A primeira decisão que um grupo que decide formar uma organização da sociedade civil deve tomar é o tipo de formatação jurídica que sua organização adotará.
A primeira decisão que um grupo de pessoas que decide formar uma organização ou entidade da sociedade civil deve tomar é o tipo de formatação jurídica que sua organização adotará. Por vezes existem possibilidades e prós e contras devem ser analisados para a escolha do formato mais adequado ou vantajoso. As descrições abaixo buscam traçar um panorama das diferentes opções, de forma a facilitar tal escolha.
As Pessoas Jurídicas no Código Civil Brasileiro
O Código Civil brasileiro distingue as pessoas naturais, também chamadas de pessoas físicas, das pessoas jurídicas. A pessoa jurídica é a organização de pessoas físicas ou de um patrimônio para o alcance de um fim determinado. Este fim deve ser um objetivo lícito, ou seja, não proibido por lei.
As pessoas jurídicas podem ser de direito público (interno ou externo) ou de direito privado. As pessoas jurídicas de direito público interno são aquelas que em geral denominamos de entidades governamentais, que são a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias e as demais entidades criadas neste caráter por lei.
As pessoas jurídicas de direito público externo – externo é usado aqui no sentido de internacional – são os Estados estrangeiros e todas as demais pessoas regidas pelo direito internacional público, como os organismos internacionais (ONU e suas agências, por exemplo).
As pessoas jurídicas de direito privado. São instituídas por iniciativa de particulares, podendo ser subdivididas (nos termos do art. 17, § 2º, da Constituição Federal) em:
Pessoas jurídicas de direito privado:
• fundações;
• associações;
• sociedades;
• partidos políticos
Um contrato de sociedade é aquele em que as pessoas juntas se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica, partilhando, entre si, os resultados.
Assim como nas sociedades, as associações constituem um agrupamento de pessoas, com uma finalidade comum. No entanto, estas duas pessoas jurídicas se diferenciam porque as sociedades visam obter proveito econômico, ao passo que as associações perseguem a defesa de determinados interesses, sem ter o lucro como objetivo.
Pessoas podem reunir esforços ou recursos sem que tenham finalidade de obtenção de lucro para seus sócios e sim a busca de fins outros, como desenvolver ações de proteção do meio ambiente, desenvolver programas de alfabetização em comunidades carentes, etc. Essas entidades sem fins lucrativos constituem-se sob a forma de associações ou fundações.
E o que são institutos, ONGs, OSCIPs, etc?
Todas estas denominações referem-se a entidades de natureza privada sem fins lucrativos, que juridicamente são sempre associações ou fundações. Estas associações ou fundações, conforme o caso, podem pleitear a obtenção de determinados títulos ou qualificações do Poder Público. No entanto, sob o aspecto jurídico, a entidade é sempre uma associação ou fundação.
Associações
O Código Civil define associações como a “união de pessoas que se organizam para fins não econômicos” (art. 53). A Constituição Federal garante o direito à livre associação e proíbe o exercício de determinadas atividades descritas em lei, tais como as atividades de caráter paramilitar.
É importante dizer, no entanto, que não há vedação legal ao desempenho de atividades econômicas pela entidade, desde que as mesmas caracterizem-se como meios para atendimento de seus fins. Ela não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para manter ou aumentar seu patrimônio, desde que não propicie lucro aos associados.As
sim, associação é toda união de pessoas, promovida com um fim determinado, seja de ordem beneficente, literária, científica, artística, recreativa, desportiva ou política, que não tenha finalidade lucrativa. Sua finalidade pode ser altruística – como uma associação beneficente que atende a uma comunidade sem restrições qualificadas – ou não-altruística, no sentido de que se restringe a um grupo seleto e homogêneo de associados.
A constituição de uma associação ocorre por meio de seu Estatuto Social, um conjunto de cláusulas contratuais que relaciona a entidade com os seus fundadores, dirigentes e associados, atribuindo-lhes direitos e obrigações entre si.
Para que a associação adquira existência formal perante a lei (que chamamos de personalidade jurídica), é necessário o registro de seu estatuto social e de sua ata de fundação no Cartório de Títulos e Documentos de Pessoas Jurídicas. A partir do registro, a associação passa a possuir plena capacidade de direito, ou seja, ela possui personalidade jurídica e, portanto, a capacidade para contratar, empregar, etc., tornando-se um ator social que estará sujeito a direitos e obrigações.
