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ARTIGO 87/LIVRO 2 – TEMA: POLÍTICA DE ATENDIMENTO
Comentário de Edson Sêda

Advogado e Educador /São Paulo

O Estatuto institui, juridicamente, o que ele denomina de “linhas de ação da política de atendimento”. Tais linhas de ação são âmbitos operativos juridicamente reconhecidos como espaços do agir humano necessários a consecução dos fins sociais a que o Estatuto se destina.

Aqui se estabelece a primeira grande diferença com o Direito anterior. Naquele, a legitimidade do agir para alcançar fins sociais era definida por um “Direito do Menor” de natureza estatal e intervencionista sobre a sociedade civil.

A “regra de ouro” desse Direito era que toda ação visava, fundamentalmente, aos “interesses do menor”. O critério para definição desses interesses era estabelecido caso a caso pela “autoridade judiciária”. Essa definição era incontrastável, por sua natureza subjetiva, e dispensada de qualquer

fundamentação jurídica (v. arts. 5º  e 8 da Lei 6.697, revogada pelo Estatuto). A nova “regra” foge do subjetivismo, e o que é exigível para a criança e o adolescente contém-se no Livro I do Estatuto.

Neste Direito, a legitimidade de agir em busca dos seus fins sociais abre-se num leque do tamanho da sociedade. Ou seja, o exercício dos direitos e dos deveres da criança e do adolescente é garantido por um conjunto de ações da sociedade e do Estado, divididas em cinco grandes linhas:

 

I . Políticas sociais básicas

 

Na linha de frente estão as políticas sociais básicas. Elas são exigíveis com fundamento no art. 227 da CF, no parágrafo único do art. 4ºe nos arts. 5º e 6º do Estatuto. São garantidas através dos mecanismos previstos nos arts. 88 e 208 do Estatuto. Ou seja, o não oferecimento ou a oferta irregular dos serviços públicos (âmbito de ação das políticas públicas, que são dever do Estado e direito de todos) ofendem o “atendimento dos direitos” previstos nessa lei.

São, portanto, esse não oferecimento ou essa oferta irregular, motivos suficientes para o desencadear da ação dos mecanismos previstos no âmbito administrativo (art. 88) ou das ações judiciais públicas previstas no cap. VI1 do Livro II(arts. 108 e ss.).

Comparando-se com o Direito anterior: no “Direito do Menor”, a ausência ou insuficiência de uma ação necessária de qualquer das políticas públicas transformava a criança e o adolescente em “menor em situação irregular” (v. arts. 1º e 2º da abolida Lei 6.697). Asolução adotada era enviar o “tutelado pela lei de menores” a autoridade tutelar, o juiz de menores.

No Direito da Criança e do Adolescente, a mesma ausência ou insuficiência coloca a política pública correspondente em “situação irregular”, cabendo uma ação administrativa para corrigir a ausência ou insuficiência detectada e, se for o caso: uma ação judicial pública para fazer valer o direito violado.

No âmbito administrativo, verificada a situação irregular, é assegurado a todo cidadão, independentemente do pagamento de taxas, nos termos do inc. XXXIV do art. 5ºda CF: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa do direito violado ou contra a ilegalidade ou o abuso do

poder caracterizador da referida situação irregular da entidade, órgão ou autoridade pública; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa desses direitos e esclarecimento de situações de interesse da criança ou adolescente prejudicado.

No âmbito judiciário, cabe representação ao Ministério Público ou a este, de plano, cabe efetivar a propositura das ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados nos termos dos arts. 208 e ss. do Estatuto.

Diferentemente do Direito anterior, em que o juiz se atinha ao caso individual do destinatário final da norma, no Direito da Criança e do Adolescente o rnagistrado vai as raízes da ameaça ou violação dos direitos desse destinatário: ele julga a não oferta úu a oferta irregular dos serviços públicos garantidores dos direitos a que se refere o Estatuto. A sanção é aplicada ao órgão ou entidade em situação irregular, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e administrativa do agente a que se atribua a ação ou omissão (art. 216).

