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12 de junho de 2007
MARCELO IHA
da redação do Pró-menino/RISolidaria

Quem vive em grandes centros urbanos como São Paulo já está cansado – e até mesmo acostumado – de ver crianças trabalhando nos principais cruzamentos de ruas da cidade. A cada farol “ocupado”, uma pequena mão bate no vidro fechado do carro e, com os braços estendidos, mostra os doces para vender ou as palmas vazias em forma de concha pedindo esmola. Mais adiante, meninos usam a habilidade e fazem malabares para entreter o público itinerante, na tentativa de ganhar um “cachê”.

Em outro lugar não muito distante das ruas, uma menina frágil cuida dos irmãos menores e realiza as tarefas domésticas como preparar a comida, lavar a louça, varrer a casa. Em ambos os casos, existe o problema do trabalho infantil, que persiste tanto em cidades quanto em áreas rurais. Atualmente, são cerca de 5 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos com algum tipo de ocupação – seja ela em situação de exploração ou não.

Imagem: Divulgação

O cata-vento é o símbolo da luta contra o trabalho infantil

Na semana do 12 de junho, Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, a reportagem do Portal Pró-menino conversou com um profissional engajado na luta pela erradicação do trabalho infantil. Edmilson Selarin Junior, mais conhecido como Junior, é economista com mestrado em Administração de Empresas, e coordenador do Projeto Cata-Vento, desenvolvido pela Fundação Orsa em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FPPETI), do qual é o atual membro e representante da sociedade civil. Confira a entrevista abaixo, em que Junior explica um pouco sobre os tipos mais graves de exploração do trabalho infanto-juvenil, mas também comenta sobre dados positivos e avanços do País em relação ao tema.

Pró-menino – Como o trabalho precoce afeta na formação e desenvolvimento de uma criança?

Edmilson Selarin Junior – Uma criança que precisa trabalhar e tem uma jornada de 8, 10 ou 12 horas, dependendo do tipo de atividade que ela faz, automaticamente comprometerá o físico, emocional e educacional. Quando ela vai para a escola, já está cansada e com todos os problemas que se possa imaginar em termos de estrutura física e emocional. Isso acarreta em outro problema futuramente, que é a concorrência dessa criança no futuro no mercado de trabalho, pois qual o tipo de educação e formação que ela possui se está cumprindo uma jornada diária de trabalho? De que forma ela poderá concorrer com o menino que teve o tempo todo pra estudar, ou estudou num bom colégio? Isso afeta lá na frente a disputa desse menino por uma posição no mercado de trabalho, quando estiver, de fato, na idade certa para isso.

Pró-menino – Quais são os tipos mais evidentes de exploração do trabalho infanto-juvenil? E os menos evidentes?

Junior – Não que as outras formas de trabalho infantil não devam ser combatidas, mas temos trabalhado com as piores formas de trabalho infantil, que envolvem a questão da prostituição; da exploração sexual comercial; do uso de crianças no narcotráfico e narcoplantio; do trabalho infantil doméstico; do uso de crianças na agricultura familiar; e no trabalho informal urbano, que é esse que vemos muito nas grandes cidades, como São Paulo, em que as crianças ficam nos cruzamentos de farol fazendo malabares, vendendo balas. Isso ainda é algo muito incidente.

Pró-menino – E quais os tipos de exploração do trabalho infantil que as pessoas conhecem menos? 

O Brasil assinou um compromisso no ano 2000, a Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a fim de desenvolver ações e projetos para combater as piores formas de trabalho infantil.

Junior – É o trabalho infantil doméstico, um tema que desenvolvemos no Projeto Cata-Vento e que é difícil de as pessoas entenderem. Primeiro porque ele acontece dentro da própria casa, quando um menino ou menina substitui a mão-de-obra de um adulto, e precisa cuidar dos irmãos menores, fazer as tarefas domésticas, cuidar da alimentação. E outro caso é quando a criança trabalha na casa de terceiros, e aí existem muitas meninas que são trazidas do Norte e Nordeste com uma perspectiva de um futuro melhor na cidade grande, de que elas poderão estudar, ter uma vida melhor. E isso tudo, muitas vezes, não acontece. O trabalho infantil doméstico é invisível, porque acontece dentro da casa. E a fiscalização não pode entrar nos domicílios, pois o lar é inviolável pela Constituição Federal. Geralmente, a pessoa que traz ou contrata uma criança para ser babá, por exemplo, não sabe que isso é proibido e não tem o entendimento de que isso é prejudicial à menina. Pensam que aquela atividade irá ajudar a criança, que dará uma condição melhor a ela. Já a exploração sexual comercial, muitas vezes, é visível aos olhos, mas também é supercomplicado de combater, porque é preciso de políticas específicas. Os programas de erradicação do trabalho infantil contribuem, porém, não são suficientes, pois é preciso de uma equipe multidisciplinar e de um projeto maior para combater algo que também está por trás da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Pró-menino – No caso do trabalho infantil doméstico, por ser contra a lei entrar na casa das pessoas, qual seria a maneira de fiscalizar esse tipo de exploração?

