A Empoderamento Contábil oferece serviços de consultoria para ensinar mulheres no Rio de Janeiro a administrar o seu dinheiro e enxergar o empreendedorismo como possibilidade
Todos os dias, ideias inovadoras são propagadas por mulheres inspiradoras. Algumas delas escolheram o empreendedorismo para disseminar, pouco a pouco, a transformação que querem ver no mundo. É essa a missão de Ludmila Hastenreiter, 30 anos, que decidiu compartilhar, através de palestras e oficinas, conceitos de gestão financeira para microempreendedores da periferia, buscando especialmente empoderar mulheres.
“A Empoderamento Contábil surgiu da necessidade de compartilhar a importância da gestão financeira para a saúde de uma empresa”, define a empreendedora, acrescentando: “Mas também com o intuito de retribuir para os meus iguais o conhecimento e as oportunidades que tive ao longo destes 12 anos de mercado formal”.
Criada em Duque de Caxias, zona periférica do Rio de Janeiro, Ludmila acostumou-se desde cedo com a rotina de deslocamento em direção à ascensão educacional e profissional – localizada nas regiões nobres do estado. Essa distância foi ficando cada vez mais clara, não apenas fisicamente, mas sobretudo no que diz respeito aos caminhos que traçou.
Dividida entre Comunicação Social e Ciências Contábeis, a jovem, que sempre amou os números na mesma medida das palavras, escolheu fazer carreira na segunda área, pois, na época, era a única que lhe oferecia a possibilidade de conseguir um estágio remunerado.
“À medida que os anos passavam, percebi que para prosperar na carreira corporativa, eu precisaria me afastar cada vez mais dos meus valores e de quem eu sou”, relembra a empreendedora. “Infelizmente, em alguns momentos, tive de me masculinizar, fingir que não era mulher, que não era tão negra assim”.
Essa perspectiva, no entanto, também fez com que Ludmila enxergasse o empreendedorismo e os pequenos empreendedores periféricos com outros olhos. Percebeu que, com informação e treinamento de qualidade, disponibilizados numa linguagem descomplicada, por um preço acessível, o conhecimento que lutou para conquistar do outro lado da cidade, poderia ser concentrado em sua própria comunidade.
Empreender é desconstruir
Apesar de ter decidido o foco do empreendimento, o caminho a seguir a partir de então não foi tão simples. Os primeiros obstáculos foram os próprios pré-conceitos de Ludmila e do público alvo da Empoderamento Contábil.
“Eu precisei, e ainda preciso, desconstruir alguns pensamentos, principalmente o de que só um emprego com carteira assinada vai me abrir portas”, diz a empreendedora. “Essa é uma ideia bem comum na periferia. Meu público-alvo encara a própria profissão como um bico, uma renda extra até voltar ao mercado de trabalho. O que eu quero é conscientizar esse microempreendedor do potencial que tem, mostrando que a gestão financeira também é para ele”.
Em 2017, quando Ludmila oficializou o negócio, buscou nas ruas os desafios que precisaria enfrentar. Entre eles, listou a dificuldade de acesso a crédito, burocracia na formalização do micronegócio, ausência de capital de giro e incerteza sobre o sucesso do empreendimento. No caso específico da empreendedora, o apoio da família e dos amigos foi fundamental para o sucesso de seu negócio, mas ela conta que muitas pessoas com quem conversa em seus workshops não recebem o mesmo reconhecimento, o que desencoraja a visão do empreendedorismo como alternativa profissional.
Para fazer acontecer
Apesar de não ter tido nenhum tipo de capital semente ou ajuda de colaboradores diretos, a Empoderamento Contábil já abriu caminho com uma vantagem: o conhecimento da fundadora em relação à gestão estratégica e de custo. Além disso, os mais de 10 anos de carreira no mercado formal deram a Ludmila o panorama necessário para entender os processos de estruturação e planejamento de uma empresa.
Atualmente, a startup é conduzida apenas pela fundadora e conta com parcerias e colaborações com coletivos, ONGs e outros empreendedores sociais. O site, por exemplo, foi desenvolvido com a ajuda de três designers do projeto Cumbuca Marketing, que usaram as técnicas do design Sprint para mapear e terminar de definir os serviços ofertados pela consultoria. Outro passo importante na trajetória do empreendimento foi o redirecionamento de público. Ludmila optou por orientar o conteúdo de seus serviços para mulheres empreendedoras e periféricas.
“Percebi que minha primeira opção é falar com mulheres. A importância e o impacto que a mulher tem na disseminação do conhecimento é ímpar; entre os jovens, dentro de uma família. Ainda mais quando essa mulher é empreendedora, e tem que cumprir uma série de atividades sendo uma só”, explica Ludmila.
Conquistas alcançadas e à vista
Desde 2017, foram realizados em média 10 grandes eventos. Dentre eles, a maioria palestras gratuitas e alguns workshops de baixo custo, que variaram entre R$ 20 e 60. Ainda assim, foram distribuídas algumas gratuidades, para ampliar as oportunidades de quem não poderia arcar com esse valor.
Além da consultoria presencial, Ludmila abriu um canal de treinamento online, o Vamos Juntas! O curso se dedica a ensinar mulheres a administrar o dinheiro e investi-lo para potencializar a carreira profissional. No futuro, a empreendedora pretende implementar um sistema de plataforma de ensino online, mas por enquanto opta pela maior parte dos serviços presenciais, incluindo palestras e consultorias em empresas.
Para complementar os planos e somar conhecimento, Ludmila foi aprovada recentemente em um curso extensivo de Finanças Corporativas na Universidade de Ohio, nos Estados Unidos. Apesar de ter recebido bolsa integral, as despesas da viagem não são inclusas e, por isso, a empreendedora abriu um financiamento coletivo para arrecadar fundos, que funciona por meio de um sistema de recompensas: a cada contribuição feita, o doador tem a chance de criar uma oficina em um bairro periférico do Rio de Janeiro.
Dessa forma, o conhecimento somado e adquirido retorna para a periferia e os valores, uma vez negados, são exaltados como potenciais transformadores. Mulher, negra, periférica e empreendedora social, Ludmila Hastenreiter imprime no mundo um pouco da sua marca todos os dias.
Enquanto a Empoderamento Contábil alcança os primeiros resultados e define metas para o futuro, outros empreendimentos criados por mulheres e voltados para abrir caminhos na vida profissional despontam como potenciais transformadores. É o caso da RAP – Rede de Afro Profissionais, uma ferramenta que conecta mulheres negras a oportunidades no mercado de trabalho.O projeto foi desenvolvido por duas irmãs, Jéssyca (26) e Monique Silveira (31), e surgiu com a missão de promover a igualdade racial e de gênero, ao criar uma rede de conexões entre mulheres negras e as mais diversas vagas de emprego, incentivando a ocupação de cargos de liderança.
Antes de ser acelerado pelo Pense Grande Incubação, a RAP começou como um grupo no Facebook, que reunia mulheres negras e as incentivava a empregarem umas às outras. Hoje, a startup movimenta em média 15 mil mulheres conectadas.