Com clube de experiências para geração 60+, a startup proporciona atividades que quebram a rotina, proporcionam qualidade de vida e conexão, e estimulam o desenvolvimento de novas habilidades
Um grupo de idosos de Maceió, no Alagoas, está provando que não falta disposição e engajamento com experiências das mais variadas possíveis, como aula de culinária, arte-terapia com foco em sustentabilidade, oficinas de organização pessoal e de maquiagem para pele madura, além de clube da leitura e caminhada turística.
“Até sessão de crossfit adaptado a gente já fez”, conta a psicóloga Vanessa Fagá Rocha, que junto com a sócia e arquiteta Evelyne Cruz, criou o Clube Vida Criativa, uma iniciativa que oferece mensalmente pacotes de experiências diferenciadas para a geração 60+, com foco em promoção de bem-estar e vida saudável, ocupação criativa e direito à cidade.
A ideia veio de uma vontade antiga de empreender das sócias – Vanessa, inclusive, trabalhou mais de vinte anos como consultora do Sebrae em economia criativa – aliado ao diagnóstico de que a população brasileira está envelhecendo e, com isso, surgem demandas por um olhar cuidadoso e inclusivo para essa faixa-etária.
Um levantamento recente do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) mostrou que mais de 10% dos brasileiros têm 65 anos ou mais, em 2012 a porcentagem era de 8,8%.
“A primeira inspiração foram nossas mães e pais, que embora tenham mais de 60 anos e alguns declínios cognitivos, ainda são pessoas extremamente ativas. Para os que já aposentaram, notamos que sobrava vontade de fazer coisas, mas faltavam atividades significativas para preencher os dias”, relata Vanessa. O jeito foi criar um clube de experiências itinerantes que os estimulam a sair da rotina, exercitar corpo e mente e ainda estreitar laços com outros participantes.
Ocupação criativa
Uma das maiores bandeiras do clube de experiências é oferecer ocupação criativa para idosos, com atividades que vão além das que normalmente são ofertadas à faixa-etária e com um novo olhar para esta geração. “A gente aprende que criatividade deve ser trabalhada em crianças e adolescentes ou até em adultos, mas os idosos são sempre deixados de lado”.
“Ocupação criativa é promover atividades que realmente gerem valor para eles e que, ao mesmo tempo, desperte um novo olhar para a população idosa, mostrando para eles mesmos e para outros que eles têm capacidade de criar, de aprender e de se reinventar”, explica Vanessa.
A memória é outro foco das empreendedoras. Vanessa buscou em seus estudos de psicologia e de processos cognitivos dos idosos algumas ferramentas para trabalhar a memorização e atenção concentrada.
“Pesquisas mostraram que o medo de boa parte da população ao envelhecer é o esquecimento. Criei uma série de oficinas que trabalham a cognição, mas ao mesmo tempo desmistificam essa ideia de que o esquecimento, quando acontece, é sempre sinal de declínio. Muitas vezes tem mais a ver com a forma como levamos nossas vidas, num mundo conectado e que exige que nossa atenção se divida.”
Para além de uma questão de autoestima e valorização da geração 60+, as empreendedoras garantem que quem participa do clube também constrói vínculos importantes que podem ser processos poderosos para superação de doenças, solidão, depressão, falecimento de cônjuges ou parentes próximos, problemas comuns para a faixa-etária.
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Rede de inclusão
Lançado em agosto de 2019, o Clube Vida Criativa já conta com 78 participantes ativos (93% são mulheres) e mais de 170 beneficiados pelas atividades organizadas pelo grupo. É possível integrar o clube, comprar atividades avulsas ou participar de eventos gratuitos que as empreendedoras eventualmente organizam.
Em um deles, em outubro de 2019, mais de 150 idosos participaram de uma caminhada guiada pela cidade de Maceió para o plantio de flores. As empreendedoras conseguiram mobilizar patrocinadores e tiveram apoio da Prefeitura.
Para promover ainda mais esse olhar cuidadoso sobre os direitos e a inclusão dos idosos, a startup também faz curadoria de serviços de qualidade para idosos e tem um guia com restaurantes, academias, fisioterapeutas, lojas de roupa, agência de turismo, supermercados e outros serviços que oferecem um trabalho atencioso e qualificado para o público.
“Um dos nossos objetivos é construir uma rede de serviços para esse público, sabendo que não é qualquer negócio que pode entrar. É preciso verdadeiro interesse de ofertar um serviço de qualidade para a geração 60+ e saber respeitá-los, entender suas demandas, saber que eles não gostam de ser tratados como criança, mas que precisam de atenção”, conta Vanessa.
Atualmente, o guia de serviços foi suspenso e as atividades foram transformadas durante o período da pandemia causada pelo novo coronavírus, mais letal para a população idosa. Como a prioridade agora é justamente ficar em casa, as empreendedoras estão apostando em lives constantes para estreitar as conexões, mesmo que à distância.
A troca de conhecimentos também não parou: os integrantes do clube já participaram de oficinas para aprender a usar as plataformas Zoom e Instagram, considerando cuidados com exposição online. “Já trouxemos bate-papos virtuais com fisioterapeutas, consultores de moda e estilo e alguns exercícios cognitivos. Também nos oferecemos para fazer as compras em supermercado e farmácia para que eles não saiam de casa”, relata Vanessa.
Uma data especial
Dia 15 de junho é celebrado o Dia Mundial da Conscientização Contra o Abuso de Idosos, instituído pela Organização das Nações Unidas para dar visibilidade a iniciativas que buscam promover as políticas públicas de enfrentamento aos casos de violência de idosos, além de valorizar os direitos dessa população a uma vida saudável, ao respeito, bem-estar, inclusão e participação social.
“Quando se fala em envelhecer bem, as pessoas normalmente pensam em cuidar do corpo e da aparência, mas se esquecem de que é preciso muita preparação emocional para essa fase da vida. Também são fundamentais políticas públicas que atuem na promoção da inclusão do idoso na sociedade”, reforça a empreendedora. “Que essa data sirva para despertar esse senso de cuidado e respeito com a geração 60+”, reflete Vanessa Fagá.