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ARTIGO 65/LIVRO 1 – TEMA: DIREITOS
 
Comentário de Ricardo Tadeu Marques da Fonseca
Procurador Chefe da PRT/15ª Região

 
Grande reflexo social trazem as normas ora em comento.
Com efeito, implementada a doutrina da proteção integral, o artigo 62 do Estatuto amplia o alcance legal da aprendizagem, em relação à Consolidação das Leis do Trabalho.

A revolução do processo produtivo acarretada pela informatização e pela globalização dos métodos de produção inerentes às empresas transnacionais mostra ser insuficiente o modelo de aprendizagem preconizado pela Constituição de 1937 e pelo diploma obreiro da década de quarenta.

O conceito de formação técnico-profissional implica a combinação da aprendizagem laboral com o ensino básico. Logo, a profissionalização definido pelo Estado não prescinde da escolaridade, valor que deve preponderar sobre qualquer outro no que concerne ao trabalho de adolescentes.

A primeira conseqüência deste conceito de aprendizagem é a inserção do trabalho profissionalizante no âmbito da legislação educacional.

Atendendo, a este mister, a Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) também flexibiliza as hipóteses de aprendizagem instigando à adoção de medidas que envolvam instituições especializadas em educação profissional, as quais deverão agir em conjunto com as empresas (art.40).

A questão se notabiliza com a edição da Emenda 20, 16.12.98, eis que os jovens de 14 anos, que até então podiam contratar respeitando as proteções genéricas inerentes ao contrato de trabalho do adolescente, passaram, por força da Emenda Constitucional, a contar com a aprendizagem como única forma de trabalho permitido.

Dados do IBGE, publicados pela imprensa jornalística em janeiro de 1999, dão conta de que há no Brasil cerca de 4,8 milhões de jovens entre 15 e 16 anos, 3 milhões entre 14 e 15anos e outros 3 milhões com idade inferior a 14 anos. Consta, outrossim, que aproximadamente 2 milhões de jovens entre 14 e 16 anos necessitam prover a suplementação da renda familiar.

Exsurge, portanto, a necessidade premente de se buscar alternativas que preencham o clamor social aberto com a Emenda em questão. Sendo a profissionalização um direito fundamental assegurado pelo artigo 227 da Constituição aos adolescentes, devem a família, o Estado e a sociedade somar esforços para sua implementação.

Destarte, há que se empreender medidas para que se aproximem as entidades não governamentais preocupadas com a questão social, as empresas e os representantes do Poder instituído para o desenvolvimento de programas pluriinstitucionais que possibilitem concessões de bolsas-escolas ou de processos profissionalizantes.

Assinala-se, por importante, que os adolescentes aprendizes deverão ter sempre assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários, em decorrência do que dispõe o § 3º, inciso II, do artigo 227 da Constituição e o próprio artigo 65 do Estatuto.

Aprendiz, como já se viu, é todo adolescente submetido a um programa metódico em que se alternem tarefas teóricas e práticas com vistas à aquisição progressiva de conhecimentos profissionalizantes, respeitando-se, primordialmente, a sua escolaridade.

A aprendizagem pode se dar no âmbito empresarial ou na escola. Nesta ultima alternativa, a legislação não cogita da incidência de direitos trabalhistas ou previdenciários, posto que o trabalho eventual complementa estreitamente o ensino escolar. Diferentes, todavia, serão as conseqüências do trabalho voltado à aprendizagem no âmbito das empresas.

Se o adolescente prestar trabalho pessoal, continuado, remunerado e subordinado a empregador, fará jus a toda proteção a ele inerente, em razão dos riscos que dele decorrem.

O aprendiz que se submeter, portanto, os processos de aprendizagem empresarial será protegido com direitos trabalhistas e previdenciários. Rompe-se, deste modo, definitivamente, com o chamado trabalho assistencial que perdurou no Brasil por décadas. Não mais se admite a idéia de que qualquer trabalho é preferível ao abandono das ruas.

O Ministério Público do Trabalho tem recebido denúncias veementes dos Conselhos Tutelares, no sentido de que adolescentes inseridos na lavoura ou nas empresas por meio de entidades do Terceiro Setor são vitimados por acidentes sem o devido resguardo. Jovens trabalhadoras que engravidam precocemente também deixam de ter a proteção legal a que fariam jus.

Buscando superar os problemas acima apontados, implanta-se programa de garantia de direitos plenos, o qual tem sido viabilizado por meio da combinação de esforços das instituições ligadas à questão.

Observa-se, neste diapasão, que as entidades filantrópicas poderão prestar trabalho profissionalizante, eis que o Sistema “S” não detém, por absoluta impossibilidade material, e até mesmo por imperativo legal decorrente da nova conceituação de aprendizagem, conforme já se demonstrou, a exclusividade da profissionalização.

