Créditos: Prêmio Peteca
Juliana Sada, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
“Quando a professora começou a falar – claro, faltei tanto na aula que não entendi nadinha – me senti assim: [desenho da criança triste e com orelhas de burro]. A professora acha que falto de malandragem… Se ela soubesse o tanto que tenho que trabalhar…”. Mais para frente, a criança relata em seu diário: “…me dei muito mal na prova. Claro, não sabia nada e não tive tempo de estudar. A Xereta me encontrou no recreio e veio perguntar por que eu tô sempre cansada”.
O relato, fictício, vem do “Meu diário – diário de uma trabalhadora infantil”, revista em quadrinhos que conta a história de uma criança responsável por todas as tarefas da casa da madrinha, onde mora. Ainda que fictícia, a publicação traz a realidade das meninas e meninos que trabalham e mostra a importância da escola nesse contexto, já que as consequências imediatas do trabalho infantil aparecem na sala de aula.
“Uma importante forma de atuação da escola é identificar e encaminhar para a rede de atendimento os casos de alunos vítimas do trabalho infantil. Um olhar mais atento do professor vai perceber coisas incomuns nos alunos, que podem indicar também outros tipos de violência”, explica o coordenador do curso A Escola Contra o Trabalho Infantil (ECTI), Propercio Rezende. Nesse sentido, aumenta a importância dos professores terem uma relação próxima com seus alunos, conhecendo suas trajetórias e cotidianos. Para o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Antonio Oliveira Lima, “é fundamental que a escola conheça a situação de seus alunos para que possa fazer esse acompanhamento e dar apoio às crianças”.
Sinais importantes
Ao Promenino, os entrevistados trouxeram elementos que podem auxiliar diretores de escola, professores e demais educadores a identificar crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Um primeiro sinal são as faltas recorrentes e sem justificativa, já que muitas vezes o trabalho pode coincidir com o horário escolar. Ainda assim, há crianças que trabalham e frequentam a escola regularmente, mas o trabalho infantil tira o tempo do estudo e afeta o rendimento. “Em geral, a criança apresenta falta de tempo para fazer o dever de casa, falta de vivência na questão do brincar e do esporte”, explica Lima.
Dentro da sala de aula, há outros sinais ainda aos quais o educador deve ficar atento. “Com um olhar mais preocupado o professor pode perceber, por exemplo, que, entre os alunos, tem sempre um mais quieto, que está sempre sonolento”, relata Rezende. “A criança em situação de trabalho infantil apresenta cansaço, muitos não conseguem prestar atenção”, conta o procurador do trabalho. “Outro caso é uma criança que está com dores incomuns, dores nas costas, nas pernas, e que, por exemplo, nunca quer jogar bola”, exemplifica o coordenador do ECTI.
Além de dores e cansaço, crianças que trabalham costumam trazer no corpo marcas e machucados, já que nessa idade nem sempre há a habilidade necessária para manusear determinados produtos e nem as ferramentas de trabalho, uma vez que foram pensadas para adultos. “Outro sinal incomum, é o de um menino que tem sempre as mãos machucadas, tem as mãos sofridas, que é a mão de quem trabalha muito e não de uma criança”, analisa Rezende. Já Antonio Lima complementa, “tem sinais físicos que decorrem das lesões causadas pelo trabalho, as mãos das crianças com calos, por puxar uma enxada ou usar ferramentas de trabalho impróprias, e as marcas de acidente”.
Diante da identificação de um aluno que trabalha, a escola deve encaminhar o caso para a rede de atendimento a fim de que seja realizada uma ação junto à família e à criança para retirá-la do trabalho infantil. “O caminho para fazer isso é a secretaria de educação. A escola faz um encaminhamento para a secretaria e ela, junto à rede de atendimento, lida com a questão. A ideia é que seja um trabalho intersetorial, junto à assistência social, à saúde e demais áreas”, explica o procurador. Ele afirma ainda que, se a secretaria não possuir esse trabalho, a escola pode entrar em contato diretamente com o conselho tutelar. “Às vezes, o professor fica preocupado de se envolver com isso. É legal explicar que é a escola que tem que fazer esse encaminhamento, com ofício assinado pelo diretor, e não o professor diretamente”, esclarece Propercio Rezende.
Outras formas de atuação
Além de agir diretamente nos casos de alunos que trabalham, as escolas podem contribuir de diferentes maneiras no combate ao trabalho infantil. A escola é vista pelos entrevistados como um espaço privilegiado para desconstruir a questão cultural que admite e até incentiva crianças e adolescentes a trabalhar. Tanto o curso online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil, quanto o Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca), ligado ao MPT, buscam levar às salas de aula a temática para discussão e conscientização.
“Se o aluno debater, ler um texto ou fizer um trabalho junto dos colegas, ele vai crescer sem fortalecer essa cultura de que o trabalho é bom. Você vai ter adultos que não têm essa cultura de aceitação de trabalho infantil, eles crescem entendendo que essa cultura de aceitação é equivocada”, explica o coordenador do ECTI. Rezende ainda completa: “Além de trabalhar a questão com os próprios alunos, a escola pode falar com os pais e até levar a questão para a comunidade”.
Para o procurador Antonio Lima é relevante levar a questão aos adultos, “é importante um trabalho de conscientização das crianças, adolescentes e, ainda mais, dos pais”. “Essa é uma das grandes dificuldades que encontramos em nossa atuação, que é quando os pais acham que isso é normal, faz parte da história”, relata Lima.
Outra maneira de participação das escolas nesse processo vem da experiência do Peteca, que traz uma iniciativa em que as escolas sondam o contexto dos alunos e encaminham para a rede de atendimento. “Várias escolas realizam uma pesquisa para identificar crianças em situação de trabalho infantil e em que contexto. Com base nesse instrumental, o município consegue fazer uma verificação dessas regiões com mais ocorrências de trabalho infantil”, diz Lima.
O procurador do MPT é categórico em afirmar a importância da educação e da escola para lidar com a questão do trabalho precoce, “a educação é a resposta certa para o trabalho infantil, na medida em que assegura direitos e proteção. A violação de direitos ocorre nos espaços em que não há proteção, não há política de atendimento. Quando ampliamos os espaços de proteção, a violação diminui – e o contrário também é verdadeiro”.