Junior – Os órgãos competentes que podem fiscalizar essa questão são o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio das delegacias e subdelegacias regionais do trabalho, e o Ministério Público do Trabalho. Quanto ao Conselho Tutelar, que tem a função de garantia dos direitos da criança e do adolescente, não pode, da mesma forma, entrar na casa das pessoas. O que temos visto e discutido muito é fazer uma abordagem com as pessoas que contratam crianças para trabalharem, esclarecer como funciona essa situação e se ela entende que aquilo é um trabalho. Também procuramos saber se a criança, de fato, foi trazida de outro estado ou de outros municípios. E existe ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante a proteção integral a essas crianças. Por isso, focamos mais no sentido de informar as pessoas. E claro, em casos gravíssimos e mais sérios de violência ou de abuso sexual, que envolve a polícia, estes, geralmente, são obrigados a entrar nas casas. Como aconteceu em Belém do Pará, quando uma menina de 11 anos, trabalhadora infantil, foi assassinada pelos patrões. Isso foi trágico, e é uma questão policial, que também envolve a Justiça. Acredito que esse assunto deve ser discutido bastante, para que existam mecanismos com os quais se possa, de fato, abordar as pessoas envolvidas e identificar a situação de trabalho infantil quando estiver acontecendo.

Pró-menino – Existe um perfil recorrente de crianças e adolescentes que trabalham em situação de exploração?

Junior – Não necessariamente. No projeto que desenvolvemos no estado de São Paulo, 100% das crianças estavam matriculados e estudando na escola. Além disso, todas tinham famílias e faziam alguma atividade, porém, retornavam às suas casas. Mas, muitas vezes, existe a idéia de que as crianças que estão trabalhando também estão fora da escola ou não têm família, e isso nem sempre é verdadeiro. Por isso, depende muito da região e da situação e condição familiar da criança e do tipo de trabalho que ela exerce. Há casos em que a criança sofre violência doméstica ou é abandonada, por exemplo, e acaba saindo de casa, sendo levada a uma situação de exploração porque, de certa forma, precisará sobreviver. Isso está muito relacionado se a criança ainda convive com os pais ou se já quebrou o vínculo familiar, se ela tem uma atividade em determinado período do dia e, inclusive, se vai ao trabalho com a própria família.

Pró-menino – O que uma pessoa pode fazer ao descobrir um caso de exploração do trabalho infanto-juvenil?

Junior – O órgão que tem competência para ajudar nos casos de denúncia no local, em primeiro plano, é o Conselho Tutelar, que é acionado tanto pela escola quanto por uma organização social, quando detecta um problema de trabalho infantil. O Conselho, por sua vez, automaticamente entra em contato com a família dessa criança para verificar a validade dessa informação, fazer um levantamento da situação da família, saber se eles estão inseridos em programas de transferência de renda e se a criança já está inserida em algum programa de erradicação do trabalho infantil. Por isso, é todo um trabalho do Conselho em parceria com a escola, as organizações e o poder público. Já em questões que possam envolver o trabalho em empresas, a competência é do Ministério do Trabalho e Emprego e, em seguida, do Ministério Público do Trabalho. Mas essa situação, na década de 1990, era um pouco pior e, atualmente, existem pouquíssimas empresas com esse problema. Percebemos que o trabalho infantil migrou para a área urbana, para a exploração do trabalho infantil doméstico.

Pró-menino – Em um exemplo mais comum, o que podemos fazer quando vemos uma criança fazendo malabares no farol e pedindo dinheiro?

Junior – Na cidade de São Paulo existe, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, uma campanha incentivando que as pessoas não dêem esmolas, mas tenham outros canais de ajudar essas crianças. Em vez de dar dinheiro, é possível revertê-lo para o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, que é uma conta corrente gerenciada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e permite que interessados depositem recursos, posteriormente repassados para a execução de projetos específicos. Nesse fundo existem várias organizações registradas e cadastradas que desenvolvem trabalhos em benefício da infância e adolescência. E essa campanha é interessante, pois tem a indicação para uma atitude concreta de alguma associação social que já desenvolve um trabalho legal contra o trabalho infantil, em vez de dar esmolas.