Se a entidades do Terceiro Setor e as empresas viabilizarem programas de profissionalização estarão se desincumbindo de tarefas aprioristicamente devidas pelo Estado, fazendo jus, portanto, a incentivos que já se dão às entidades filantrópicas, as quais são isentas da contribuição previdenciária patronal e do imposto de renda. Parece que esse incentivo deveria se alargar, tanto porque a aprendizagem se apresenta como demanda urgente da sociedade brasileira, quanto porque há que se proteger o adolescente trabalhador justamente por estar em condição de desenvolvimento físico, moral, intelectual e psicológico.

Os elementos para a implementação desta idéia já estão presentes no ordenamento jurídico e na sociedade. Basta que uma ação harmonizada entre o Estado, as empresas e a sociedade civil organizada venha a disseminar as experiências muito bem-sucedidas que estão em curso nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Neles entidades do Terceiro Setor supervisionam o trabalho dos adolescentes nas empresas, garantindo-lhes ensino profissionalizante, complementação escolar e proteção trabalhista e previdenciária, estas últimas bastante facilitadas pelas isenções, legalmente outorgadas a tais entidades.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ARTIGO 65/LIVRO 1 – TEMA: DIREITOS
 
Comentário de Oris de Oliveira
Universidade de São Paulo e UNESP

 
 
1.A Lei 10.097, de 19.12.2000, reformulou as normas legais concernentes à aprendizagem, inserindo-as na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (arts. 428-433).
2.Aprendizagem é conceituada como formação técnico profissional (cf. comentários ao art.62). A alternância de atividades práticas e teóricas é elemento fundamental de toda aprendizagem, desde que previamente programada e obedecendo a uma passagem do menos complexo para o mais complexo, em ambiente adequado, sob a responsabilidade de uma entidade qualificada em formação técnica profissional metódica. Cabe ao programa de aprendizagem prefixar o tempo da alternância, ou seja, o dedicado ao trabalho na empresa e o reservado para atividades teóricas em centro de formação.

A lei torna obrigatória a inscrição do adolescente em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional. A exigência de inscrição impossibilidade que a aprendizagem se faça na antiga modalidade da AMPE (Aprendizagem Metódica no Próprio Emprego), que não exigia a freqüência a centro de formação.

3. O trabalho executado dentro desses parâmetros é uma das modalidades de trabalho educativo, porque também na aprendizagem, sob pena de descaracterização, o aspecto educativo deve prevalecer sobre o produtivo. Pela teleogia da norma, o aprendiz não é admitido na empresa para cobrir a necessidade que esta tem de mão-de-obra para atingir seus fins, mas há uma oferta dos quadros empresariais para neles se desenvolver uma parte do programa de qualificação profissional. Por esta razão, sob pena de descaracterização, as atividades desenvolvidas pelo adolescente na empresa devem ser programadas de tal maneira que haja uma correlação metodológica entre o que se aprende no centro de formação com o trabalho efetuado na empresa. O fator produção não é, pois, afastado, mas deve ficar subordinado ao processo pedagógico.

4. A aprendizagem é objeto de um contrato de emprego do qual resultam, além de outras, as obrigações recíprocas: o empregador se compromete a transmitir formação técnico-profissional ao adolescente e este, por sua vez, a se submeter ao processo das atividades programadas.

5. O contrato de aprendizagem celebrado por escrito com adolescente entre 14 e 18 anos deve ser consignado na Carteira de Trabalho, indicando matrícula e freqüência à escola caso não haja concluído o ensino fundamental, e sua duração deve corresponder ao tempo necessário para obter a formação, não podendo, porém, ultrapassar dois anos. Ressalvadas as normas específicas de um contrato especial, o aprendiz torna-se empregado para todos os efeitos, gozando, pois, de todos os direitos trabalhistas e previdenciários, nestes incluída a cobertura contra acidentes de trabalho.

6. Durante anos, SENAI, SENAC, SENAT, SENAR, exceto os casos de prévio credenciamento, foram os únicos centros de formação profissional. Continuam tendo primordialmente esta função institucional, porque recebem recursos provindos de contribuição compulsória fixada em lei. Primordial mas não unicamente, porque quando o Sistema “S” não tiver os cursos exigidos pela demanda ou não tiver condição de atendê-la por falta de vagas, sem necessidade de prévio credenciamento, escolas técnicas de educação e entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional podem exercer a função de centros de formação.

7. O contrato (de emprego com cláusula) de aprendizagem pode ser celebrado também entre o adolescente e uma entidade sem fins lucrativos que tenha estrutura adequada ao desenvolvimento de programas de formação profissional. Nesta hipótese, a entidade passa a ter duas funções: de empregadora e de centro de formação, devendo encaminhar o adolescente para prestar serviços em uma empresa, que é simples tomadora dos serviços. Configura-se, assim, uma relação jurídica triangular, que tem em seus ângulos: o adolescente, a empresa como tomadora e a entidade, assumindo esta todas as obrigações inerentes a um contrato em regime de emprego. Ainda nesta hipótese, a entidade, deve exigir que a empresa tomadora lhe repasse todo o numerário bastante para cobrir tudo o que é devido ao adolescente aprendiz e os ônus que a entidade tem como empregadora.

