ARTIGO 58/LIVRO 1 – TEMA: DIREITOS
Comentário de Elizabeth D’Angelo
Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil
A arma mais poderosa de que uma sociedade dispõe para desenvolver-se em direção à liberdade de todos os seus membros está na educação de qualidade para crianças e adolescentes. Este pequeno capítulo contém potencialidade revolucionara, já que é o único capítulo do Estatuto da Criança e adolescente que abarca educação, cultura e criação, juntos. Para compreensão da magnitude dessa afirmativa, o processo educacional deve ser compreendido, como toda relação da criança e do adolescente com a vida, através dos adultos com quem convive, direta e indiretamente, e não só com os profissionais da Educação.
Assim, todos somos responsáveis pela formação das crianças e adolescentes brasileiros.
A escola, como local onde se dá parte do processo educacional, tem função de organizar o conhecimento assistemático recebido no dia-a-dia de cada um, valoriza-lo, amplia-lo e atualiza-lo, e desenvolver as habilidades potenciais individuais dos seus alunos, além de proporcionar o aprendizado da convivência coletiva. Porém, a escola brasileira não atende à maioria das nossas crianças e adolescentes da maneira explicitada acima.
A educação está presente desde os primeiros dias de vida da criança. Ela é submetida a horários para alimentar-se ou dormir, organizando suas primeiras necessidades físicas. Bem pequenina, a criança já reage e chora para fazer-se ouvir e dizer que não é um ser passivo e sem sentimentos. A fome, o frio, o desconforto, a falta de calor humano do adulto, ela expressa em alto e bom som. Depois, o aprender a pedir, a comer, a andar, a expressar alegria e tristeza, vai ampliando e tornando a educação de cada uma dessas pessoinhas mais complexas. A todo momento recebe informações afetivas e cognitivas que constroem sua base educacional e cultural.
O contato com a letra, sons, movimentos e imagens começa a fazer parte do seu universo e, sem a criança sentir, são assimilados. Assim, começa o processo de inserção da criança nos códigos humanos, diversificando, cada vez mais, suas formas de comunicação, suas linguagens. Já adolescente, essas experiências são elaboradas e o jovem, com senso crítico bastante apurado e com disposição plena de viver, características de sua idade, questiona o mundo e, nele, os adultos à sua volta.
Infelizmente, para a maioria das crianças e jovens brasileiros esses processos são dolorosos e lacunosos. Apesar disso, em cada um desenvolve-se um ser vivo, sensível e pensante, que se transformará em um adulto. São comuns a qualquer criança e jovem potencialidades vitais para o desabrochar da idade adulta em toda sua plenitude: sentir, pensar, fazer e poder elaborar sentimentos, pensamentos e ações que interferem no curso de suas vidas. Essas potencialidades precisam, porém, para desenvolver-se plenamente, ser provocadas e estimuladas através de oportunidades de contato de diversas linguagens: escrita, oral, corporal, plástica, dramática, musical, pictórica, visual, matemática etc.
É aí que a discriminação aprofunda-se. Só a uma minoria essas oportunidades são oferecidas de maneira completa e variada. O contato com outras culturas, com o conhecimento organizado produzido pela Humanidade, seja ele científico, artístico ou informativo, prático ou teórico, articulado com a realidade de cada um, não é garantido a todos os membros de nossa sociedade.
O processo educacional que se dá na escola, para ser de qualidade, deve ser compreendido como complementar ao que cada um traz de história individual e coletiva. Além de respeitar e valorizar os valores culturais próprios do contexto da criança e do adolescente, é importante dar-lhes condições de acesso à cultura de outros grupos sociais possuidores de outras histórias, diferentes, mas igualmente importantes. A humanidade não se desenvolve no gueto. È a possibilidade de conhecer e trocar experiências e idéias que enriquece a todos s faz acontecer os avanços sociais.
O espaço organizado onde esse acesso pode ser democratizado é, por excelência, a biblioteca pública, escolar ou comunitária. A biblioteca da modernidade é a casa do conhecimento à qual todos devem ter garantido o direito de ir e poder encontrar o que buscam. As portas de uma biblioteca viva, cheia de provocações e alegria, devem ser abertas a todas as crianças e adolescentes. Ter acesso ás fontes de cultura significa ter acesso, também, ás formas como outros grupos de pessoas enfrentam e resolvem seus problemas.
A cultura, entendida como conjunto de experiência e idéias de grupos e pessoas sobre suas vidas e suas expressões, supõe que todos produzimos cultura. Assim, o acesso a outras culturas, quando não é imposto, é fecundo campo para novas idéias provocadoras de mudanças. A variedade alimentar o olhar, o pensar e o sentir. É o que possibilita o fazer criador.
Em nossa sociedade o ato de criar tem sido compreendido, erroneamente, como capacidade única e exclusiva do artista. Essa é uma das mais graves distorções feitas pela ideologia do poder que nos domina, já que criar implica questionar, ser livre, tornando-se uma ameaça para aqueles que não querem mudanças.
Criar é potencialidade de qualquer ser humano. É a criação que possibilita ao homem e a humanidade resolverem seus problemas. É o criar que viabiliza a liberdade, a autonomia. Porém, criar não surge do vazio. É necessário, para criar, conhecer coisas novas, ler, escultar, conversar e trabalhar com persistência. É assim, que cientistas e artistas criam. A curiosidade que toda criança traz consigo “e que nós, adultos, quase sempre calamos, autoritariamente” é o sinal mais importante da potencialidade humana de criar.
A fantasia que percorre a imaginação de todos nós, e da criança em particular, deve ser preservada e incentivada. Sem alimentar nossa imaginação com palavras, sons e imagens, nossa fantasia tende a ficar pobre ou deformada. E sem fantasia não há criação, não há liberdade. O real e o imaginário não são dissociados. Ao contrário, o real não sobrevive sem o imaginário, e o imaginário vive do real.
Portanto, viabilizar as oportunidades para desenvolver a imaginação e a fantasia de nossas crianças e jovens é garantir-lhes o acesso ao conhecimento científico, ás expressões de arte à informação, dando-lhes, assim liberdade para criar.
Disso sabem todos que construíram esse Estatuto, onde a palavra escrita, que aqui explica um conjunto científico, artístico e informativo de ações, idéias e emoções articuladas, é a sua principal caracterização.
É importante que todas as crianças e adolescentes deste País possam ter educação de qualidade, cuja base é a leitura, para poderem ler, interpretarem e fazer uso do Estatuto criado para defende-las da opressão, da miséria, da discriminação e das injustiças. Garantido às nossas crianças e adolescentes liberdade para criar, certamente uma nova relação entre elas e nós, adultos, surgirá. É o único caminho possível para tornar realidade nosso sonho de um melhor mundo.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 58/LIVRO 1 – TEMA: DIREITOS
Comentário de Hélio Xavier de Vasconcelos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A norma aqui contida é de enorme importância para o pleno desenvolvimento do processo educacional quando exprime o desejo de que sejam respeitados e, por conseguinte, estudados todos os valores (culturais, artísticos e históricos) inseridos na realidade social em que se encontrem a criança e o adolescente. A norma é complementada, na sua parte final, com a garantia de que os educandos desenvolverão suas atividades com “liberdade de criação” e o “acesso às fontes de cultura”.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury