Especialistas explicam como entender sobre o funcionamento do cérebro pode ajudar a tomar decisões na educação, além de discutir como a 4ª revolução industrial vai afetar a forma como ensinamos e aprendemos
A 4ª edição do Fórum Inovação Educativa, organizado pelo jornal Folha de S.Paulo em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, e que aconteceu no dia 13 de novembro, debateu temas como contribuições da neurociência para a educação, fundamentos da inovação educativa e aplicação de metodologias ativas. Além disso, teve momentos de muita emoção com o anúncio das equipes vencedoras do Desafio Inova Escola.
Renato Gasparetto, vice-presidente de relações institucionais da Vivo, abriu o evento e valorizou o espaço para reflexão, chamando a atenção para iniciativas de impacto que promovam inovação, como a parceria entre a Fundação Telefônica Vivo e a iniciativa 42 São Paulo, que democratiza o acesso à tecnologia e ao ensino de programação.
“Somos uma empresa que há 20 anos se preocupa com a questão da responsabilidade social. Em 2018, foram R$ 60 milhões investidos e 1,8 milhão de pessoas beneficiadas, principalmente educadores, jovens e crianças do ensino público. Inovação é promover o crescimento exponencial do conhecimento com ajuda da tecnologia, que também esteja a serviço de uma educação que impacte a vida e as comunidades em que vivemos”, afirmou.
Em palestra sobre como inovar para potencializar a aprendizagem, Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), defendeu iniciativas que contribuam para uma educação de qualidade para todos.
Em sua fala, a especialista, que também é integrante do conselho de administração da Telefônica Brasil, defendeu que é preciso saber o que se passa no cotidiano da sala de aula e que o Brasil precisa buscar equidade no ensino público, sem criar ilhas de excelência.
Somente assim será possível reverter o acúmulo de insuficiências – como ter apenas 21,9% dos alunos saídos do Ensino Médio com conhecimento considerado suficiente em Português, caindo para 9,1% em matemática, segundo dados mostrados pela especialista em sua apresentação. Para ela, isso fica ainda mais urgente no contexto da 4ª Revolução Industrial, que já automatiza e robotiza funções, extinguindo postos de trabalho.
“A inteligência artificial demanda competências diferentes, e isso já vai começar a aparecer no PISA, por exemplo. Cultura digital vai ser importante no mundo, não só na escola, assim como competências socioemocionais”, ressaltou Claudia Costin, lembrando que os próximos resultados do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) devem ser divulgados no início de dezembro.
“É preciso dar protagonismo ao aluno para que ele seja empreendedor da própria vida e ensinar sobre vulnerabilidade, resiliência e erros como formas de superar adversidades. Sonho com uma escola que forme cidadãos globais, com alunos e professores trabalhando em colaboração, na qual o conhecimento não esteja fragmentado, e que ensine a pensar”, afirmou.
Reconhecendo educadores que inovam
Durante o evento, o Desafio Inova Escola, iniciativa que integra o ProFuturo, programa de educação global da Fundação Telefônica Vivo e da Fundação ”la Caixa”, anunciou seus vencedores: cinco destaques nacionais e cinco projetos de inovação escolhidos por votação popular.
Em um momento de muita emoção, o colunista e apresentador Marcelo Tas chamou ao palco os dez educadores que foram reconhecidos pelos planos de inovação criados para suas escolas. “É muito legal ver especialistas falando de inovação e educação, pois tenho certeza que na era digital o professor será consagrado como um mediador e uma referência diante de tanta informação. Temos necessidade de uma mudança de mentalidade, o grande desafio é esse. Vocês são realizadores e farão a educação no Brasil melhorar!”, discursou o apresentador.
Leia mais sobre os vencedores do Desafio Inova Escola!
A neurociência na educação
Quando associada à educação, a neurociência pode ajudar a entender muitas questões relacionadas ao ensino, desde a importância de mudar o horário de estudo dos jovens até a valorização de matérias que contribuem com o desenvolvimento humano, como artes e educação física.
Guilherme Brockington, doutor em educação e professor da Universidade Federal do ABC, disse que a neurociência é capaz de ajudar a repensar a estrutura da escola. “O desenvolvimento cognitivo se dá com a interação entre as pessoas. A neurociência explica muitas coisas, como o poder da emoção e a relação entre o exercício da aula de educação física e a melhora na aprendizagem. Seria importante o professor ser capacitados para ler emoções e entender que não há dualismo que separe a emoção do processo de adquirir conhecimento. Poderíamos ensinar crianças a desenvolverem funções executivas (habilidades cognitivas necessárias para controlar nossos pensamentos, emoções e ações). Saber o que se passa no corpo delas seria um ganho definitivo”.
