Crédito: Arquivo pessoal de Vânia Santos
Carolina Pezzoni, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
“No que ela se diferencia dos outros professores? Ela não é uma pessoa que ensina somente o básico. Ela não chega na sala como os outros professores, dá a aula dela, o assunto dela e acabou. Ela procura entender o nosso lado. Senta com a gente, conversa, tira as dúvidas na maior boa vontade, mesmo depois do horário de trabalho. Várias vezes, se a gente tem dificuldade em uma matéria ou outra, ela nos chama na biblioteca para ajudar, nem que seja no sábado. Não ir pra frente com uma professora dessas? Só se o aluno não quiser mesmo.”
Esta é a reflexão de William de Jesus Santos, de 18 anos, sobre a sua experiência no Ensino Fundamental com a professora Vânia Patrícia Santos, no Colégio Estadual Tereza Conceição Menezes, em Salvador (BA). Suas aulas com Vânia aconteceram há mais de três anos e, mesmo assim, não foi preciso muito esforço para que ele se lembrasse da disponibilidade e do esforço da professora com os alunos, bem como de sua cobrança rígida por resultados. “Na hora das avaliações, ela era uma professora normal, exigente. Não tinha esse negócio de amizade. Até hoje tenho alguns testes, e as questões eram gigantescas! Nesse ponto, ela nunca aliviou, por exemplo, dando ponto de graça. Ela se esforçava para ensinar, e queria ver resultado.”
Para o ex-aluno, que hoje se divide entre o trabalho como auxiliar administrativo e a conclusão do Ensino Médio, o que faz mais sentido a partir das lições de Vânia é: “não importa de onde você vem, se tem condições ou não, estudar faz as portas se abrirem”. “Isso me marcou bastante. Em primeiro lugar, estude. E eu corro atrás disso no meu dia a dia. Nunca troco estudo por trabalho”, compartilha o jovem estudante em entrevista ao Promenino, enquanto trocava as cordas gastas do seu violão para seguir com a sua prática diária no instrumento.
Na lousa, os direitos da criança
A preocupação da professora em fazer sempre mais a levou a trabalhar o tema dos direitos da criança e do adolescente em sala de aula. “Aparentemente, a gente tem educação na escola, mas não conhece nem metade dos nossos direitos e deveres, não é? Porque é difícil encontrar uma professora como ela, que não ensina somente o bê-á-bá. Os outros educadores não se esforçam para ensinar nada a mais. Às vezes acham que a gente tem a obrigação de já saber. Tanto que o aluno fica até meio acanhado de perguntar esse tipo de coisa. Acho que ela escolheu o tema dos direitos para nos ajudar também”, relata William, afetuosamente definindo Vania como “A” professora, “com ênfase no ‘A’”, sua homenagem a ela neste 15 de outubro, Dia do Professor.
No magistério desde 2006, a professora Vânia teve a ideia de debater em sala de aula as garantias e responsabilidades previstas na lei depois de fazer o curso à distância A Escola no Combate ao Trabalho Infantil (ECTI), realizado pela Fundação Telefônica Vivo em parceria com o Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS). “No Ensino Médio, reuni materiais para produzir aulas expositivas em Power Point, e estava sempre pedindo para os alunos observarem os jornais, trazerem recortes, ficarem atentos ao que outras pessoas falavam sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e comentar o que achavam”, conta. “Incentivei a turma para que, se futuramente tivesse alguma oportunidade, divulgasse essas informações em outros lugares, em casa, na vizinhança”, reforçando que essas responsabilidades não são apenas da escola, mas também da família e do Estado – um trabalho conjunto, portanto.
Mesmo no Ensino Fundamental, com alunos de 5º e 6º anos, a professora não deixa de abordar o tema. Sempre que pode, faz uma “missão” para falar sobre o ECA. “Como eles são mais novos, têm dificuldade em compreender, ainda não sabem o que é uma lei, por exemplo. Então, vou explicando bem ‘devagarinho’ e levo algum material, tipo gibi, e crio uma história, falando do trabalho infantil. A criança tem de estar na escola, estudar, ajudar a família só quando tiver idade para isso”, relata a professora, referindo-se aos alunos da Escola Municipal Fazenda Coutos, em Salvador, onde dá aulas atualmente. “Colocar essas responsabilidades em prática é outra história. Até pela idade deles, é uma questão de tempo. O importante é que eles entendam a mensagem”, ressalta.
