Crédito: Fabio Pozzebom/Agência Brasil
Por Cecília Garcia, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz*
*Com informações da Agência Senado
A votação da proposta de emenda que pode reduzir a maioridade penal dos 18 para os 16 anos foi adiada, a pedido de seu relator, o senador Ricardo Ferraço (PSDB–ES). A PEC 33/2012 seria votada no dia 8 de junho – entretanto, na tarde desta quarta-feira (1º de junho), Ferraço solicitou que a votação na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) fosse postergada em razão da complexidade e delicadeza do assunto, sugerindo a necessidade de um debate mais aprofundado. A votação está prevista para acontecer daqui a um mês.
O texto que será debatido pela CCJ difere da PEC 115, já aprovada na Câmara dos Deputados em agosto de 2015. A PEC 33 sugere que um juiz possa determinar, avaliando caso a caso, se o infrator será julgado e condenado por medidas socioeducativas ou pelo sistema punitivo destinado ao adulto; na primeira proposta, a pena adulta seria aplicada indiscriminadamente aos infratores.
A PEC 33 também difere na amplitude dos crimes a que podem ser aplicadas às condenações. O texto aprovado na Câmara usa somente a expressão “crime hediondo”, enquanto no parecer dado por Ferraço há uma lista de quais crimes seriam considerados, alargando as possibilidades de punição.
Atualmente, a PEC 115 aprovada pela Câmara dos Deputados ainda deve ser votada no Senado. Uma vez feita à votação, o texto retorna para a Câmara, que dá à sua palavra final e já faz valer a lei. A PEC 33 propõe uma inversão nos trâmites: se aprovada no Senado, irá para a Câmara dos Deputados, onde provavelmente sofreria modificações e depois retornaria ao Senado, cabendo a ele sua redação final, podendo escolher se deseja acatar a versão da Câmara ou a sua própria.
Rubens Bias, analista de políticas sociais e conselheiro do CONANDA (Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente), fala sobre a importância do adiantamento da votação. “A postergação vai dar mais tempo, e quanto mais tempo melhor para que a redução da maioridade penal não seja aprovada”. Ele ainda reforça que os dados e experiências de outros países são aliados importantes na defesa a não redução e sua implicação direta nos direitos infantis e adolescentes. “Esse é o tempo que os defensores dos direitos das crianças e dos adolescentes podem atuar junto com os senadores e senadoras, apontando dados e resultados de políticas internacionais semelhantes, convencendo-os a derrubar a proposta”.
#Redução Não é Solução
Em matéria publicada ano passado no Promenino, Ariel de Castro Alves, advogado e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo e Mara Renata Ferreira, coordenadora do Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, listaram quatro mitos comuns associados à discussão sobre redução de maioridade penal:
Mito 1 – Reduzir a maioridade penal aumenta a segurança
Ariel de Castro Alves: A redução da maioridade penal vai gerar mais insegurança pública. A reincidência no Sistema Prisional Brasileiro, conforme dados do Ministério da Justiça, ultrapassa os 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais que existam problemas – porque muitos estados ainda não cumprem a lei – estima-se a reincidência em torno de 30%. A Fundação Casa de São Paulo tem apresentado índices de 15%, mas não levam em conta os jovens que completam 18 e vão para as cadeias pela prática de novos crimes.
Nas prisões brasileiras, temos mais de 700 mil presos para 300 mil vagas. Em São Paulo, são 100 mil vagas para 300 mil presos. Onde os adolescentes serão mantidos já que não existem vagas no Sistema Penitenciário? A redução da maioridade penal é uma medida enganosa, que só vai gerar mais crimes e violência. Teremos criminosos juvenis sendo profissionalizados na criminalidade dentro de um Sistema Prisional falido.
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Fonte: Eu Quero Que Desenhe, compartilhado pela Secretaria Municipal
de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo
Ariel de Castro Alves: Além de não afastar os adolescentes do crime, a redução da maioridade penal vai representar a condenação dos adolescentes a não serem mais recuperados ou ressocializados. Eles perderão qualquer perspectiva de reeducação ao serem enviados ao Sistema Prisional.
De acordo com estudo divulgado pelo Unicef, menos de 1% das infrações cometidas por adolescentes são homicídios, sendo que dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% deles cometeram crime contra a vida.
