No mês em que é celebrado o Dia do Empreendedorismo Feminino e da Consciência Negra, convidamos a psicóloga Aparecida da Silva, presidente da Reafro, para uma conversa sobre o tema. Confira!
Inúmeras iniciativas para fomentar o empreendedorismo negro e a indústria criativa entre negros no Brasil surgem a cada ano. Todas elas com projetos que têm como foco o protagonismo e o posicionamento da população negra no centro dos processos de produção.
Projetos como a Feira Preta, a fintech Conta Black e o Movimento Black Money, hub de inovação estruturado para estimular e conectar negócios de pessoas negras, ajudam a fortalecer a rede e aumentam as possibilidades de geração de empregos.
Por meio de eventos, palestras, seminários, facilitações financeiras e plataformas digitais são estabelecidas conexões e auxiliam no desenvolvimento de empreendimentos criativos comandados por negros.
O movimento de afirmação e empoderamento negro vêm crescendo nos últimos anos, e isso reflete diretamente na identidade social: segundo Pnad Contínua, realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56,10% dos brasileiros se declaram pretos e pardos, o que equivale a mais de 100 milhões de pessoas.
Dessa parcela da população, 40% dos adultos são empreendedores e movimentam quase R$ 2 trilhões anuais. O estudo “Afroempreendedorismo Brasil”, desenvolvido em parceria pela RD Station, Inventivos e o Movimento Black Money, revelou também que o mercado é majoritariamente feminino e ligado ao comércio, beleza e indústria criativa.
O perfil do afroempreendedor brasileiro
- Há mais de 14 milhões de empreendedores negros no Brasil;
- Apesar de 61,9% terem Ensino Superior ou mais, apenas 15,8% possuem renda familiar superior a 6 salários mínimos;
- A necessidade financeira é o principal motivo para a abertura de negócios;
- Acesso a crédito e preconceito racial ainda são os maiores obstáculos.
Fonte: Afroempreendedorismo Brasil
Em novembro é celebrado o Dia do Empreendedorismo Feminino e da Consciência Negra. Para falar sobre o tema, entrevistamos a psicóloga Aparecida da Silva, presidente da Reafro. A associação tem o objetivo de apoiar e fomentar o afroempreendedorismo através de uma educação empreendedora.
Confira a seguir!
O que te levou ao mundo do empreendedorismo?
Meus pais sempre foram microempreendedores. Meu pai era eletricista e empreendia no ramo de material elétrico e minha mãe no ramo do vestuário. Vivi nesse meio por quase toda a vida. Assim que me formei psicóloga, tinha vontade de ter minha própria clínica. Iniciei junto com alguns colegas meu primeiro negócio, e hoje sou CEO de três empresas com foco em saúde mental. E tenho projetos de ampliar, em breve, essa rede.
Quando você resolveu empreender passou por alguma dificuldade? Como foi esse processo?
Meu primeiro negócio surgiu ainda na universidade. Fizemos um projeto de uma clínica entre seis amigos e, quando nos formamos, colocamos em funcionamento. Foi difícil, pois como todo início, temos que investir muito para depois conseguir colher os frutos. Com o tempo, alguns desses amigos seguiram outros rumos profissionais, pois nem todos têm aptidão para empreender e acabam buscando aquilo que está mais próximo às suas habilidades. Hoje, tenho um único sócio nesta empresa, que é meu filho, e sou a CEO de três empresas na área da Saúde Mental.
Como surgiu a ideia da Reafro?
A Reafro surgiu do Projeto Brasil Afro Empreendedor (PBAE), que entre 2013 e 2016 ajudou a fortalecer 1600 negócios liderados por afroempreendedores no Brasil. Sua importância vem da necessidade de conhecer melhor as particularidades dos empreendimentos, que refletem tanto as marcas da presença histórica dos afrodescendentes no país quanto às transformações recentes na sociedade brasileira.
E dessa forma, garantir oportunidades para a ascensão social e empoderamento de negras e negros através da promoção e do desenvolvimento social e econômico dos mais de 12 milhões de afroempreendedores brasileiros, por intermédio da educação empreendedora, da informação e da troca de conhecimentos.
Empreendedores costumam dizer que as maiores dificuldades que passam quando começam um negócio estão relacionadas à burocracia. Qual é a sua percepção enquanto mulher negra?
Para os empreendedores em geral, a dificuldade com a burocracia é algo que nos impede, muitas vezes, de iniciar e dar continuidade em nossos empreendimentos. Pois temos que cumprir determinações burocráticas nas esferas municipais, estaduais e federais.