Pró-menino – As crianças menores – com menos de 10 anos – são mais vulneráveis do que adolescentes?

Junior -Sim, e existe um dado indicando que, de 2004 para 2005, aumentou o número de crianças de 9 a 14 anos trabalhando. Por outro lado, existe, no Brasil, programas específicos aos adolescentes e outros mecanismos que podem tirá-los da situação de trabalho. Atualmente, a partir dos 14 anos, os adolescentes podem ser inseridos pela Lei de Aprendizagem, facilitando sua formação técnico-profissional para que eles tenham alternativas e chances de emprego efetivo. E também existe a condição das pessoas que assistem casos de trabalho, em seus carros, atentas ao farol, pois uma criança de 8 ou 9 anos chama muito mais atenção. Isso faz com que elas fiquem mais sensibilizadas em ajudar do que se vissem um adolescente ou mesmo um adulto, que é mais difícil.

Pró-menino – O que fazer quando a própria criança resiste em parar de trabalhar?

Junior -Existe um conjunto de ações, pois não compete apenas à criança tomar essa decisão. Para tratar do trabalho infantil, ou de qualquer outro projeto em que se queira intervir na questão dos direitos das crianças e dos adolescentes, é preciso trabalhar com a família nessa questão. Parte-se do princípio que a criança possui uma família, que deve ser conhecida, e aí sim verificar de que forma intervir em termos de política pública. É preciso mostrar aos pais os problemas que o trabalho infantil trará para os filhos e até para eles mesmos. Devem ser analisadas as formas para a família se fortalecer e gerar renda para que seus filhos não tenham que ir ao trabalho. Obviamente, a criança tem um compromisso e medo de sair da situação de trabalho porque o dinheiro que ela recebe na rua, em muitos casos, é a única fonte de renda da família. Por isso, ela acaba carregando esse peso nas costas. Ao perguntarmos a uma criança com esse perfil se quer parar de trabalhar, ela não vai querer porque tem uma responsabilidade. Ela pode não gostar e não querer estar naquela situação, mas possui consciência de que precisa levar dinheiro para comprar comida, ajudar no sustento da família. Portanto, o processo deve ser formativo, verificar a situação da criança e sua família, como ela está economicamente, culturalmente e socialmente. Com esse trabalho junto aos pais, a criança pode se sentir acolhida e sem medo de sair da situação do trabalho infantil, porque todos sairão fortalecidos. E devemos fazer com que os meninos e meninas entendam que eles, enquanto crianças, não precisam gerar renda para sobreviver.

Devemos fazer com que os meninos e meninas entendam que eles, enquanto crianças, não precisam gerar renda para sobreviver

Pró-menino – No caso de famílias tradicionais, como na agricultura familiar, é mais difícil promover essa conscientização?

Junior -Essa é uma questão mais cultural porque, para a família, a criança ou adolescente vai herdar a terra e continuar o trabalho que já vem dos avós ou bisavós. Por isso, é mais difícil de abordar, porque os pais não vêem isso com o conceito do trabalho infantil. Eles acreditam que os meninos precisam aprender as atividades logo cedo, e que é mais tranqüilo seus filhos estarem com eles na plantação do que se estivessem em casa sem fazer nada. Apesar disso, constatamos, em nosso projeto no estado de São Paulo, que todos os pais consideram a escola como o futuro dos filhos, e acham que devem continuar estudando. Muitos dizem que a escola é excelente e que, se pudessem, também voltariam a estudar. Sendo assim, essas famílias rurais têm a escola como um marco, um ponto forte na vida dos filhos, mas também possuem o pensamento de que as crianças devem aprender o ofício cedo, pois são eles que continuarão a produção familiar. Sentimos um pouco essa dificuldade, mas a intenção não é tirar as crianças dessa comunidade e cultura rural para trazê-las para a cidade. Gostaríamos que os meninos e meninas possam ter uma formação mais específica, ferramentas que contribuam com o desenvolvimento daquele local, e não perpetuar o ciclo de pobreza em que crianças precisam trabalhar logo cedo.

Pró-menino – Tem conhecimento de ações semelhantes ao Projeto Cata-Vento em outros estados?

