em seu cotidiano; qualquer casa de custódia ou guarda de crianças, creches, pré-escolas ou escolas públicas ou privadas; um professor, superior de classe, educador físico, dono de escola privada, responsável administrativo pela escola pública, trabalhador técnico de cen­tros comunitários, assistentes sociais de programas comunitários de bairro, entre outros; profissionais de saúde, como médicos de diferentes especia­lidades, incluídas as que atuam diretamente com crianças e adolescentes ou, indiretamente com seus pais, ou serviços de atenção a distúrbios espe­cíficos, como centros alcoólicos, toxicômanos, neuróticos etc., serviços de autópsia ou de verificação de óbito, radiologistas, profissionais não médi­cos, como psicólogos, conselheiro familiar, odontológicos, enfermeiros(as), fi­sioterapeutas, farmacêuticos, terapeuta ocupacional e outros, que tenham conhecimentos ou observado uma criança ou adolescente com suspeita de maus-tratos, no exercício de sua atividade profissional.

Iniciativas e ações de notificação

Deve fazer parte do exercício de cidadania plena o direito e o dever de todo e qualquer cidadão de notificar uma situação de maus-tratos à criança e adolescente a órgãos de proteção. A garantia do anonimato, nes­sas situações, estimula a iniciativa da notificação, preservando, eventual­mente, risco de ação civil de responsabilidade em caso de a suspeita levan­tada ser infundada.

Aos profissionais elencados na lei cabe a notificação da suspeita de verificação do ato abusivo a um órgão de proteção à criança e adolescente, imediatamente ou o mais rápido possível, por telefone, preparando, a se­guir, um breve relatório a ser encaminhado. A ausência de um telefonema imediato ou notificação por escrito estará sujeita à punição penal e admi­nistrativa prevista. Tal notificação não significa um procedimento civil ou criminal, a ser iniciado contra o suspeito pelo ato abusivo. Há necessidade de pronta verificação do ato e sua veracidade, por profissionais técnicos da área de proteção à criança, podendo a mesma ser submetida a exames médicos-legais, por decisão da Justiça. A notificação telefônica ou por es­crito será individual, não podendo ser impedida por supervisores, adminis­tradores ou donos de estabelecimento.

Nos hospitais ou casas de saúde, devem, frente a casos suspeitos de maus-tratos, documentar fotográfica, clínica e laboratorialmente, observan­do indicadores psicossociais, testes de doenças transmissíveis sexualmente, estudos colposcópicos e de injúrias genitais, em casos suspeitos de abuso sexual. Nos casos de morte suspeita, autópsia acurada, solicitando verifica­ção específica para detecção de maus-tratos. Sugere-se o desenvolvimen­to de um grupo de atuação multidisciplinar para atuação frente a casos suspeitos de abuso, podendo requisitar especialistas, quando necessário, ou profissionais de centros de proteção à criança e adolescente. Tal siste­matização é também válida para profissionais em seus consultórios priva­dos, em ambulatórios especializados de atendimento a doenças transmis­síveis, doenças psiquiátricas, drogas e alcoolismo, serviços de atenção à mulher, à família, entre outros.

Nas creches, pré-escolas e escolas públicas ou privadas, todos os pro­fissionais designados anteriormente podem e devem notificar uma suspeita ou evidência de maus-tratos. Os sinais sintomáticos de abuso ou negligên­cia podem incluir desde marcas físicas pelo corpo até distúrbios de com­portamento, absenteísmo, depressão etc. Para uma uniformização e con­sistência da notificação, a chefia da escola pode desenvolver uma ficha de identificação e notificação de maus-tratos à criança e adolescente. Nas cre­ches pré-escolas, um exame geral à recepção da criança evitará possíveis interpretações de “acidentes” ocorridos no ambiente da entidade,

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ECA comentado: ARTIGO 245 / LIVRO 2 – TEMA: Infração Administrativa
ECA comentado: ARTIGO 245 / LIVRO 2 – TEMA: Infração Administrativa