Especialistas mostram caminhos para incentivar a leitura no país.
Em um país que pouco lê, o futuro entre o digital e o impresso pode ajudar na formação dos leitores.
A criança queria um livro grande, não servia outro. Os olhos varreram as estantes até que, por fim, ela encontrou o que desejava: um exemplar volumoso e de lombada grossa. O colocou no chão e se poderia pensar que o fazia para ler mais confortavelmente. Mas não – a criança acomodou-se em cima do livro, querendo apenas um lugar para sentar onde não fosse se sujar. O livro permaneceu dormente e intocado, qualquer que fosse sua história não dividida.
A micronarrativa acima é real, e foi presenciada pela pedagoga e psicóloga Márcia Wada. Simbólica, a imagem diz muita de uma cultura de não-leitura brasileira: segundo a pesquisa Retratos de Leitura, realizada a cada quatro anos pelo Instituto Pró-Livro e IBOPE, 85% dos brasileiros considera assistir televisão a melhor forma de passar o tempo livre, enquanto apenas 28% escolhe ler. A média de livros lidos nos últimos três meses é de 1,85, e a do ano também é baixa: são 4 livros por habitante/ano, sendo somente 2,1 lidos desses livros lidos por inteiro.
“Você nunca vai encontrar alguém que diga que a leitura não é importante, pelo contrário, todos afirmam que é. Encontrar leitores é bem mais difícil”, explica Márcia Wada, coordenadora do projeto de incentivo à leitura A Cor da Letra. Para ela, o imaginário de que ler é um hábito saudável está posto, mas as pessoas não conseguem transportar o ato para rotina, nem perceber que ele se estende para além de leitura de um livro – uma boa leitura facilita aspectos práticos e subjetivos do cotidiano, desde localizar-se geograficamente, ler um artigo complexo na internet ou aproveitar um filme.
Ainda que o imaginário positivo da leitura exista, são os exemplos táteis e próximos que multiplicam o costume de se abrir um livro. Se crianças e adolescentes não são expostos um ambiente em que seus pais leiam, ou se em seus lares não há contação de histórias, eles não têm referências de leitura, e nem a consideram como entretenimento. “O pai e mãe sentem a importância da leitura como objeto educacional, pensando que se o filho ler ele vai ter um bom futuro profissional. Não pensam no livro como arte nem como prazer”, explica a contadora de histórias Benita Prieto.
Para vislumbrar a abertura de mais livros e encantamentos, Márcia e Benita são unânimes: é necessário formar mediadores de leitura, leitores que folheiem e estejam dispostos a passar seus hábitos para os mais jovens. De nada adianta que o mercado editorial conheça um boom de vendas se a leitura não penetra verdadeiramente seus compradores. “Se as editoras houvessem investido na formação de mediadores de leitura tanto quanto no mercado teríamos um índice maior de leitura no Brasil”, sentencia Benita.
A Cor da Letra trabalha com implementação de projetos personalizados de leitura, tanto para escolas quanto para ambientes corporativos, além de formação de mediadores de leitura e projetos que incentivem o hábito – todas as atividades baseadas na importância da leitura como introdução ao universo da linguagem e seus desdobramentos na formação do indivíduo. A literatura é a ferramenta utilizada para aprimorar a narrativa da escrita. “A literatura abre um tempo para entrarmos uma linguagem que muitas vezes não é desse tempo e nem dessa linguagem, para conhecer o que pensamos e o que o outro pensa. Abrimos espaços no cotidiano para conversar sobre coisas que não são do fazer, mas e sim do pensar”.
Benita abraçou a tecnologia como ferramenta capaz de despertar o interesse em leitores mais jovens e ávidos consumidores de smartphones e tablets. O projeto “Leitura Digital, Leitura sem Fronteiras”, trabalha a partir desses dispositivos para incentivar a leitura vertical e a possibilidade de criação de conteúdo com aplicativos online. “Falamos para crianças e adolescentes que podem escrever livros, contar uma história para seus amigos e criar projetos de leitura que envolvem sonoridade e ilustração. Damos uma gama de possibilidade para que percebam o quanto a literatura se enriquece nesses dispositivos”, relata Benita.
A contadora de histórias vê com o otimismo as movimentações literárias que acontecem no Brasil, fato que credita principalmente a jovens que não repetem os hábitos dos pais. “É uma falácia dizer que os jovens estão lendo pouco. Vejam os YouTubers, a produção literária de blogs, os autores de Fanficton. Eles estão lendo e também estão produzindo”, ela finaliza. Está nas mãos deles e sua habilidade de transitar entre o digital e o impresso o futuro do Brasil como país leitor.