Conheça iniciativas para prevenir e identificar as agressões no ambiente escolar
“Aprender sem medo” e “Amigos do Zippy” ampliam habilidades socioemocionais das crianças e mobilizam mudanças em sala de aula.
O bullying não é um assunto novo. Por meio de agressões como violência física, apelidos constrangedores e referências preconceituosas, como destacou o advogado Guilherme Perisse, do projeto Prioridade Absoluta (Instituto Alana), em seu artigo ao Promenino, a prática de comportamentos agressivos nas escolas e academias é reconhecida desde os séculos 18 e 19. A diferença é que, naquela época, era encarada como natural ou inerente ao ser humano e envolvia até mesmo os professores.
Atualmente, com a aprovação da Lei nº 13.185, que entrou em vigor em fevereiro de 2016, a prática ganhou definição legal – “intimidação sistemática” – e “escolas, clubes e agremiações recreativas” passam a ter responsabilidade sobre o bullying que acontece sob suas paredes, levando à criação de uma política nacional de combate.
Segundo observou Tania Paris, presidente da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (ASEC), é comum diante das situações de bullying que se atue para a sua prevenção, o que significa reparar a manifestação. O ideal, no entanto, seria estabelecer “fatores de proteção”, a fim de se promover um ambiente emocionalmente sadio.
Invariavelmente, a criança experimenta sentimentos conflituosos e precisa lidar com eles. Como explica Tania, a agressão pode ser um sinal de baixa autoestima, em que um precisa diminuir o outro para tentar se sentir melhor. Por isso, é importante manter a atenção no agressor – além da vítima, como já é mais usual – e nas testemunhas.
“Quem não é conivente, pode até sentir que deve delatar, mas receia ser a próxima vítima. Quem sofre, por sua vez, é ameaçado para que não conte, e é natural até que passe a acreditar que a agressão é necessária”, ressalta.
A função do Amigos do Zippy – programa de promoção da saúde emocional desenvolvido pela ASEC, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – é ampliar as habilidades socioemocionais da criança. Voltado para a escola pública e aplicado nos primeiros anos do Ensino Fundamental pelos próprios professores, o programa consiste em uma série de histórias ilustradas, na qual um grupo de amigos e o bicho-pau, chamado Zippy, vivenciam situações de solidão, ameaças, mudanças e perdas, complementadas por jogos lúdicos.
Cria-se uma oportunidade para que a criança reflita, explore opções de solução e pense por si mesma, desenvolvendo sua autonomia. “A alfabetização emocional é tão importante quanto a acadêmica”, reforça Tania. Outro benefício é a fundação de um ambiente escolar emocionalmente seguro e de bem-estar.
Para o coordenador de programas da ONG PLAN no Maranhão, Luca Sinesi, é preciso examinar o bullying de uma perspectiva global. “Se as crianças aprendem que o diferente pode ser alvo de brincadeira, discriminação, insultos e violência, que tipo de sociedade estamos contribuindo a formar?” A seu ver, nesses tempos de alta intolerância, o problema da intimidação sistemática ganha força.
Ao reconhecer a insuficiência das leis como solução para o problema, a PLAN tem atuado para assegurar experiências concretas nas escolas por meio do programa Aprender sem medo, criado há mais de cinco anos. A unidade de São Luís do Maranhão será responsável pela primeira rodada de implantação, em 14 escolas públicas do estado.
Uma de suas premissas é a valorização das diversidades. Segundo Luca, o bullying não surge do nada: “está embasado na ideia de que, se você é diferente, pode ser alvo de violência e xingamentos”. O respeito e a valorização da diversidade, portanto, são fundamentais para sua eliminação. Outro princípio é a educação de pares. Quem poderia ser mais relevante para se comunicar com a criança e o jovem do que eles próprios? Neste sentido, o Aprender sem medo mobiliza meninos e meninas como agentes positivos de mudança.
O coordenador ressalta ainda a característica multidimensional do bullying, que não escolhe nacionalidades ou classes sociais. É um problema de “dimensões globais”, diz ele, que requer um tratamento mais amplo, a partir de sua origem na questão das diferenças, e centralidade nas políticas públicas da educação para que tenha um fim possível.