Estes documentos são os necessários para a simples existência da associação, no entanto, para o exercício de suas atividades, a associação necessitará de diversos outros documentos como o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – o CNPJ, que corresponde ao CPF da pessoa física, e cadastros municipais, estaduais e federais que podem, inclusive, possibilitar à associação a solicitação de benefícios como a isenção de alguns impostos. Cada um destes documentos será analisado com detalhes neste site.
Fundações
O Código Civil, ao tratar das fundações, dispôs:
art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administra-la. Parágrafo único: A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.
Assim, fundação é a instituição que se forma ou se funda pela constituição de um patrimônio para servir a certo fim de utilidade pública ou atuar em benefício da sociedade. As fundações se caracterizam por seus fins de caridade ou beneficientes (seu objetivo principal), e pelo fato de ocorrer, com a sua instituição, uma personalidade patrimonial. Isso quer dizer que, diferente das associações, onde o núcleo central é o indivíduo, nas fundações o núcleo central é o patrimônio.
As fundações podem ser constituídas por indivíduos, por empresas ou pelo poder público. Neste último caso, temos as fundações públicas. É importante que exista uma declaração de vontade clara do fundador para a constituição da fundação, especificando os bens destinado a formar seu patrimônio e os seus fins. Essa declaração de vontade pode expressar-se, inclusive, por meio de um testamento.
O novo Código Civil determinou restrições às atividades de uma fundação. Pela lei, as fundações só podem ter fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Em geral, as fundações são administradas por um Conselho Curador (que decide em linhas gerais quanto à forma de atuação da fundação), o Conselho Administrativo ou Diretoria (órgão executor) e o Conselho Fiscal (que realiza o acompanhamento das contas da fundação).
Assim como as associações, as fundações são regidas por Estatutos, que se elaboram segundo as regras legais. O registro da fundação depende de autorização do Ministério Público para escritura definitiva em Tabelião de Notas e posterior registro no Cartório de Títulos e Documentos. Esta avaliação prévia pelo Ministério Público só é dispensada nos casos em que a fundação foi instituída por testamento. Durante toda a sua existência, que em regra é por tempo indeterminado, as atividades das fundações, que devem ser minuciosamente descritas no estatuto, estarão sujeitas ao controle do Ministério Público.
Assim como mencionamos quando falávamos acima sobre as associações, estes são apenas os primeiros passos para a criação e existência legal da fundação. Em seguida deve ela obter também o CNPJ, o registro municipal e outros registros específicos de acordo com sua área de atuação. Cada um destes documentos será analisado com detalhes neste site.
Alguns exemplos de fundação são a Fundação Bradesco, criada pelo banco Bradesco e dedicada ao desenvolvimento de projetos sociais, principalmente na área da educação. A Fundação das Nações Unidas foi criada por Ted Turner com o objetivo específico de apoiar e difundir o trabalho da ONU. A Fundação Telefônica, mantenedora deste portal, apóia projetos na área da proteção dos direitos da criança e do adolescente em todo o Brasil.
Quais as principais diferenças entre fundações e associações?
• As associações caracterizam-se como uma união de pessoas que se organizam para um determinado fim, enquanto na fundação o que se organiza é um conjunto de bens, caracterizando-se, portanto, pelo patrimônio que se destina a um objetivo determinado.
• Em decorrência disso, o patrimônio é uma exigência no momento da constituição das fundações, o que não ocorre com as associações.
• Tanto as fundações como as associações devem, ao serem criadas, indicar o fim a que se dedicarão. Esta finalidade, no caso das fundações, é permanente e deve seguir o determinado pelo fundador. Nas associações isso não ocorre, podendo os sócios alterar a finalidade institucional.
• O acompanhamento pelo Ministério Público das atividades da entidade está presente tanto nas fundações como nas associações. No entanto, esse controle se faz de forma muito mais acentuada no caso das fundações, existindo para elas inclusive a obrigação anual de remessa de relatórios contábeis e operacionais. Para as associações, de forma geral, esse acompanhamento ocorre de forma bastante fluida.
ONG, Instituição, Entidade e outros termos
Como já esclarecido, todas estas denominações referem-se a entidades de natureza privada sem fins lucrativos, que juridicamente são associações ou fundações. As denominações a seguir comentadas não são, portanto, denominações jurídicas, mas sim formas de auto-denominação de pessoas jurídicas utilizadas no dia a dia e, às vezes, na própria razão social (nome formal que consta dos estatuto social ou da escritura de instituição). Vale ressaltar, no entanto, tanto as associações, como as fundações são pessoas jurídicas de direito privado que desenvolvem atividades de caráter predominantemente público.
