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Conversamos com o escritor Mailson Furtado Viana, vencedor da categoria “Livro do Ano” com a obra “À Cidade”, feita de maneira independente. Confira a entrevista!

Conversamos com o escritor Mailson Furtado Viana, vencedor da categoria “Livro do Ano” com a obra “À Cidade”, feita de maneira independente.

Quando chegou a São Paulo para participar da cerimônia de entrega do 60º Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da literatura nacional, o escritor independente, Mailson Furtado Viana, de 27 anos, nem imaginava o que estava para acontecer. Além de receber o troféu na categoria Poesia, o diretor de teatro e dentista, que vive no município de Cariré (CE), viu sua obra À Cidade ser anunciada no palco como o Livro do Ano.

A obra foi totalmente feita à mão, de forma independente, incluindo a imagem de capa. O poema-título tem mais de 60 páginas e relata a vida nas cidades do interior do Ceará.

Funcionário público da cidade vizinha de Reriutaba, Mailson é filho de um agricultor e de uma dona de casa. Desde que se consagrou ganhador do Prêmio Jabuti, o escritor teve que adaptar seu trabalho como dentista. “Precisei abrir mão de alguns horários na agenda”, comenta aos risos.

Batemos um papo com Mailson para saber um pouco mais sobre suas inspirações e a perspectiva de futuro no mercado editorial. Confira a seguir:

Quando a escrita surgiu na sua vida?

Mailson Furtado Viana: Foi ainda na adolescência quando eu e mais uns amigos da escola, todos com uns 14 ou 15 anos, montamos um grupo de estudo. Aí, me veio a paixão por poesia. Nos reuníamos para falar de filosofia, escrita, teatro e arte de forma geral. E estamos juntos até hoje. Eu escrevia muitas letras de música, mas não tocava e nem tinha amigos que tocavam. Quando percebi, fui criando outros tipos de versos e buscando outras formas de escrever.

Você se surpreendeu com a escolha do júri na categoria do ano?

Mailson Furtado Viana: Eu me surpreendi demais. Eu fiquei extasiado só de ser finalista da categoria de poesia. Não cheguei a cogitar nem um instante que ganharia. Antes do prêmio, eu lia as matérias de favoritos ao título e tudo indicava que os ganhadores seriam romances ou contos. E ninguém apostava na poesia. Desde 1990 isso não acontecia. É muito raro uma obra de poesia ser premiada, até pelo mercado mesmo. E isso me deixou duplamente feliz. Eu fui chamado no palco para receber o de livro do ano e não estava nem entendendo que eu ganhei o primeiro. Estava ainda comemorando.

O que já mudou na sua vida, após receber o prêmio Jabuti?

Mailson Furtado Viana: A rotina virou de cabeça para baixo. Eu precisei reduzir minha carga horária de dentista pela metade, para poder dar conta. E está sendo muito bacana ver as pessoas reconhecendo esse título. Ver amigos meus que voltaram a escrever, por exemplo, a acreditarem na arte, isso é muito recompensador. Na minha região, o Ceará, tenho recebido muita energia por onde tenho passado.

De onde vem sua inspiração?

Mailson Furtado Viana: Eu fujo do clichê de regionalismo que se aborda normalmente. Eu falo muito do ambiente em que eu vivo e de questões cotidianas. À Cidade tem um toque mais regional, mas não considero minha obra regionalista.
“Meu lugar é minha fonte de inspiração. E é a visão de uma cidade do interior do sertão, mas muito influenciada pelas questões da urbanidade, das tecnologias e da comunicação. E essa construção de cidade em transição, nem rural e nem urbana que me atrai, por isso escrevo”.

Capa do livro “À Cidade”, vencedor do Prêmio Jabuti

Como surgiu a ideia de escrever À Cidade?

Mailson Furtado Viana: À Cidade é meu quarto livro. Foi um trabalho totalmente inovador para mim e único em relação aos outros que já havia feito. Antes eu escrevia mais poesias curtas e visuais. E À Cidade é um poema único, que foi escrito em uma tacada só. Foi uma experiência visceral. A obra ficou me consumindo e até hoje eu não consegui entender muito bem esse processo. Isso me marcou demais. Por isso, a considero como meu primeiro livro maduro.

O que seria esse “processo visceral”? 

Mailson Furtado Viana: Foi pela forma que veio me pedindo para sair. E como saiu mesmo. Teve que sair. Eu não sosseguei o juízo até isso tudo sair de dentro de mim. Ou saía ou eu ia ficar doido (risos). Eu andava nas ruas com poema na cabeça. Ia para a padaria falando os versos. Foram 20 dias muito intensos. Só deu para sossegar depois que terminou. Parecia que eu tinha conseguido por para fora tudo que estava dentro de mim. Era uma mensagem que precisava ser dita.

E na sequência, você adaptou muito?