Como mulher afroempreendedora entendo que a necessidade de se criar um bom plano de negócio e estruturar corretamente todas as ações determinantes para o desenvolvimento daquilo que empreendemos é necessário. Pois, caso contrário, não conseguimos aporte financeiro ou qualquer tipo de investimento para nossa empresa ou negócio.
Quanto à gestão desses negócios, como você percebe que outros empreendedores negros se organizam?
Muitos dos empreendimentos liderados por negras e negros ainda não são formalizados e fazem parte da economia informal. A Reafro vem formalizando esses negócios, levando conhecimento através da Escola de Negócio da Reafro (ENAFRO), que promove educação financeira, e por meio de programas de mentoria empresarial ao empreendedor negro. A ideia é criar modelos de negócios sustentáveis e com gestões que fortalecem o crescimento e que deem visibilidade aos empreendedores negros e negras em todo o país.
Qual é a maior dificuldade que você escuta de outras mulheres negras que estão começando a empreender?
Para nós mulheres negras, ajudar no orçamento de casa é quase sempre fundamental para dar uma existência melhor aos filhos e à família. Nossa dificuldade está em cuidar dos filhos, cuidar da casa e ainda não ter dinheiro suficiente para comprar a matéria-prima para iniciar nosso negócio. Como muitas vezes empreendemos por necessidade, não temos os recursos suficientes para tornar o negócio forte e nem capital de giro para mantê-lo como desejamos.
Como manter um negócio vivo em períodos de crise, como a pandemia de Covid-19? Qual o papel da criatividade nesse contexto?
Os setores de serviços e comércio, onde estão concentrados a maioria dos pequenos negócios, precisaram se reinventar para sobreviver. Para os afroempreendedores, a maioria dos pequenos negócios, a situação se agravou: parte quebrou, definitivamente, sem perspectiva de retorno às atividades de origem e muitos buscam alternativas pelos mais diversos meios que encontram ou são ofertados no mercado.
É verdade que as crises criam necessidades para novos arranjos e para aguçar a criatividade para superá-las. E podem, também, ser uma oportunidade de transformar a vida das pessoas, apresentar inovação, produzir novas tecnologias e sustentabilidade ambiental.
Como o país e a nossa cultura podem fortalecer a Economia Criativa e o empreendedorismo negro?
Os negócios liderados por negros têm forte potencial para distribuir riqueza nas comunidades mais pobres do país, onde predominantemente se situam, sendo que a maior parte desses empreendimentos são liderados por mulheres. O fortalecimento do afroempreendedorismo é fator-chave para a promoção do desenvolvimento e da igualdade de oportunidades, assim como para o combate às desigualdades raciais e de classe, em um Brasil mais justo.
O que você recomenda para quem está começando?
Diversos levantamentos realizados pelo Observatório Reafro com afroempreendedores de todo o país apresenta a falta de conhecimento em gestão, mercado consumidor e acesso às linhas de crédito que atenda os mais variados perfis enquanto negócios geridos por negros e negras. Ter como base um diagnóstico e um bom plano de negócio é fundamental. Assim como conhecer a sua Proposta de Valor, Marketing, Transformação Digital, Logística e Atendimento, Gestão Financeira, Gestão de Negócios e Pitch. Todas essas são ações que geram resultados em seu afronegócio. Porém, sem deixar de lado a pessoa por trás de cada ideia ou empreendimento.
Economia Criativa e Empreendedorismo Negro
Segundo o estudo Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, criativos são naturalmente flexíveis, buscam soluções e formulam novas perguntas. Utilizam instrumentos necessários para identificar e aproveitar as oportunidades quando, onde e como surgirem.
O conceito de Economia Criativa se ampliou e basicamente qualquer negócio que tenha a criatividade como geradora de valor pode integrar a Economia Criativa. Para além da valorização da criatividade, os negócios que se enquadram na Economia Criativa costumam ter caráter colaborativo, com estímulo ao desenvolvimento de redes e a ampliação das trocas e serviços com o objetivo de melhorar o seu entorno.
De acordo com Aparecida da Silva, presidente da Reafro, 50% dos empreendedores negros atuam no mercado local, ou seja, comercializam os produtos ou serviços dentro da própria comunidade. Além disso, 46% dos afronegócios brasileiros se enquadram no setor de serviços, 40% no comércio e 14% na cultura.