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02.12.2016
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ECA comentado: ARTIGO 89 / LIVRO 2 – TEMA: Política de atendimento

ECA: ARTIGO 89 / LIVRO 2 – TEMA: POLÍTICA DE ATENDIMENTO
 
Comentário de Ilanud
Após anos de ditadura militar no país, a mobilização da sociedade civil pelo direito de intervir em políticas públicas, definindo prioridades e fiscalizando ações estatais, foi consolidada com o advento da Constituição Federal de 1988. Esta constituição simboliza, neste sentido, uma abertura no plano legislativo para a concretização da democracia.

A criação de Conselhos Setoriais pelo próprio texto constitucional e por leis infraconstitucionais revela, por sua vez, uma significativa expressão deste controle social.

Na área da saúde a Constituição Federal criou o SUS (Sistema Único de Saúde) e estabeleceu como diretriz a participação da comunidade em ações políticas e serviços públicos1. Mas foi a Lei nº 8.142/90 a responsável pela criação dos Conselhos de Saúde2: órgãos permanentes e deliberativos compostos por representantes do governo, de prestadores de serviço, profissionais de saúde e de usuários, que atuam no controle da execução da política de saúde nas esferas governamentais correspondentes.

No campo da assistência social a Constituição Federal contemplou a participação popular por meio de organizações representativas na formulação das políticas de controle das ações em todos os níveis.3 A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742/93, regulamentou este controle criando os Conselhos de Assistência Social Nacional, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal.4

No tocante a educação, o texto constitucional refere-se a uma gestão democrática do ensino público.5 O Conselho Nacional de Educação, de atribuições normativas e deliberativas, foi criado pela Lei 9.131/95, ratificado pela Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases), permitindo a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional.6

Na ceara dos direitos infanto-juvenis, o controle social também é eixo indissociável do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente e, portanto, condição para a realização da Proteção Integral.

Os Conselhos de Direito são órgãos do poder executivo de caráter deliberativo, cuja função é formular diretrizes políticas de garantia dos direitos da criança e do adolescente e fiscalizar as ações do governo em todos os níveis federativos no que diz respeito à destinação de dotações orçamentárias às áreas da infância e juventude. A participação da sociedade civil é garantida, por meio de organizações representativas, e paritária.7

A função dos membros dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente é considerada de interesse público. A doutrina classifica o interesse público em interesse público primário e interesse público secundário. O primário representa o interesse social, o interesse comum do povo; já o secundário representa especificamente o interesse do Estado. Vale esclarecer, desta forma, que a concepção do termo interesse público empregado no artigo 89 identifica-se com a noção de interesse primário. Em outras palavras, isso quer dizer que o ECA atribuiu uma função de caráter social, ou seja, de interesse coletivo, aos membros dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente.

Esta distinção feita é melhor compreendida na prática, vez que nem sempre os atos do governo atendem o real interesse da comunidade. Bandeira de Mello ensina que: “Também assim melhor se compreenderá a distinção corrente da doutrina italiana entre interesses públicos ou interesses primários que são os interesses da coletividade como um todo  e interesses secundários, que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da coletividade.”8

Assim, confundem-se antes com o interesse público primário os mais legítimos interesses difusos (como exemplo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado) e também os interesses que atingem toda a sociedade (até mesmo o interesse individual se considerado indisponível, como o direito à personalidade).

Desta forma, a função de interesse público relevante dos Conselheiros de Direito fundamenta-se na finalidade social9 dos direitos da criança e do adolescente, pois interessa à própria sociedade o reconhecimento dos direitos infanto-juvenis, considerando o valor emprestado pela criança e ao adolescente pelo Direito Especial.10 Ainda é possível afirmar que esta função de interesse público é uma decorrência lógica do princípio da prioridade absoluta, ou seja, da superioridade dos interesses das crianças e dos adolescentes.

1 Artigo 198 da Constituição Federal de 1988.
2 Artigo 1º, §2º, da Lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990.
3 Artigo 204, inciso II, da Constituição Federal de 1988.
4 Artigo 16 da Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993 (LOAS).
5 Artigo 206, inciso VI, da Constituição Federal de 1988.
6 Lei nº 9.131 de 24 de novembro de 1995 e Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases). Coube às outras esferas do governo a criação dos seus próprios conselhos.
7 Artigo 88, inciso II do ECA.
8 BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 15 ed. São Paulo: Malheiros Editores, vol I, 2003. p.63.
9 Artigo 6º do ECA.
10 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 42.

ARTIGO 89 / LIVRO 2 – TEMA: POLÍTICA DE ATENDIMENTO
 
Comentário de Edson Sêda
Advogado e Educador/São Paulo

Os Conselhos dos Direitos são a mais alta instância deliberativa para o efetivo cumprimento do Estatuto. Trata-se de órgão que exerce elevada função político-administrativa, reunindo em si poderes que efetivam a descentralização preconizada na Lei Maior e no Estatuto.

Seus membros levam consigo para o colegiado a representação das entidades governamentais e não-governamentais. No caso destas, exercem a participação da população, por meio de organizações representativas, a que se refere o inc. II do art. 204 da Carta.

Daí a exigência estatutária de não remuneração e a classificação da função como de interesse público relevante.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
 


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