O Terceiro Setor
O nome Terceiro Setor indica os entes que estão situados entre os setores empresarial (primeiro setor) e estatal (segundo setor). Os entes que integram o Terceiro Setor são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração Pública, que não almejam entre seus objetivos sociais o lucro e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público.
As Organizações Não-Governamentais
No Brasil, o termo ONG – Organização Não-Governamental – refere-se a um tipo peculiar de organização. Trata-se de um agrupamento de pessoas, estruturado sob a forma de uma instituição da sociedade civil, que se declara sem fins lucrativos, tendo como objetivo lutar por causas coletivas e/ou apoiá-las.
As ONGs representam um novo espaço organizador da sociedade civil, de forma mais espontânea e menos burocratizada. São mecanismos fundamentais de construção da cidadania, atuando como agentes de fiscalização da sociedade civil sobre a sociedade política, no gerenciamento dos assuntos públicos. Mas é preciso ter cuidado, pois ao mesmo tempo, as ONGs podem também ser utilizadas como espaços para abrigar grupos de pressão e lobbies, interessados em lançar mão das verbas públicas, direcionando-as para interesses de minorias privilegiadas.
Instituições
Instituição é o próprio ato de estabelecer ou formar alguma coisa, para que se exercitem ou se cumpram as finalidades pretendidas ou as disposições impostas. Neste sentido, a instituição se apresenta como a fundação ou a criação de alguma coisa, com finalidades próprias e determinadas pela própria vontade criadora.
Em decorrência disso, “instituição” é uma expressão empregada para designar a própria corporação ou a organização instituída, não importa o fim a que se destine, isto é, econômico, religioso, educativo, cultural, etc. As instituições podem ser públicas ou privadas.
Do mesmo modo, o termo “instituto”, embora componha a razão social de algumas entidades, não corresponde a uma espécie de pessoa jurídica, podendo ser utilizado por entidade governamental ou privada, lucrativa ou não lucrativa, constituída sob a forma de fundação ou associação.
Usualmente, vemos o termo “instituto” associado a entidades dedicadas à educação e pesquisa ou à produção científica.
Entidade
Entidade é o vocábulo utilizado para indicar a existência real ou mesmo daquilo que existe por idéia ou ficção legal. Serve, assim, para designar qualquer instituição ou organização cuja existência é considerada ou encarada indistinta e independentemente das próprias coisas ou pessoas físicas, mesmo que não se mostrem propriamente como uma pessoa jurídica.
Organização
Organização é, em sentido técnico, o conjunto de regras adotadas para a composição e funcionamento de certas instituições, sejam de interesse público sejam de interesse privado.
O termo tanto significa a regularização – a coordenação de um organismo instituído, fundado – ou o corpo que dela se gerou ou se constituiu.
Assim, como vimos acima, uma ONG, organização, entidade ou instituição da sociedade civil, será sempre – em termos jurídicos – uma associação ou uma fundação. A escolha fica a critério daqueles que a estabelecem mas, inexistindo bens para a dotação de um patrimônio inicial, a criação de uma fundação torna-se impossível. É por essa razão que pequenas e médias ONGs, grupos de apoio e pesquisa, grupos comunitários, etc., em geral são constituídos como associações. Entidades financiadoras, grandes instituições educacionais, grupos fomentadores de projetos e pesquisas, contrariamente, são em geral organizadas como fundações.
Sugestões para leitura:
- BARBOSA, Maria Nazaré Lins e OLIVEIRA, Carolina Felippe de. Manual de ONGs – Guia Prático de Orientação Jurídica. 4ª edição, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2003
- CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2003
- COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor. SENAC, São Paulo, 2000
- IOSCHPE, Evelyn Berg. Terceiro Setor – Desenvolvimento Social Sustentado. Paz e Terra, São Paulo, 1997
- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro . 23ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 1990
- ROCHA, Silvio Luiz Ferreira. Terceiro Setor. Malheiros Editores, São Paulo, 2003
- SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor – Regulação no Brasil. 3ª edição, Editora Fundação Peirópolis, São Paulo, 2003
- Lei 9790/99 como Alternativa para o Terceiro Setor . 2ª edição, Ministério da Justiça, Comunidade Solidária (disponível on line em , acesso em 19/11/2004)
(1) BARBOSA, Maria Nazaré Lins. Manual de ONGs: guia prático de orientação jurídica – 4ª ed. rev. atual. – Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003, pág. 13.
(2) DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – 9ª ed. – São Paulo, Saraiva, 1993.
(3) ROCHA, Silvio Luis Ferreira. Terceiro Setor – São Paulo, Malheiros, 2003, pág.13.
(4) CAMARGO, Mariângela Franco e OUTROS. Op. cit., pág. 53.