A entidade deve ter especial cuidado em fazer uma seleção criteriosa de empresas tomadoras, porque, se estas falharem no repasse, a entidade não se exime da responsabilidade do cumprimento das obrigações trabalhistas. Por outro lado, as empresas tomadoras deverão ter o mesmo cuidado, porque, se a entidade deixar de fazer o repasse, frustrando direitos dos aprendizes, a empresa tomadora responde subsidiariamente pelas obrigações.

8. Os empregadores de todos os setores econômicos devem empregar e matricular em cursos do Sistema “S” número de aprendiz equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional. Os percentuais apontados não se aplicam às entidades sem fins lucrativos quando empregadoras. Estão isentas da obrigação de admitir aprendizes as microempresas e as de pequeno porte (art. 11 da Lei 9.841/99).

9. A duração da jornada é de seis horas, nelas compreendidas as destinadas às atividades teóricas, vedadas prorrogações: horas extras e regime de compensação.

Fez bem o legislador ao estipular uma duração inferior à do trabalhador adulto, possibilitando mais tempo para estudo e para freqüência à escola no período diurno.

O legislador foi, todavia, infeliz permitindo que a jornada de trabalho seja de oito horas quando o adolescente aprendiz já tiver completado o ensino fundamental. A duração de seis horas possibilita que o adolescente com ensino fundamental concluído tenha melhores condições de freqüentar cursos do ensino médio regular ou técnico diurno, sem necessidade de recorrer a cursos noturnos, nos quais os efeitos precários de aproveitamento do estudo são notórios. Tudo em conformidade com o espírito da Lei 9.394/96 (LDB – art. 4º, II) que faz do ensino médio uma obrigação do Estado.

10. Ao aprendiz é devido, ao menos, o salário mínimo-hora proporcional às horas trabalhadas, nestas incluídas as horas passadas no centro de formação.

11. Aos aprendizes que concluírem os cursos de aprendizagem com aproveitamento será concedido certificado de qualificação profissional, correspondente ao nível básico (cf. Decreto 2.208/98, que regula o ensino profissional).

12. Hipóteses legais em que se extingue o contrato de aprendizagem, anotando-se que a lei não elenca a despedida imotivada:

a) quando o adolescente completa 18 anos não se justifica hoje tomar esta idade como algo intangível no que diz respeito ao trabalho, quando várias políticas públicas nacionais e estrangeiras se voltam para o jovem na faixa etária de 15 a 25 anos, com especial atenção para sua profissionalização, preparando-o para o primeiro emprego. Em um país em que há notória defasagem entre a idade e a escolaridade, há sobejas razões para que se preveja uma faixa etária mais longa para a aprendizagem ou, ao menos, que uma aprendizagem iniciada se compete além dos 18 anos;

b) pedido de demissão do aprendiz espera-se que o faça maduramente, como a assistência do representante legal;

c) denúncia antecipada do contrato se houver desempenho insuficiente ou inadequação ao programa;

d) cometimento de falta disciplinar grave, assim conceituada pelo art. 493 da CLT:

prática de qualquer dos fatos a que se refere o art.482 da CLT, quando por sua repetição ou natureza representem séria violação dos deveres e obrigações do empregado, no caso, do aprendiz;

e) denunciada antecipada do contrato pelo aprendiz ocorrendo as hipóteses elencadas no art. 483 da CLT , especialmente se não for cumprida a obrigação de proporcionar aprendizagem; f) se ficar comprovada ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo.

13. Terminando o contrato de aprendizagem, o empregador não está obrigado a continuar a ter o ex-aprendiz como seu empregado, sem prejuízo, porém, da vaga aberta para outro aprendiz, dando-se oportunidade para que outros adolescentes se profissionalizem. Se o empregador optar pela continuidade do contrato de trabalho haverá a chamada accessio temporis, ou seja, o tempo despendido na aprendizagem computa-se como de serviço para os efeitos legais.

14. A Portaria 702 (18.12.2001) do Ministério do Trabalho fixa as normas para avaliação da competência das entidades sem fins lucrativos que se proponham a desenvolver programas de aprendizagem. A Instrução Normativa 26 (18.12.2001) da Secretaria da Inspeção do Trabalho orienta a fiscalização das condições de trabalho no âmbito dos programas de aprendizagem.

15. A contribuição à Previdência Social na fase de aprendizagem calcula-se sobre a efetiva remuneração do aprendiz (Lei 8.212/91, art.28, § 4º).

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury 

ECA comentado: ARTIGO 65/LIVRO 1 – TEMA: Direitos
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