2. Políticas e programas de assistência social, em cal-&ter supletivo, para aqueles que deles necessitem

Dentre as políticas públicas (educação, saúde, esporte, cultura, lazer, profissionalização, saneamento, urbanização) sobressai-se a de assistência social. Esta ultima é constitucionalmente devida a quem dela necessitar (CF, art. 203), independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: a proteção a família, a maternidade, a infância, à adolescência e a velhice; o amparo as crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover A própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A assistência social adquire. com esse mandamento constitucional, o status de política pública universal. Trata-se do entendimento jurídico (e, portanto, exigível. seja ao nível administrativo, seja ao nível judicial) de que todo cidadão que, por qualquer motivo, fortuito ou não, vier a necessitar da proteção do Estado tem o direito de ter à sua disposição mecanismo para fazer valer esse direito.

Notar bem que não se trata, aí, de assistência exclusiva para despossuídos, miseráveis, carentes. Não. A norma constitucional, ao elencar os cinco objetivos da assistência social, estabelece o princípio (constitucional) de que o âmbito da ação pública nessa política tem a abrangência constante do inc. I, acima transcrito. Ao estabelecer, no inc. II, que o amparo às crianças carentes também integra esse âmbito, deixa clara a exigibilidade do atendimento ao direito a assistência social no sentido mais amplo. 

É com essa dimensão jurídica que se deve interpretar o art. 87 em seu inc. 11, trazendo-se sempre a colação o contido no art. 6″o Livro I, Parte Especial, do Estatuto. A expressão “em caráter supletivo”, nesse contexto, há que ser interpretada no sentido de que os mecanismos a serem criados

no Município para assistência social devem ser acionados sempre e quando as demais políticas públicas forem insuficientes para garantir o atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Nesse caso, supletivamente (e não exclusiva, básica ou primariamente), mecanismos de assistência social devem ser publicamente ofertados.

3. Serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial as vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão

Com a Lei 8.069 fica estatuído que, mesmo que haja pleno atendimento a população infanto-juvenil, através das políticas públicas, aí incluída a abrangente política pública da assistência social aos que dela necessitem, ainda assim, se nelas houver falhas, estas devem ser sanadas pela via administrativa ou pela via judicial. E os responsáveis devidamente sancionados. 

Para que se cumpra essa exigência e haja exigibilidade por parte da cidadania para esse cumprimento, o Estatuto não se satisfaz com a mera declaração de direitos nessa área.

Estatui-se, através dessa lei, que crianças e adolescentes devem contar, em sua comunidade, com serviços públicos de prevenção as vítimas de todo tipo de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão. 

Como veremos nos comentários aos artigos seguintes, tais serviços são exigíveis pela cidadania a Municipalidade e por esta ao Estado e a União, quando sua instalação dependa de recursos a serem, por aquelas instâncias da Federação, transferidos ao Município.

4. Serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças eadolescentes desaparecidos

Na vigência do Direito anterior, grande foi o número constatado de crianças e adolescentes ou seus pais desaparecidos, em todo o território nacional, com conseqüências particularmente danosas As pessoas e á organização social, sem que sistemas de correção de tais tipos de desvios ás normas de proteção houvessem sido criados ao longo dos anos.

Por essa razão, fica estatuído que serviços de identificação e localização devem ser criados. Estabelece-se, assim, juridicamente, a exigibilidade da presença de tais serviços A disposição das comunidades. A não oferta ou oferta irregular desses serviços implicam a possibilidade de medidas administrativas ou judiciais, como já comentado a respeito do artigo anterior.

5. Proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente

Não basta à lei fixar norma abstrata, mormente tratando-se de destinatários dessa norma amplamente desprotegidos, como ocorre com a maior parte da população infanto-juvenil brasileira. Para que, na ordem prática da vida, se tenham mecanismos concretos de fazer valer o Direito Positivo, este também estatui, com a força da exigibilidade que é característica do Estatuto, que as comunidades podem exigir, pela via administrativa, ou pela via judicial, que a presença de entidades de defesa dos direitos se viabilize, quando obstáculos indevidos se interpuserem à sua criação.

 

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ECA comentado: ARTIGO 87/LIVRO 2 – TEMA: Política de atendimento
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