Para Ramon Cosenza, coordenador do programa de pós-graduação em neuropsicologia na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, a tecnologia pode trazer problemas a um sistema educacional que data da revolução industrial de 300 anos atrás. “Em menos de um minuto nos cansamos de navegar em um assunto na internet e passamos a buscar outra coisa. Para raciocinar criticamente é preciso prestar atenção, e a sociedade moderna vive uma epidemia de desatenção”, ponderou.
Olhar para a ancestralidade
A experiência de uma escola em que os próprios alunos fazem escolhas narradas pelo escritor e pedagogo Tolstói; a importância de Anísio Teixeira para a educação brasileira; o pioneirismo de Célestin Freinet com a educação popular e os ensinamentos de Gandhi foram alguns exemplos que permearam as reflexões levantadas no painel que buscou resgatar pensadores sobre inovação na educação.
Para o doutor em educação e professor da USP Marcos Ferreira-Santos, é preciso olhar para os fundamentos e repensar todo o sistema, se aproximar do dia a dia dos educadores e valorizar formas diferentes de ensinar, usando mais ensinamentos ancestrais, de povos como iorubas e guaranis, de conexão com a natureza, de convivência e ensinamento ao ar livre, de valorização da escuta.
“Por que não conversamos sobre a reforma do pensamento? A gente deveria estar ao ar livre, conversando em roda. Um pouco de reflexão pode oxigenar e ajudar a entender o que fazer com esses espaços escolares. A primeira coisa é acabar com esses espaços caixote, com as baias que padronizam todos”, refletiu.
Colocando a inovação em prática
No painel que trouxe a discussão sobre aplicação de metodologias ativas, Julia Pinheiro Andrade, mestre em filosofia da educação e professora nos institutos Singularidades e Vera Cruz, recusou a ideia de extinguir as aulas expositivas da sala de aula, mas afirmou que é preciso valorizar novas formas de ensinar, abraçando a tecnologia.
Ela também falou sobre a importância do letramento tecnológico, que permite, por exemplo, entender como é feito um algoritmo: “Precisamos de métodos ativos para transferir o conhecimento da sala para a vida. Precisamos de estudantes e professores pensando em como transformar o entorno usando visão sistêmica, aprendendo a trabalhar em pares, porque nenhum problema se resolve sozinho”.
Para Marcelo Veras, presidente do Instituto Brasileiro de Formação de Educadores da Unità Faculdade, em Campinas (SP), a quarta Revolução Industrial vai fazer uma mudança radical na formação dos professores, que hoje saem da faculdade com dificuldade de entender que o método é apenas o caminho para ensinar.
“Falar de educação na próxima década sem tecnologia será a mesma coisa que falar de futebol sem bola. A discussão é como trazer o celular para a sala de aula e não ficar apenas observando isso”.
A voz dos jovens
Para encerrar o evento, o colunista e apresentador Marcelo Tas comandou uma roda de conversa com jovens estudantes de escolas públicas da periferia de São Paulo e de cidades como Cuiabá (MT) e Araguatins (TO), que compartilharam um pouco sobre suas realidades.
“Falar de tecnologia ou robótica ainda é muito distante para um aluno que não tem acesso nem a sala de leitura. Na minha escola, juntamos grupo de amigos para montar um sistema de empréstimo no caderno mesmo e começamos a realizar saraus. Até os professores começaram a levar livros para casa”, contou Karen Samyra, 17 anos, estudante de escola de São Miguel Paulista (Zona Leste de São Paulo) e cofundadora da Cia. EmQuadro, que discute teatro, performances artísticas e oficinas com temas como a violência doméstica.
Já para Iversson Natan da Silva Santos, 17 anos, estudante e poeta, a tecnologia significa uma quebra de padrão. “Trabalho no Instituto Acaia, que é um ateliê de arte e xilogravura. Eu ia pra lá fazer reforço de matemática, eles falavam sobre sarau e foi assim que eu descobri que sabia rimar. Vim de Alagoas e lá tem muito cordel, viola. Sou repentista e hoje dou aula para o terceiro e quinto ano e faço poesia em sala de aula”, disse.
Isabela Gonsalves de França, 13 anos, aluna de Carapicuíba (Grande São Paulo), foi uma das primeiras crianças transexuais a receber terapia hormonal no ambulatório do Hospital das Clínicas, na capital, e trouxe o tema da diversidade. “Lidar com isso no começo foi desafiador, porque tinha medo de perder meus amigos. Os olhares ainda não são bons. Este ano um professor falou que eu era trans para ficar mais perto das meninas, outra professora acha que sou deficiente por ser trans”, relatou.
Tas, que tem um filho transexual, ressaltou a coragem da jovem e disse que a transexualidade não é uma novidade. “O novo é que falamos sobre isso hoje em dia. Temos de aprender muito sobre diversidade”, concluiu.