Às vezes, a vontade de abrir o próprio negócio vem de berço. Conheça histórias de quem contou com o apoio da família para tirar as ideias do papel
Iniciar uma jornada empreendedora nem sempre é um caminho fácil e rápido. Talvez por isso, muitas famílias fiquem preocupadas quando percebem o jovem engajado em montar o próprio negócio. A pesquisa Juventude Conectada – Edição Especial Empreendedorismo apontou a tendência familiar em estimular mais a busca por segurança financeira do que a autonomia nos negócios, uma vez que o empreendedorismo ainda é visto por muitos como algo arriscado e transgressor.
Arriscado e transgressor são justamente as palavras que resumem a GENYZ, empresa recém-criada por Cairê Moreira, de 24 anos. Formado em animação, o jovem decidiu usar seus conhecimentos para revolucionar a indústria da moda no Brasil. Através do escaneamento 3D do corpo, ele propõe a confecção de roupas completamente personalizadas, combatendo padrões e atuando em prol da autoaceitação.
Quando os pais souberam que Cairê estava seguindo por esse caminho, não faltou apoio. A mãe, Lina, e o padrasto, Alexandre, trabalham na Universidade Federal no ABC. Com frequência, apresentam pessoas da área de tecnologia para dar aquela força aos negócios do filho. Já o pai de Cairê, Davi, é uma grande inspiração para o jovem.
Ativista em uma ONG que luta pela conscientização da anemia falciforme – doença hereditária que atinge principalmente a população negra -, Davi ensinou ao filho, pelo exemplo, que não há limites para lutar pelo o que acredita. “Ele sempre atende aos compromissos dele, nunca recusa responsabilidades e não mede esforços para lutar pelo o que acredita. Tem essa teimosia boa e acho que puxei dele”, diz.
Empreendedorismo de berço
E quando a veia empreendedora vem de casa? Dona Neide e seu Ilton eram funcionários públicos, mas para complementar a renda sempre foram adeptos do empreendedorismo correria, como define a filha, Thais de Souza Ferreira, de 30 anos: “Meu pai vendia abacaxi fatiado, coco na praia, picolé na porta de casa e churrasquinho. Minha mãe sempre empreendeu em família, costurando com minha avó, vendendo quitutes no portão, roupas. Ela e a irmã chegaram a montar um serviço de buffet para festas”.
Ao observar essa dinâmica familiar, a carioca foi crescendo com a vontade de criar o próprio negócio. Experimentou vários empreendimentos até criar, em 2016, o Mãe&Mais. Incubado pelo Pense Grande, o negócio social oferece serviços e informações de saúde e bem-estar para gestantes, mulheres e crianças na primeira infância.
Organização, administração da renda, vontade de aprender e compartilhar conhecimento foram alguns dos ensinamentos que os pais da jovem transmitiram a ela e que hoje são fundamentais em sua vida profissional. “O que mais me inspirou foi o compromisso com o impacto positivo nas comunidades e a noção de sustentabilidade que eles sempre tiveram”, conta Thais. “Sabe empreender com propósito? Digo, com orgulho, que aprendi em casa!”.
O mesmo aconteceu com Fábio Hideki Takara, de 30 anos. A convivência com os pais empreendedores, donos de confecções de jeans, despertou nele a vontade de seguir pelo mesmo caminho. Em 2016, criou a Firgun, plataforma que conecta investidores a empreendedores de baixa renda, facilitando o acesso ao micro-crédito.
O peso da responsabilidade e o esforço para conseguir o que deseja são as maiores lições que aprendeu em casa. “Aos dez anos, eu guardei por meses os R$ 2 que ganhava diariamente para comprar merenda na escola. Fazia meu próprio lanche e economizava. Com o dinheiro, quitei as prestações de uma televisão para o meu quarto”, relembra. “Desde pequeno, minhas irmãs e eu aprendemos que as conquistas só chegam com sacrifícios”.
O maior professor
raço comum na história de imigrantes portugueses, André de Aquino Pinto seguiu a carreira de comerciante do pai. Dono de um bar na zona oeste do Rio de Janeiro, ele encantava clientes com simpatia, cuidado e inovação, que ia dos tira-gostos a ambientação do espaço. “Um misto de pé sujo à la Brasil com o charme da tasca portuguesa”, define o filho Luiz Fernando Pereira Pinto, de 28 anos.
A convivência com o dia a dia do pai foi essencial para Luiz. Ele conhecia todos os fregueses que circulavam pelo espaço, ganhava com frequência presentes dos mais variados, de livros a vara de pescar. “A pesca nunca foi de meu interesse, já os livros…”, conta o rapaz que hoje é um dos fundadores do Nuvem Poética, uma plataforma para conectar, potencializar e dar visibilidade à poesia contemporânea. O empreendimento também está sendo incubado pelo Pense Grande.
Mais do que os livros, a maior inspiração para Luiz foi mesmo o pai, que além de valorizar os estudos, impressionava com sua sabedoria. Entre servir uma bebida para um freguês e preparar o prato do dia, ele contava ao filho histórias que envolviam artes, passavam pelo processo histórico de formação do Rio de Janeiro e terminavam nos livros que ele já tinha lido.
Com o pai, Luiz foi aprendendo muitas coisas: falar em público, o apreço por ouvir e contar histórias, estratégias de gestão, administração financeiras e até o olhar para tendências. “O bar foi uma escola e meu pai era o professor. Ali, naquele ambiente, eu conheci Hermeto Pascoal, um dos maiores músicos do país! Também conheci seu Pedro, que tem a fama de ser um dos pescadores mais mentirosos do Rio, além de João, um vendedor de amendoim super criativo do bairro, dentre tantas outras figuras que me inspiraram e que carrego até hoje”, conta ele.
Com o tempo, André teve que fechar o bar, passando de empreendedor a funcionário. Porém, até hoje é uma das grandes referências do filho, cheio de conselhos e ideias que inspiram os negócios de Luiz. “Apesar do meu empreendimento ser diretamente ligado a cultura, meu pai sempre faz uma ligação com o comércio. Comprovo a ideia de que há mais semelhanças do que diferenças, afinal a cultura está presente em qualquer canto”, conclui.