Junior -Conheci algumas experiências desenvolvidas nessa perspectiva na Bahia, em Recife (Pernambuco) e no Mato Grosso, além de outros municípios do estado de São Paulo. Existe a política pública do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), de âmbito nacional, e ações tanto do poder público quanto de organizações sociais em nível local. Também há o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), que agrega 27 fóruns estaduais. A própria Fundação Orsa, grupo empresarial onde trabalho, passou a ter como uma das bandeiras essa questão do trabalho infantil. Tem muita gente engajada com esse tema há anos, existem vários projetos acontecendo, e o Brasil é considerado um país de sucesso na linha de erradicação do trabalho infantil, apesar de ainda termos quase 5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, número que vem caindo ultimamente, pois em 1992 eram 8 milhões. É o sucesso das políticas públicas, da sociedade civil que tem se organizado, do segmento empresarial, dos trabalhadores e da própria Presidência da República, que tem discutido e colocado o trabalho infantil em pauta nacional. Acredito que ainda há muita coisa a ser feita, mas também já temos muito esforço sendo feito e dando resultados.

Pró-menino – No estado de São Paulo, qual é a situação do Projeto Cata-Vento? Existe algum prazo ou meta em número a ser atingida?

Junior -Na verdade, o projeto encerrou no dia 23 de maio de 2007, quando lançamos a publicação Vencendo Moinhos de Vento, que é o relato da experiência do projeto. Durante dois anos, trabalhamos em cinco municípios do estado de São Paulo e atingimos as metas a que nos propúnhamos, focadas nas piores formas de trabalho infantil. O livro ajudará a disseminar essa experiência-piloto para provocarmos outros municípios e organizações que queiram desenvolver uma proposta nessa linha, trazer o que foi interessante, as oportunidades que tivemos, as ameaças e fragilidades do projeto. Buscamos sistematizar tudo o que desenvolvemos no período de dois anos, mostrando resultados, o que foi bem-sucedido, o que poderia melhorar, e fazermos o que for possível para contribuir com pessoas de outros lugares interessados em colocar essa prática em atividade.

Pró-menino – Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (PNAD), na década de 1990, o trabalho infantil diminuiu constantemente. Mas, em 2004, a taxa de ocupação das pessoas entre 5 e 17 anos subiu de 11,8% para 12,2% em 2005. Por que isso aconteceu?

Junior -Esse aumento se deu naquela faixa dos 9 aos 14 anos. Uma questão que tem sido trabalhada no Brasil é a Lei de Aprendizagem, em que organizações desenvolvem programas para adolescentes a partir dos 14 anos. Mas a partir do momento que se busca e encontra soluções para uma determinada faixa etária, o outro o grupo de pessoas com pouca idade fica cada vez mais desprovida de ações específicas. Em um dos municípios em que desenvolvemos o Projeto Cata-Vento, encontramos crianças de 4 anos trabalhando! Então a tendência é arrumar uma ponta enquanto a outra fica “descoberta”. O próprio Programa de Erradicação do Trabalho Infantil tinha um recorte na faixa de idade, atendendo crianças a partir dos 7 anos. Atualmente, ele já atende meninos e meninas a partir de zero. São avanços que possibilitam que o crianças com 3 ou 4 anos, por exemplo, encontradas em situação do trabalho, sejam inseridas em campanhas como o PETI.

Pró-menino – Pela Lei da Aprendizagem, jovens a partir de 14 anos podem trabalhar como aprendizes, que pressupõe a conciliação entre trabalho e estudos. Como está a implementação desta lei atualmente?

Junior -Essa é a lei número 10.097, do ano 2000, e sofreu um decreto que ampliou a faixa etária de 14 aos 24 anos. Ela possui uma série de requisitos que as organizações sociais precisam cumprir e devem ser aprovados pelos Conselhos Municipais. Esse padrão caracteriza a formação técnico-profissional do adolescente, e não é considerado trabalho, já que o menino não fica oito horas por dia numa empresa. É preciso haver alternância entre teoria e prática para a formação desse jovem. Dependendo da quantidade de funcionários no quadro de trabalhadores, as empresas têm cotas a cumprir na contratação de aprendizes. Mas a relação teoria e prática é importante, porque o adolescente não irá produzir como um trabalhador adulto, nem vai substitui essa mão-de-obra adulta. É alguém que está em processo de desenvolvimento, por isso está na empresa para aprender o processo, aplicar a teoria e ser acompanhado por uma pessoa que possa melhorar o que ele aprendeu. É um processo de formação, e não de produção.

*Entrevista concedida em junho de 2007.

Entrevista: Exploração do trabalho infantil doméstico é pouco evidente, conta especialista
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