Mailson Furtado Viana: Depois disso, passei mais de um ano lapidando o que escrevi, mandei para muita gente. Terminei em novembro de 2015 e só foi publicado em abril de 2017. Pedi muita opinião. A maioria não me respondeu. Mas o que tive de retorno, foi muito bom. Essa participação, eu trago muito do teatro. Por ser algo pensado no coletivo e contar com uma visão externa. Fiz questão de dividir e de uma forma muito coletiva ele foi criado.

Levou muitos não nesse processo?

Mailson Furtado Viana: Como eu já estava no quarto livro, me senti mais calejado de ouvir alguns nãos, dessa vez. No primeiro eu sofri muito. Mas agora foi mais tranquilo. Foram desde editoras maiores a menores. Tentei editais também. Mas dessa vez teve menos peso. E eu fiz totalmente independente por isso também. A primeira tiragem tinha 300 cópias. Agora, depois do prêmio, fiz uma tiragem de 5.000. A procura está muito grande. Mando para livrarias, pelo correio. Estou aprendendo também a olhar outras questões de publicação, como essa, por exemplo, de distribuição. Eu e minha esposa estamos aprendendo muito nesse sentido.

Quando decidiu seguir o caminho independente para a publicação?

Mailson Furtado Viana: A independência é uma decisão que eu tomei também por conta da própria obra. Eu decidi seguir, mas não sei como vai ficar. Eu estou feliz por poder trazer, inclusive, uma discussão sobre a literatura independente e a produção da forma tradicional. É de fundamental importância que a gente possa repensar os caminhos no nosso mercado e da leitura no país, para que a gente possa crescer juntos. A união e a discussão coletiva sobre esse assunto vão somar para todo mundo.

“Eu estou feliz por poder trazer uma discussão sobre a literatura independente e a produção da forma tradicional. É de fundamental importância que a gente possa repensar os caminhos no nosso mercado editorial no país, para que a gente possa crescer juntos. A união e a discussão coletiva sobre esse assunto vão somar para todo mundo”.

Empreender é um caminho para o mercado da literatura?

Mailson Furtado Viana: Acredito muito que faz sentido empreender nesse mercado editorial. E o prêmio trouxe isso também. Veio para fortalecer essa ideia. É preciso acreditar bastante. E trabalhar também, para prezar a qualidade. Na forma de mercado independente, infelizmente, nem sempre se preza a qualidade. E acabamos encontrando coisas com baixa qualidade por diversas razões. Eu acho que como no meu exemplo e na maioria dos autores que eu conheço, é um mercado promissor e um grande caminho.

Em um universo cada vez mais digital, como você vê que a literatura, feita de forma “artesanal”, como você fez, pode ter espaço?

Mailson Furtado Viana: Existiu todo um trabalho de manufatura para fazer À  Cidade. Mas ele também foi totalmente inserido dentro do universo digital. Tem essa mistura dos dois. E eu sempre falo: se a obra tiver qualidade, não importa onde e o que ela esteja usando, ela vai acontecer. Essa construção a mão aconteceu, mas a diagramação e o projeto gráfico foram realizados em programas digitais. E depois teve um trabalho em mídias digitais. Não tem como fugir de tecnologia hoje não. São coisas que somam. Vamos trabalhar juntos, sempre prezando pela qualidade.

Quais são os planos agora para novas publicações? 

Mailson Furtado Viana: Estou lançando um novo livro que se chama Passeio pelas ruas de mim e de (outros). Eu já tinha acabado À Cidade havia um bom tempo e esse trabalho estava encaminhado. Calhou de ser bem na época do Jabuti. Lancei agora no final de novembro. É bem diferente na linguagem que eu usei em À Cidade. Ele é muito inspirado na minha visão de teatro.

Você trabalha com teatro e música. Como é essa rotina na sua cidade?

Mailson Furtado Viana: Eu pretendo continuar seguindo o caminho independente. Eu tenho um trabalho grande com arte, um espaço voltado para arte, teatro, uma biblioteca comunitária. Tem tudo a ver com o que eu acredito.

Você se vê sendo um estimulo para crianças e jovens de sua cidade?

Mailson Furtado Viana: Eu estou muito feliz com isso. Recebo muitas fotos e mensagens de crianças e jovens lendo o livro nas escolas, em grupos de amigos. E isso me enche de esperança e inspiração. Me emociona demais porque foi a forma que eu comecei. Eu tenho esse sonho utópico, desde quando comecei a me reunir com o grupo de amigos. De querer mudar o mundo. E eu mantenho um pouco dessa utopia até hoje. E quando vejo isso tudo acontecendo, eu me convenço um pouco de que estou no caminho certo.

“Eu mantenho a utopia de ainda querer mudar o mundo”, diz vencedor do Prêmio Jabuti
“Eu mantenho a utopia de ainda querer mudar o mundo”, diz vencedor do Prêmio Jabuti