Crédito: Agência Brasil
Por Danilo Mekari, do Portal Aprendiz,
com Cidade Escola Aprendiz
Ray, Nana, Zóio, Jonas, Marquinhos, Oliver, Jony, Isak, Kléverton, Mateus. Os nomes e apelidos de dez adolescentes simbolizam uma triste contradição aflorada na região central da cidade mais rica do país: a situação de invisibilidade absoluta a que estão submetidas meninas e meninos em situação de rua. Mortos nos últimos anos, sob circunstâncias não esclarecidas, esses dez adolescentes compõem um quadro de violência que acaba de fazer uma nova vítima. No dia 13 de março, em frente ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Praça João Mendes, João Vitor Souza Nogueira Jesus dos Santos, de 13 anos, veio à óbito após ser espancado.
As mortes de crianças e jovens em situação de rua evidenciam uma realidade complexa para quem acredita nas possibilidades educativas existentes nos espaços públicos e de encontro entre pessoas. Como é constantemente relatado no Portal Aprendiz, a presença e afirmação de crianças no território urbano pode gerar um desenvolvimento mais humano e efetivo das cidades, sendo um importante fator a ser considerado na criação de políticas públicas que estimulem a participação dessa população.
Mas o que fazer com as crianças e jovens que têm na rua não só o lazer e aprendizado, mas também o trabalho, a moradia e seu espaço de desenvolvimento?
De acordo com dados do Censo da População em Situação de Rua de São Paulo, levantados pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, em 2015 havia 7.335 pessoas nesta condição em toda a cidade. A região da Subprefeitura da Sé, localizada no centro do município, concentra mais da metade desse número. A pesquisa mostra ainda que 505 das pessoas em situação de rua têm até 18 anos – segundo os dados, porém, apenas 87 deles realmente vivem na rua, sendo que o restante foi acolhido por programas sociais.
Pivale
Art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente – “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Há inúmeros fatores que fazem meninos e meninas optarem por viver nas ruas, desde situações de vulnerabilidade familiar, passando por violações aos mais diversos direitos fundamentais – como educação, saúde, moradia, assistência.
Com a intenção de fazer valer os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi criado em 2007 o Projeto Integrado do Vale do Anhangabaú (Pivale), instância que reúne organizações que atendem e trabalham com essa população no centro de São Paulo, tal como Cedeca Sé, Fundação Projeto Travessia, Projeto Quixote, Unidade Básica de Saúde (UBS) da República e Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS-I).
“Existe um olhar equivocado da sociedade perante essas crianças em situação de rua. Queremos desmitificar isso”, defende Ataíde França, educador social do Cedeca Sé. “Trabalhamos diariamente com eles e sabemos quão invisíveis são aos olhos do poder público e da sociedade. Não queremos que passe em branco toda essa crueldade que vem sendo praticada contra eles”, desabafa.
Contra o silenciamento
França aponta um elemento que vem sendo negligenciado: assim como todas as outras, essas crianças e jovens também são sujeitos de direitos. Portanto, suas mortes não devem ser silenciadas. “Existe uma naturalização dessas mortes. Se fosse um jovem de classe média alta, teria outra visibilidade, mas se você mora na rua, é preto, pobre e periférico, é considerado ninguém.”
Desde 2010, os projetos que compõem o Pivale contam mais de 10 mortes de crianças e jovens em situação de rua.
O Pivale tornou-se, então, um espaço de encaminhamentos de ações coletivas que levam cidadania, lazer e cultura para as crianças em situação de rua do centro de São Paulo. O órgão não abre mão de denunciar a situação de violência a que seu público está diariamente exposto, e já protocolou pedido de investigação da morte de João Victor na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e no Ministério Público.
Uma das ações integradas proposta pelas organizações que compõem o Pivale ocorre toda sexta-feira à tarde, no Pátio do Colégio, e se tornou espaço de encontro e convívio para as crianças e jovens que vivem nas ruas. Nos últimos encontros, eles têm produzido um painel com frases e desenhos que homenageiam os colegas que não estão mais ali. O material será usado em um protesto que lembrará a morte de crianças e jovens em situação de rua, com data ainda a ser confirmada.
Para Tânia Lima, educadora social do Travessia, o projeto cumpre um papel importante para a região central da cidade. “A união desses serviços fortalece e potencializa parcerias, possibilitando a abertura de diálogo com esses jovens e adolescentes.”
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Uma nota de repúdio, assinada pelo Fórum Regional de Defesa do Direito da Criança e Adolescente da Sé, soma-se aos esforços do território para retirar da invisibilidade as mortes de crianças e jovens em situação de rua. Leia na íntegra:
Nota de Repúdio
O FRDDCA – Fórum Regional de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente vem a público manifestar absoluto repúdio contra os injustificáveis atos de violência praticados contra adolescentes na região central de São Paulo nos últimos anos, em especial ao ocorrido em 13/03/16 com o adolescente João Vitor Souza Nogueira Jesus dos Santos, 13 anos, assassinado covardemente por pessoas que querem fazer justiça.
Que o João Vitor não seja mais um que é calado pela sua condição de invisibilidade tanto pela sociedade como pelo Estado. Diante do exposto, o FRDDCA – Sé espera que sejam tomadas as devidas providências para apurar os fatos e se faça cumprir a lei.
Que sua morte não seja silenciada mais uma vez como dos adolescentes Raio de Luar, Anália, Zóio, Natacha, Jonas, Marquinhos, Oliver, Jony, Isak, Kléverton e Mateus, nos últimos anos, vivenciados pelos adolescentes que estão em situação de rua no centro de São Paulo, por negligência do Poder Público.
Buscamos que os órgãos competentes da justiça e de defesa dos direitos da criança e do adolescente, se coloquem à frente para trazer soluções para que estas situações de mortes sejam enfrentadas e combatidas veementemente nas suas ações.
Assim nos posicionamos mais uma vez contra toda e qualquer tipo de violação contra as crianças e adolescentes, buscamos que a Lei 8069/90 do ECA, seja cumprida na sua totalidade em favor da criança e do adolescente como Prioridade Absoluta.