O poder do exemplo
No caso da professora Dayse Melo, que trabalha na Associação Pestalozzi de Crateús (CE), com atendimento educacional especializado para crianças e jovens com deficiência intelectual, a necessidade de por em prática o que determina o ECA surgiu a partir da sua experiência com as famílias dos alunos. “Faz parte do trabalho na associação conhecer a vida dos nossos estudantes e o histórico deles. Para isso, fazemos visitas domiciliares, escolhendo aqueles com um jeito mais triste ou retraído, que não participam de brincadeiras”, relata. Dessa forma, ela descobriu muitos alunos sozinhos, tomando conta de irmãos pequenos ou de crianças em outros lares e também fora de casa ajudando os pais em seus trabalhos.
No princípio, conta Dayse, ela achava esse tipo de situação até comum: “Pensava: bom, a família está passando necessidade e as crianças estão ajudando. Eu também era uma dessas pessoas que se influencia quando algum adolescente comete um delito, pensando coisas como ‘a lei protege’”. Depois do curso ECTI, Dayse garante que aprendeu a olhar para a situação com outros olhos, tendo o cuidado de considerar informações sobre como vivia esse adolescente, de onde ele vinha e o que poderia tê-lo levado a cometer tais delitos. “O curso me mostrou como podemos ajudar nessas situações.”
Resolveu, portanto, trazer para a associação o Estatuto da Criança e do Adolescente e a discussão sobre os direitos da criança. A diretora aderiu à proposta, e Dayse começou a elaborar um projeto, envolvendo não só a escola, mas todo o entorno, levando em conta também que as famílias seriam “melindrosas” na reação, para usar suas palavras. “Se a gente chegasse e dissesse que a lei não permitia isso e aquilo, eles simplesmente tirariam os meninos da escola e acabou-se a história”, ponderou. A solução encontrada foi aproveitar as reuniões de pais e familiares para abordar o assunto, conversar, trazer palestrantes e exibir filmes, como foi o caso de “Vida de Maria”, que, segundo a professora, deixou todos muito comovidos.
“No início, fomos criticados. As famílias diziam que a gente queria se meter na vida deles. Com o tempo, porém, a comunidade foi se sensibilizando e nós conseguimos mostrar que a criança tem direito à escola, ao lazer. Foi um trabalho demorado, de quase oito meses para conseguir convencê-los, mas foi muito bom”, avalia. Como previsto, algumas mudanças foram mais imediatas, outras mais demoradas e outras ainda nem aconteceram. Contudo, no que depender de Dayse, o projeto não vai mais parar.
A força dos resultados
Até agora, pelo menos dois casos são representativos dentro dessa ação da professora Dayse. Em um deles, a dona de casa Silvia Alves, mãe de sete filhos, notou a mudança de comportamento do filho Sivaldo, de 16 anos, que possui deficiência intelectual, depois que ele deixou de sair para ajudar o pai na carvoaria e passou a ficar só na escola. “Ele está mais desperto. Antes, tinha muito sono e não queria ir para a escola por causa do trabalho. Depois, a escola me explicou que, por lei, ele não podia trabalhar, e quanto mais ele estiver na escola, mais vai aprender e melhor será o seu desenvolvimento”, observa, comparando a atitude anterior do filho, mais agressiva, com a atual, mais tranquila. “As reuniões são muito boas para lembrar que o nosso papel é esse, de encaminhar os meninos.”
Outro exemplo é o caso de Daiane Miranda, que, aos 25 anos, acompanha as reuniões organizadas pela professora Dayse para poder ajudar o irmão Aristeu, adolescente de 15 anos com deficiência intelectual. “Acho muito importante trazer esse assunto para a família, chamá-la para aprender, entender melhor, porque a gente pode mudar algumas atitudes dentro de casa graças a esse tipo de trabalho. A gente não faz ou deixa de fazer alguma coisa por ignorância no sentido de brutalidade, mas por ignorância no sentido de não saber”, defende, ressaltando ainda a mudança positiva no comportamento do irmão depois que a família aproximou ainda mais o garoto do convívio familiar.
Daiane destaca a forma como o conteúdo foi transmitido: “Quando você fala de lei, que é uma coisa técnica, fica difícil entender para quem tem pouca leitura. Trazer um vídeo ou uma ilustração ajuda as pessoas a compreender melhor”. Em sua opinião, Dayse é uma excelente profissional. “Dá até vontade de estudar”, afirma, demonstrando o estímulo renovado para seguir com o seu sonho de cursar a faculdade de Pedagogia e, assim, fechar o ciclo educacional com uma das chaves mais genuínas da educação: a capacidade de inspirar.