O médico Gabriel Liguori, de 26 anos, quer criar um coração bioartificial até 2030 usando impressão 3D
O médico Gabriel Liguori, de 26 anos, quer criar um coração bioartificial até 2030 usando impressão 3D
“A frente do seu tempo”. Se a expressão define ideias inovadoras e pessoas criativas, desbravadoras, vanguardistas, podemos dizer que o jovem médico Gabriel Liguori é uma delas. Aos 26 anos, ele já persegue um grande objetivo: quer usar a impressão 3D para imprimir órgãos artificiais em laboratório. Parece futurista, mas ele garante que não: “Era possível pensar essa pesquisa 30 anos atrás, assim como hoje é possível pensar em carros que voam ou na colonização de Marte. De forma geral, os cientistas costumam ter uma boa ideia do que está por vir, a dificuldade é fazer com que essas previsões se tornem realidade em um curto espaço de tempo”.
Neste momento, como bolsista da Fundação Estudar, que apoia a formação de jovens que desejam seguir uma trajetória de impacto, Gabriel desenvolve seu doutorado na Universidade de Groningen, na Holanda. Ele está trabalhando para garantir o amadurecimento desta nova tecnologia e trazê-la ao país. “Primeiramente, tecidos mais simples, como vasos e valvas, devem ser aperfeiçoados. Outros desafios maiores, como a vascularização do tecido miocárdico e os mecanismos de condução elétrica no coração bioartificial, ainda deverão ser estudados e tudo deverá ser integrado para que possamos, no futuro, criar um órgão completo e funcional”.
A sua relação com a Medicina, no entanto, é ainda mais remota. Aos 2 anos de vida, ele teve seu próprio coração operado para tratar uma cardiopatia congênita. Entre as idas e vindas do hospital, o que poderia ter se tornado um trauma virou paixão. Formou-se pela Universidade de São Paulo, fez curso em Harvard, estagiou em Boston, em Londres e em Maastricht. “Hoje”, diz o jovem médico, “a Ciência é muito mais dinâmica e evolui exponencialmente, mas não é preciso ser nenhum gênio ou ter acesso a recursos de última geração para se fazer Ciência, basta começar a se questionar – e ir atrás das respostas – por exemplo, sobre o que podemos fazer para melhorar a vida das pessoas”.
Confira os principais trechos da entrevista:
Seria possível pensar a sua pesquisa 30 anos atrás, quando você mesmo teve o próprio coração operado? Se puder, comente o papel da tecnologia no seu campo de trabalho.
A resposta curta para essa pergunta seria sim. Era possível pensar nessa pesquisa há 30 anos, assim como hoje é possível pensar em carros que voam ou na colonização de Marte. De forma geral, os cientistas costumam ter uma boa ideia do que está por vir, a dificuldade é fazer com que essas previsões se tornem realidade em um curto espaço de tempo. Toda nova tecnologia passa por fases de maturação, desde a primeira vez em que vislumbramos sua existência até a adoção pelo público. A impressão 3D tradicional, por exemplo, é algo que já existe desde a década de 80, mas foram necessários 30 anos de evolução na capacidade de processamento dos computadores para que se tornasse acessível ao público. Hoje, enfrentamos novos obstáculos, desta vez no campo da biologia celular e da ciência de materiais, para alcançar, daqui a talvez 15 anos, o grande objetivo de imprimir órgãos em laboratório.
Como estimou o prazo de 15 anos para entregar um coração bioartificial?
Afirmar com precisão uma data na qual venceremos esses desafios e conseguiremos construir um coração bioartificial é uma tarefa que acredito não estar ao alcance humano. Mas é senso comum na comunidade científica que a bioimpressão deverá evoluir até alcançar seu ponto máximo de expectativa por volta de 2025, sendo que nos anos seguintes suas aplicações deverão começar vir a público. Deveremos, então, começar a ver uma série de trials (testes) utilizando tecidos ou órgãos bioimpressos. Aquelas alternativas que comprovarem seu potencial deverão passar a fazer parte da rotina nos centros médicos ao redor do mundo. Ao contrário do que se vê nas áreas da engenharia e da computação, a evolução das tecnologias nas ciências da vida, especialmente na medicina, é um processo longo e cheio de obstáculos éticos e legais.
Qual é a sua visão do espaço que se dedica no Brasil para o desenvolvimento da ciência?
Minha visão sobre como o Brasil valoriza a Ciência dificilmente poderia ser mais crítica. Ciência é algo que começa na escola, quando ainda somos muito pequenos, e está dentro de cada disciplina, da Matemática à Geografia. Assim, não é difícil entender porque o país produz tão pouco em Ciência, se voltarmos nosso olhar ainda para a educação básica: temos um dos piores desempenhos escolares do mundo!
Uma alternativa para a crise na Ciência brasileira seria aproximar as iniciativas públicas e privadas, de maneira que empresas interessadas nos avanços tecnológicos desenvolvidos nas Universidades pudessem investir nesses projetos. Entretanto, o Brasil ainda é um país que enxerga a iniciativa privada como vilã e possui uma série de burocracias e regulamentações que a afastam dos pesquisadores e centros universitários.
É verdade que Charles Darwin e mecânica quântica eram suas leituras de férias? Quais dessas ou outras referências foram marcantes para as escolhas que fez até hoje?
Sempre gostei de Ciência e sempre procurei ler um pouco de tudo sobre cada uma de suas diversas ramificações. Evolução das espécies e física moderna são apenas duas delas, mas acredito que o princípio básico das mais importantes teorias científicas deveriam ser de conhecimento geral da população.
Em relação às referências, é difícil apontar uma ou duas em específico, mas se eu fosse recomendar aos jovens de hoje alguma leitura para se iniciarem no mundo científico, recomendaria uma série de livros intitulada “Cientistas em 90 Minutos”. Trata-se de uma coleção na qual, em cada exemplar, um cientista tem suas teorias destrinchadas de maneira fácil e acessível ao público leigo.
Poderia deixar uma mensagem sobre como as ciências são importantes para transformar a vida das pessoas?
A Ciência é o que permitiu o homem deixar de ser um nômade caçador e tornar-se o que é hoje. Ciência não é só fazer experimentos em um laboratório, Ciência é questionar a natureza e procurar entender como (e quem sabe até porque) as coisas funcionam. A agricultura e a criação de animais são, por exemplo, algumas das primeiras manifestações do homem fazendo Ciência. Hoje, naturalmente, a Ciência é muito mais dinâmica e evolui exponencialmente, mas não é preciso ser nenhum gênio ou ter acesso a recursos de última geração para se fazer Ciência, basta começar a se questionar – e ir atrás das respostas – por exemplo, sobre o que podemos fazer para melhorar a vida das pessoas.