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02.12.2016
Tempo de leitura: 8 minutos

ECA comentado: ARTIGO 6 / LIVRO 1 – TEMA: Criança e adolescente

ECA: ARTIGO 6 / LIVRO 1 – TEMA: CRIANÇA E ADOLESCENTE

Comentário de Ilanud

Interpretar e aplicar a lei são tarefas distintas, pois a aplicação pressupõe o conhecimento do sentido e alcance da norma jurídica, portanto, prévia interpretação. Por esta razão a ciência do direito não pode prescindir de métodos de interpretação da lei para sua justa e perfeita aplicação.

Tendo isso em vista, muitos legisladores tomam a precaução de inserir o método de interpretação no próprio texto legal, como forma de orientar o juiz, aquele que precisa compreender o intuito da lei e o seu alcance antes de aplicá-la.

Este artifício está presente, por exemplo, no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil1, que assim dispõe: na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

O artigo 6º do ECA, por sua vez, é igualmente fruto deste recurso. Inspirado no mencionado artigo 5º da Lei de Introdução, prega que a interpretação do Estatuto leve em conta os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum.

Não existe norma que não contenha uma finalidade social imediata. Entende-se por fim social o objetivo de uma sociedade, a somatória de atos que constituíram a razão de sua composição, abrangendo assim seus anseios, o equilíbrio de interesses, etc. Ademais, entende-se por elementos do bem comum a liberdade, a paz, a justiça, a segurança, a utilidade social e a solidariedade.

Mas além dos fins sociais e das exigências do bem comum, o artigo 6º preconiza que na interpretação do ECA também sejam considerados a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento e os direitos e deveres individuais e coletivos.
O respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento é um princípio, previsto expressamente no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 4º do ECA, segundo o qual a criança e do adolescente merecem atenção especial pela sua vulnerabilidade, por serem pessoas ainda em fase de desenvolvimento da personalidade.
A vulnerabilidade é, portanto, fundamento do princípio do respeito à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Assim ensina MACHADO: (…) por se acharem na peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento crianças e adolescentes encontram-se em situação essencial de maior vulnerabilidade, ensejadora da outorga de regime especial de salvaguardas, que lhes permitam construir suas potencialidades humanas em sua plenitude.2

Por este olhar, a proteção integral não deve ser compreendida como um recurso utilitário do mundo adulto, no sentido de se proporcionar meios para garantia de uma maturidade futura. A proteção integral tem finalidade significativamente imediata, para que as pessoas possam usufruir as efêmeras fases da vida que são a infância e a juventude.

De toda sorte, este é apenas um dos lados de uma mesma moeda. É de suma importância reconhecer que a proteção integral também decorre de uma preocupação do mundo adulto com o futuro, com à força potencial que a infância e a juventude representam para a nação.3

Por esta óptica, o direito da criança e do adolescente possui um viés de utilidade social, pautado em valores altruístas. Neste sentido, o direito se esforça para que, protegendo a criança e o adolescente hoje, ou seja, conferindo-lhes subsídios para a formação íntegra da personalidade, sejam capazes de garantir um futuro com uma sociedade livre, justa e solidária.

O legislador ainda acrescentou que para a interpretação da lei devem ser levados em conta os direitos individuais e coletivos4. Neste aspecto, o legislador reconhece a expansão evolutiva e cumulativa de interesses jurídicos feita no ECA, tendo em vista que tanto os interesses individuais como os difusos e coletivos, todos de uma só vez, são contemplados no Estatuto5.

1 Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942.
2 MACHADO, Martha. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. pp. 108-109.
3 Op. cit., p. 132.
4 É importante ressaltar que, para efeitos do artigo 6º, os direitos difusos devem ser compreendidos como espécie de direito coletivo.
5 Assim dispõe o capítulo VII do Estatuto da Criança e do Adolescente: Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos.

 

ARTIGO 6/ LIVRO 1 – TEMA: CRIANÇA E ADOLESCENTE

Comentário de Antônio Carlos Gomes da Costa
Pedagogo/Minas Gerais

Este artigo é a chave, do ponto de vista teleológico, para a leitura e a interpretação do ECA. Ao arrolar os aspectos a serem levados em conta na sua correta compreensão, o primeiro item refere-se aos “fins sociais” por ele perseguidos, inscrevendo o Estatuto num movimento mais amplo de melhoria, ou seja, de reforma da vida social no que diz respeito à promoção, defesa e atendimento dos direitos da infância e da juventude.
Sem dúvida alguma, o traço comum entre os juristas, trabalhadores sociais, ativistas da luta por direitos, educadores, médicos, policiais e outros profissionais que participaram da elaboração desse novo instrumento legal é a sua condição de reformadores sociais, empenhados na luta pelos direitos da criança no campo do Direito.
O segundo aspecto a ser levado em conta na interpretação do Estatuto é aquele referente às “exigências do bem comum”. Neste ponto identificamos a explicitação clara de que o propósito que presidiu a luta pelo novo ordenamento jurídico foi o da superação de toda forma de corporativismo, de elitismo, de basismo, de dogmatismo religioso ou ideológico e de partidarismos de toda e qualquer espécie. Trata-se da afirmação, no plano positivo, dos direitos da criança e do adolescente (das novas gerações, portanto) como um valor ético revestido de universalidade, capaz, por isso mesmo, de sobrepor-se às diferenças inerentes à conflitividade natural e saudável da vida democrática.
O terceiro aspecto a ser levado em conta na interpretação do Estatuto são os “direitos e deveres individuais e coletivos”. É importante, ao comentar este ponto, lembrar que o artigo 227 da Constituição Federal, que trata dos direitos da criança e do adolescente, começa falando em dever. Os direitos da criança e do adolescente são deveres da família, da sociedade e do Estado. Esta articulação direito-dever perpassa todo o corpo do Estatuto e se adensa de forma instrumental no Capítulo VII, que trata, precisamente, de proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos.
Finalmente, a afirmação da criança e do adolescente como “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento” faz do art. 62 o suporte do novo Estatuto ontológico da infância e da juventude na legislação brasileira. O reconhecimento da peculiaridade dessa condição vem somar-se à condição jurídica de sujeito de direitos e à condição política de absoluta prioridade, para constituir-se em parte do tripé que configura a concepção de criança e adolescente do Estatuto, pedra angular do novo Direito da infância e da juventude no Brasil.
A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento implica, primeiramente, o reconhecimento de que a criança e o adolescente não conhecem inteiramente os seus direitos, não têm condições de defendê-los e fazê-los valer de modo pleno, não sendo ainda capazes, principalmente as crianças, de suprir, por si mesmas, as suas necessidades básicas.
A afirmação da criança e do adolescente como “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento” não pode ser definida apenas a partir do que a criança não sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a criança e o adolescente não são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, cívicas e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período de plenitude que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja, pela família, pela sociedade e pelo Estado.
A conseqüência prática de tudo isto reside no reconhecimento de que as crianças e adolescentes são detentores de todos os direitos que têm os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade e mais direitos especiais, que decorrem precisamente do seu estatuto ontológico próprio de “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, organizado por M. Cury, A.F. Amaral e Silva e E. G. Mendez

O conteúdo jornalístico do site pode ser reproduzido, desde que seja dado o crédito ao Promenino Fundação Telefônica.


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