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ECA: ARTIGO 7 / LIVRO 1 – TEMA: SAÚDE

 

Comentário de Ilanud

 

O direito à vida e o direito à saúde, dentre outros direitos, receberam status de direitos fundamentais pela Constituição Federal. Os direitos fundamentais são aqueles que se destinam a resguardar a dignidade da pessoa humana de modo que sem eles o ser humano não se realiza enquanto pessoa: não vive, não convive e nem sobrevive de forma digna.

Estes dois direitos estão especificadamente protegidos pelo artigo 227 do texto constitucional. Este artigo enumera os direitos fundamentais da criança e do adolescente por meio de uma listagem, não exaustiva, na qual o direito à vida é o primeiro deles e o direito à saúde o segundo.

Na Parte Geral do Estatuto da Criança e do Adolescente, o artigo 4º faz o mesmo exercício que o artigo 227 da Constituição, traz um rol dos direitos fundamentais da criança e do adolescente iniciado pelo direito à vida e seguido pelo direito à saúde.

O artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, é o responsável por inaugurar o Capítulo I, Do Direito à Vida e à Saúde, do Título II, Dos Direitos Fundamentais.

Surge, então, a seguinte pergunta: estes direitos são os primeiros do rol de direitos fundamentais da criança e do adolescente na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente por mera coincidência? A resposta é não. Os legisladores assim os dispuseram na letra da lei não por mera coincidência, mas sim para colocá-los em patamar superior a dos demais direitos fundamentais.

O direito à vida é pressuposto da personalidade e da constituição do sujeito de direitos. Neste sentido, é impossível que o ser humano possa fruir de qualquer outro direito sem vida. A vida, por ter uma dimensão orgânica, não pode se realizar sem a saúde, sem o completo bem-estar do ser humano em nível físico e psicológico. Assim sendo, faz muito sentido que estes dois direito se encontrem interligados na lei.

Justifica-se deste modo a primazia deles em relação aos demais direitos fundamentais da criança e do adolescente, pois a verdade é que sem eles nenhum outro direito tais como o direito à educação, ao esporte e ao convívio familiar, por exemplo, poderiam ser concretizados.

Além de garantir à criança e ao adolescente o direito à vida e à saúde como direitos fundamentais superiores, o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente possui duas peculiaridades que poderiam passar despercebidas, mas que são muito importantes.

A primeira delas diz respeito à garantia de vida ao nascituro, compreendido como o ser concebido e gestação no útero materno. Para o seu desenvolvimento sadio e harmonioso, o artigo 7º impõe ao Estado o dever de oferecer serviços e programas de assistência pré-natal e pós-natal.

A saúde, especificamente, enquanto direito de todos e dever do Estado, é um serviço que deve ser prestado prioritariamente pelo Estado, através da rede pública de saúde. Não obstante, a iniciativa privada e mesmo organizações não-governamentais podem contribuir para que estas políticas públicas sejam efetivadas a contento. De toda a sorte, a participação não-governamental não pode e não deve substituir a atividade estatal, deve apenas complementá-la.

Ademais, é importante ressaltar que a proteção à vida e à saúde deve permear todas as políticas públicas voltadas a criança e ao adolescente, sejam elas políticas básicas, protetivas ou socioeducativas. Um adolescente abrigado deve ter garantido o seu direito à vida e à saúde da mesma forma que adolescente que cumpre medida socioeducativa, por exemplo.

A segunda peculiaridade se refere a garantia de que o nascimento e o desenvolvimento harmonioso de crianças e adolescentes sejam realizados em condições dignas de existência. Isso significa que o artigo 7º do Estatuto não tolera que a vida e saúde dessas pessoas materializem-se de forma desumana. Extrai-se daí uma ordem imperativa do Estatuto: não basta viver e ter saúde, a proteção integral só se concretiza na hipótese da criança e do adolescente viver e ter saúde em condições dignas.

Esta determinação contribui para reforçar a concepção de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direito e, portanto, titulares do direito à dignidade. Este é um detalhe importante, pois o antigo Código de Menores não reconhecia crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.