Já dizia o antigo jurista italiano do século 18, Cesare Beccaria: ‘o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena, mas sim a certeza de punição’. No Brasil, os criminosos tem certeza da impunidade porque os crimes não são apurados. Os índices oficiais reconhecem que menos de 3% dos crimes são investigados no país. Antes de pensarmos em mudanças nas leis, teríamos que cumpri-las.
Mara Renata Ferreira: A maior parte dos atos infracionais cometidos por adolescentes são relacionados a roubo e tráfico, ou seja, são crimes contra o patrimônio e tem a ver com o ingresso na sociedade de consumo, com a vontade de ter as coisas que as outras pessoas têm. Essa defesa da redução da maioridade penal ocorre muito por causa da violência, que é o que a mídia divulga, mas o índice de crimes que causam comoção na sociedade é baixo.
O Estado se omite nas políticas públicas que envolvem saúde, moradia, educação e emprego. Por essas e outras diversas circunstâncias, o adolescente entra no mundo do crime. Enviar o adolescente ao sistema carcerário é a dupla omissão do Estado.
Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente – Um guia para Jornalistas|Rede ANDI Brasil
Mito 3 – Adolescentes já têm responsabilidade para serem punidos criminalmente
Ariel de Castro Alves: Quando se definiu no Código Penal de 1940 e nas sucessivas Constituições Federais a idade penal em 18 anos, não foi pela compreensão de que os adolescentes não sabem o que é certo ou errado. Eles têm total discernimento. Foi por questão de política criminal que se entendeu que eles deveriam ser responsabilizados por meio de medidas socioeducativas, com caráter mais educacional e de inclusão social do que punitivo. Também para que eles fossem mantidos separados dos presos adultos e, em vez de serem cuidados por carcereiros, fossem tratados por educadores. Exatamente por estarem numa fase peculiar de desenvolvimento, na qual as formas de tratamento que recebem repercutem em seus comportamentos e ações.
Dessa forma, se ficarem num sistema prisional em condições desumanas e degradantes, sem estudos e atendimentos médicos e psicológicos, sairão muito piores do que entraram, além de sofrerem as influências de presos mais velhos, muito mais engajados na criminalidade. Quem só conhece a violência, provavelmente, vai agir com violência. Quem nunca teve sua vida valorizada dificilmente vai valorizar a vida do próximo. O trabalho socioeducativo visa exatamente tirar os jovens no ciclo de violência e incluí-los socialmente.
Mara Renata Ferreira: Precisamos observar que o sistema carcerário no Brasil é falido. O índice de reincidência criminal nas prisões é de 70%. Nas medidas socioeducativas, o cálculo cai mais da metade. Se você tira a chance de um adolescente de cumprir uma medida socioeducativa e o joga, de cara, no sistema carcerário, a chance de ele reincidir e entrar definitivamente no mundo do crime é muito maior. O sistema carcerário não funciona, não recupera, tem déficit de vagas.
O sistema socioeducativo faz o que o sistema carcerário não consegue fazer: recuperar o jovem pelo viés da educação, para que ele possa viver em sociedade e não volte a cometer novos delitos.
Mito 4 – Muitos países têm reduzido a maioridade penal
Ariel de Castro Alves: Caso reduza a maioridade penal, o Brasil estará contrariando os princípios da Convenção da ONU dos Direitos da Criança, de 1989, segundo os quais as pessoas com menos de 18 anos de idade, quando cometem crimes, devem ser tratadas de forma completamente diferente dos adultos.
A pesquisa Tendências do Crime, feita em 2012 pela Organização das Nações Unidas, ao analisar as legislações penais de 57 países, concluiu que apenas 17% deles adotam a idade penal inferior a 18 anos.
Muitas vezes se confunde a idade penal com a idade de responsabilização. No Brasil, a partir dos 12 anos, os adolescentes são responsabilizados pelos seus atos.
Há alguns anos, a Alemanha e a Espanha chegaram a reduzir a idade penal, mas, ao observarem o aumento da criminalidade juvenil em razão da reincidência dos adolescentes que foram para as cadeias, resolveram voltar atrás. Os Estados Unidos e a Inglaterra estão atualmente rediscutindo as penas aplicadas às crianças e aos adolescentes. No Uruguai, recentemente, por plebiscito, a população rejeitou a redução da idade penal.