A jornalista Ana Cristina Suzina conta sua relação com a água e dispara: "precisamos usar a água com mais responsabilidade". Leia na íntegra!
A água é vital para a sobrevivência. Mas será que a utilizamos da melhor maneira?
Eu me lembro com nostalgia das manhãs de inverno da minha infância e adolescência, no Paraná. Eu saia cedinho pra escola e, entre as aventuras e travessuras do trajeto, estavam pisar na grama para ouvir os estalos da geada se quebrando, bocejar para ver a “fumacinha” que se formava pelo contato do ar quente da boca com o ar gelado da manhã, e brincar de pega-pega ou qualquer outro jogo com corrida, antes de entrar na sala de aula, para “descongelar” os pés e as mãos.
Nem faz tanto tempo assim que tudo isso se passou. Mas, certamente, já faz algum tempo que minha cidade natal não tem um inverno como aqueles. Mudou o clima? Dizem os analistas que o ser humano interferiu e usou tanto a natureza que o equilíbrio de toda a vida já está comprometido. Nesta Semana do Meio Ambiente, quero compartilhar com você uma intensa experiência profissional que me deu a oportunidade de aprender e amadurecer idéias sobre esse tema.
Durante os quatro primeiros meses de 2009, trabalhei como assessora de imprensa do Conselho Mundial da Água, com dedicação especial ao 5º Fórum Mundial da Água. O evento aconteceu em março, em Istambul, na Turquia, e reuniu mais de 20 mil pessoas, entre políticos, especialistas, empresários e organizações que atuam nesse setor. Uma das principais discussões – e uma das que mais me chamou a atenção – foi exatamente a que relacionava qualidade e disponibilidade de água e mudanças climáticas.
A proposta era objetiva: mostrar como os efeitos das mudanças climáticas já são tão evidentes e inevitáveis que é fundamental pensar em adaptação. Quer dizer que não dá mais para pensar só em diminuir a emissão de gases, a poluição e rever os processos de produção. Isso tem que ser feito com seriedade, sem dúvida. Mas, não se pode pensar em mudanças climáticas como ficção científica ou probabilidade do futuro. Elas já fazem parte da vida da nossa geração e, por isso, é necessário planejar adaptações nos mais diferentes setores. E isso tem tudo a ver com o ciclo das águas.
Um exemplo? Basta ligar a televisão ou abrir os jornais: tem água (chuva) demais no Norte e no Nordeste, e água (chuva) de menos no Sul. Os gaúchos lamentam safras inteiras perdidas, enquanto ribeirinhos da Amazônia viram os níveis dos rios subir como nunca antes tinha acontecido. Segundo os cientistas, a tendência é que esse tipo de fenômeno ocorra com cada vez mais frequência. Pode chover demais de uma só vez em um lugar, assim como a chuva pode diminuir ou desaparecer em outro.
Durante o Fórum Mundial da Água, foram apresentados exemplos diversos, como a Espanha, que passou a importar água durante o verão, porque as suas fontes já não são mais suficientes para as demandas da população, ou diversos países asiáticos, que vêm desenvolvendo juntos tecnologia para identificar, com antecedência, possíveis desastres como inundações e tsunamis, ou ainda a Califórnia, que vê seu abastecimento de água comprometido porque há menos neve nos picos de suas montanhas e, consequentemente, menos água derretida desses picos para encher os seus rios.
Mas o Fórum não teve nem incentivou nenhuma mensagem alarmista e negativa. A constatação desses problemas não significa que tudo está perdido. Muito pelo contrário, o evento teve como proposta fomentar o desenvolvimento de planos de preparação e adaptação. Holanda e Bangladesh, por exemplo, compartilharam estratégias sobre como evitar que seus territórios e importantes cidades sejam completamente dizimadas pelo aumento do nível do mar. Tomar conhecimento da evidência do problema fez com que esses países buscassem soluções para minimizar danos e planejar como será a vida nas regiões que serão provavelmente afetadas.
Todos já sabemos o efeito de consumir os recursos naturais sem planejar, sem pensar no futuro. A mensagem mais evidente, para mim, é que a tal cidadania planetária precisa ganhar as ruas. Todos e cada um precisam usar a água com mais responsabilidade e exigir que as políticas públicas determinem e monitorem a gestão responsável desse recurso. Está pensando que esse desafio é grande demais? Pode ser, mas dizem que todo grande problema se torna mais administrável quando dividido em partes. No caso da água, valem, então, as velhas dicas de fechar a torneira ao escovar os dentes, de juntar mais roupa para lavar de uma única vez, de tomar banhos mais rápidos. Aos já habituados a essas práticas, quem sabe seja a hora de ajudar o condomínio a gastar menos água ou motivar uma campanha na escola dos filhos. E quem sabe alguns mais ousados possam se interessar em participar em algum comitê de bacia hidrográfica ou de gestão de represa de abastecimento de água.
Afinal, todo esforço vale para garantir e preservar a saúde que representa o acesso à água e a beleza de rios, lagos, mares, tão revigorantes quanto a lembrança da geada que tornava as minhas manhãs de inverno mais divertidas em minha infância.
Por Ana Cristina Suzina – Jornalista