Vê-se que o artigo 7º do Estatuto cumpre um papel significativo no Direito da Criança e do Adolescente. Ele proporciona uma relação de dependência entre o direito à vida e o direito à saúde da criança e do adolescente, tratando-os como direitos fundamentais superiores, da mesma forma que a Constituição Federal o faz. E mais, exige que a vida e a saúde realizem-se em condições dignas.

Para tanto, o artigo 7º determina que estes direitos devem ser garantidos por meio de políticas sociais públicas, constituídas em um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais.

Assim, temos que a não observância dos direitos fundamentais à vida e à saúde da criança e do adolescente, seja pela família, pela sociedade ou pelo Estado, viola notavelmente o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal. Mas não só, também viola e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no artigo 3º da Constituição Federal, quais sejam, construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos.

ARTIGO 7/ LIVRO 1 – TEMA: SAÚDE

 

Comentário de Herbert de Souza
Sociólogo/Rio de Janeiro

 

Com a realização plena desse artigo o Brasil poderia resgatar uma boa parte de sua dívida social para com milhões de crianças e adolescentes, que jamais tiveram uma vida que pudesse ser considerada digna de ser vivida por um ser humano, e garantir a condição básica para a construção de uma nova sociedade.

A realização desse artigo implica a reformulação das prioridades nacionais tanto no nível da sociedade como, principalmente, do Estado. Passa a ser prioridade o gasto público com as crianças e adolescentes, de modo a garantir-lhes condições plenas de vida. Nesse sentido, o orçamento público a todos os níveis deveria traduzir essa opção em números concretos: porcentagens crescentes dos gastos públicos deveriam ter esse destino até que essas condições fossem plenamente satisfeitas. O Brasil deveria seguir o exemplo de países como o Japão, que investe cerca de 40% de seu orçamento em educação. Deveria multiplicar muitas vezes os gastos com saúde, em cultura e esporte e lazer destinados a crianças e adolescentes.

Para que esse artigo se realize no Brasil torna-se necessária a mobilização de toda a sociedade, onde cada instituição, cada família, pessoa, empresa, rua, bairro, cidade assuma esse objetivo como uma prioridade a ser realizada a partir da participação de cada um. Como se faz, quando se pode, com os próprios filhos, com as pessoas que nós amamos, sem espera, sem vacilações.

Nesse caso, de modo muito particular, devemos encontrar o modo de romper o círculo vicioso na divisão de responsabilidade e culpas entre sociedade e Poder Público: cada um espera do outro e não faz imediatamente o que pode fazer. A culpa rola no debate enquanto crianças e adolescentes sofrem as consequências. A tradição do Estado brasileiro é não levar a sério sua função social, é ter uma relação perversa com sua própria sociedade. Para se romper essa tradição, cabe à sociedade civil tomar a iniciativa de obrigar o Estado, em todos os níveis, a reencontrar-se como sua função social. O art. 7º pode constituir-se na pedra de toque dessa conversão ao social do Estado e da própria sociedade brasileira, que acostumou-se também a dormir em casa enquanto muitas de suas crianças dormem nas ruas.

Somente a realização plena desse artigo devolverá ao Brasil a condição de uma sociedade digna, democrática e humana. Enquanto houver uma criança ou adolescente sem as condições de nos encarar uns aos outros com a tranqüilidade dos que estão em paz com sua consciência.

Vivemos, hoje, a situação do escândalo de negar as condições de humanidade àqueles que só podem existir com o nosso amor. Estamos desafiados a acabar com o escândalo e recuperar para as crianças, adolescentes e nós mesmos a condição que dá sentido ao nosso próprio viver.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, organizado por M. Cury, A.F. Amaral e Silva e E. G. Mendez

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ECA comentado: ARTIGO 7/ LIVRO 1 – TEMA: Saúde
ECA comentado: ARTIGO 7/ LIVRO 1 – TEMA: Saúde