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Créditos: Humberto Diógenes

Juliana Sada, com colaboração de Yuri Kiddo, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz

Xingamentos, empurrões, tapas, puxões de orelha, palmadas, ameaças. Essas ações ou, ao menos, algumas delas fazem parte da história de criação de muitos adultos e também do presente de muitas crianças e adolescentes. A violência física ou psicológica é comumente aceita pela sociedade como uma maneira admissível de educar os filhos.

Tais métodos já foram mais comuns, mas ainda seguem fortes como revela a dificuldade em se aprovar a Lei Menino Bernardo, também conhecida como Lei da Palmada, que proíbe castigos físicos. Aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 21 de maio, o Projeto de Lei (PL) ficou quase dois anos parado, por conta de resistência de setores que consideravam a lei uma interferência indevida do Estado na criação dos filhos.

Para a coordenadora da Campanha Nacional “Não Bata, Eduque!”, Marcia Oliveira, o argumento não é válido, e cita outras regras, como do uso do cinto de segurança e a Lei Maria da Penha, que também interferem na conduta pessoal. “O que não podemos deixar de esquecer é que as crianças são mais vulneráveis e devem ser protegidas de todas as formas de violência, por isso a lei é tão importante.”

O PL, que ainda deve ser aprovado pelo Senado, é apenas um primeiro passo na mudança de uma cultura arraigada. “É uma lei afirmativa de direitos, um marco moral e ético que visa romper com uma educação violenta que gera conflitos individuais e familiares e que tem sido perpetrado entre gerações”, explica Marcia Oliveira, em entrevista ao Promenino. “O projeto afirma o direito à integridade física e psicológica de crianças e adolescentes.”

O que o PL quer proibir:

I – castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II – tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.

A proposta altera o Artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), afirmando o direito de ser educado “sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante”. De acordo com o Projeto de Lei, os pais que aplicarem castigos físicos ou tratamento cruel poderão ser advertidos pelo conselho tutelar e encaminhados para cursos ou serviços de orientação. O projeto prevê também o estabelecimento de políticas públicas de orientação e apoio às famílias e educadores na mudança de comportamento.

Na entrevista que concedeu ao Promenino, Marcia conta como é possível educar uma criança sem o uso da violência, o que muda com a lei e as origens do castigo físico no país. Confira a seguir!

Promenino: O que deve mudar com a aprovação da Lei Menino Bernardo?

Marcia Oliveira: Algumas pessoas acreditam que não é possível estabelecer autoridade, disciplina ou educação sem o uso de certo grau de violência física ou psicológica e a lei busca incentivar a utilização de práticas não violentas no processo educativo e de convivência familiar e comunitária. As pessoas devem adotar práticas que não utilizem a violência física, tais como restrição de privilégio (ficar sem ir ao cinema, deixar de ver TV por um tempo, não ir ao parquinho etc.). E devem passar a adotar métodos, como a reparação de dano e correção de erros (limpar o que sujou, catar o que espalhou, pedir desculpas etc.) e o diálogo de advertência (conversa franca e firme que ajude a criança e o adolescente a entender suas ações e reconhecer seus erros). O PL agora segue para o Senado e, caso não haja mudança no texto, será encaminhado para sanção. Nossa expectativa é aprovar o projeto de lei em 2015.

Promenino: Há diversas pesquisas que apontam que a maioria das agressões físicas ocorre dentro da própria casa. Qual a origem da naturalização desse tipo de violência e por que os pais batem ou usam de violência contra os próprios filhos?

Marcia Oliveira: A violência é um fenômeno histórico-social complexo e está presente em nossa história desde o processo da colonização, passando pela escravidão e pela sociedade patriarcal, onde a disciplina e o poder eram estabelecidos pelo autoritarismo, pela força e pela violência física. Não háuma definição unívoca ou definitiva para violência. Acreditamos que, devido a uma questão cultural, o uso dos castigos físicos e tratamento humilhante ainda são muito utilizados pelos pais e responsáveis no processo educativo e de cuidado da criança. A maioria dos adultos foram criados com o uso de práticas violentas. É a forma que eles conhecem e reproduzem.
Promenino: A violência é uma punição culturalmente aceitável?

Marcia: A violência física — como tapas, palmadas, puxões de cabelo e orelha, beliscão e sacudidas  — e a violência psicológica  — xingar, gritar, humilhar, menosprezar, ridicularizar, ameaçar bater, ameaçar expulsar de casa, por exemplo  — ainda são aceitáveis culturalmente. Muitos adultos não consideram esses tipos de punições como “violência”.  Combater a banalização e aceitação desse tipo de violência tem sido nosso maior desafio!

Promenino: Há muitos casos de morte por espancamento com a justificativa de que acabou ‘exagerando’ ou de que descontou o ‘estresse do dia a dia’. A forma como vivemos nossas vidas influencia na hora de agir violentamente?

Marcia: Sim, sempre discutimos com as pessoas o quanto as violências cotidianas (trânsito caótico, falta de transporte público, saúde e educação de qualidade, dificuldades financeiras ou de moradia, conflitos no trabalho, violência urbana, por exemplo) influenciam nosso comportamento e o quando elas podem comprometer nosso discernimento e nossas ações no trato com as crianças e adolescentes. Se estamos sob pressão e descontrolados não conseguimos medir nossa força e nossos atos. Por isso muitos adultos justificam como “perdi o controle”, “exagerei”, só queria “educar”, quando utilizam a violência física de uma forma que pode trazer muitos danos e causar até a morte de crianças e adolescentes. Por esse e outros motivos reafirmamos que a violência física não deve ser utilizada como instrumento punitivo-educativo.

Promenino: Quais são as alternativas para se educar sem utilizar a violência ou para conquistar respeito?

Marcia: Existem várias formas de educar e disciplinar crianças e adolescentes sem o uso de qualquer forma de violência física ou tratamento humilhante. As suspensões de privilégios são apontadas como medidas alternativas e construtivas ao uso dos castigos físicos e podem ensinar à criança a pensar nos prós e contras de obedecer ou transgredir os acordos (regras básicas). Essas estratégias surtem mais efeito se não são impostas de forma arbitrária e desde que sejam coerentes. Se as regras são claras e foram estabelecidas em conjunto, os resultados do uso da suspensão de privilégios serão mais efetivos. Explicar o que é certo e errado, reparação do dano, ensinar a pedir desculpas e reconhecer seus erros, diálogo franco e firme, por exemplo, também são estratégias educativas não violentas que podem ser utilizadas.

Por que os pais batem em seus filhos? Segundo a coordenadora da Campanha Nacional “Não Bata, Eduque!”, Marcia Oliveira, os motivos mais recorrentes para a violência contra as crianças são:
• Porque também sofreram castigos físicos quando crianças e, em sua opinião, “nem por isso tiveram quaisquer problemas”, tornando-se adultos plenamente responsáveis;
• Pensam que só com conversa os filhos não vão obedecer;
• Para descarregar a raiva por alguma coisa que a criança fez;
• Porque perdem o controle emocional;
• Para punir a criança por algum comportamento considerado inadequado e tentar fazer com que tal comportamento não se repita;
• Para prevenir situações perigosas, como atravessar a rua, falar com estranhos, brincar com fogo;
• Para fazer valer a autoridade paterna ou materna.

Educar sem castigos físicos é possível? Saiba o que muda com a Lei Menino Bernardo
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