Projeto que reúne crianças, jovens e professores da cidade de São Paulo utiliza mapeamentos cartográficos e geolocalização para dar visibilidades à periferia
De uma metodologia experimental para a sala de aula, na matéria de geografia. A fim de fazer os estudantes pensarem sobre os territórios da comunidade, surgiu o Quebrada Maps. A proposta utiliza o olhar de quem vive na periferia para, a partir dessa vivência coletiva, construir mapas que mostrem a região.
Tudo começou quando o professor de geografia Wellington Fernandes estava fazendo seu mestrado. Ele pesquisava sobre cartografia crítica e se deparou com a metodologia de mapas participativos. Educador de escola pública, vindo da periferia de São Paulo, ele percebeu que poderia conectar todos esses elementos para levar uma experiência diferente aos alunos.
“Eu cresci em Itaquaquecetuba, cidade da região metropolitana de São Paulo, quebrada, periferia. Para mim sempre foi importante, valioso demais, pensar em um conhecimento que fortalecesse os nossos territórios periféricos, pensar em metodologias que pudessem nos articular”, relembra.
Ainda sem nome definido, Wellington levou o projeto para a sala de aula para ouvir opiniões, e a escola toda se reuniu para colocar a ideia em prática. As primeiras experiências foram em 2015, com alunos da Zona Oeste, moradores dos bairros Rio Pequeno e Vila Sônia. Em conjunto, eles batizaram o projeto de Quebrada Maps.
Hoje, a iniciativa é formada por um coletivo de pessoas pesquisadoras, sendo que algumas contribuições são permanentes e outras temporárias. A mobilização é a partir da periferia, tecendo diálogos entre os movimentos sociais, estudantes e professores da escola pública e a universidade.
“Esse surgimento não foi um marco, foi um processo. Se deu com muitas parcerias. Entre os estudantes e os pesquisadores, tanto da academia, quanto os professores da escola que somaram nessa construção. Tudo foi sendo arquitetado junto”
Construção geográfica a partir da tecnologia
Para produzir os mapas, os alunos utilizam uma série de instrumentos que usam soluções tecnológicas de mapeamento e geolocalização. Tudo vai depender do que eles querem mostrar. Os recursos vão desde Google Maps até o Open Street Map, uma base aberta de dados livres. E ainda abre possibilidade para criar ferramentas, como um caderno de mapas.
“O principio básico é entender no contexto que eu estou, o que eu quero mapear e quais técnicas fazem sentido utilizar. Nem sempre o mapa que você vai produzir é para ganhar visibilidade externa, às vezes o mapa é feito para discutir o território e vai interessar a quem está no bairro. Por isso variamos as tecnologias de criação”, detalha o educador.
Já aconteceu dos alunos não encontrarem certas localidades ou base de ruas do bairro no Google Maps e sugerirem a atualização para, literalmente, colocar a favela no mapa. Muitas vezes o objetivo não é mudar a base cartográfica, mas discutir o território de forma mais ampla.
Nessa elaboração, os participantes aproveitam para incluir dados cartográficos da região para chamar atenção para alguns temas que envolvam a vida dos moradores e, assim, provocar discussões dentro e fora do bairro.
As ações vão desde um mapeamento de impacto ambiental, feito por estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental, até a construção do conjunto de mapas Caderno de Mapas do Butantã, que nasceu de um ciclo de palestras no bairro do Rio Pequeno e discute as incoerências de uma das regiões mais desiguais da capital paulistana.
As crianças e jovens vão a campo, levantam as informações, colocam num mapa, discutem esse tema e levam para toda a comunidade. “A gente entende que assim pressiona o Estado dando visibilidade para o tema. Os alunos trazem, inclusive, possíveis soluções”, conta a professora Jéssica Cerqueira, uma das pesquisadoras que contribuem com o projeto.
Vivência além dos muros da escola
A partir da experiência, os alunos encontram no próprio bairro serviços e habilidades de moradores que não faziam ideia que existissem. Eles exploram o território onde moram, as potencialidades e as vulnerabilidades que possam apontar caminhos para mudanças no entorno.
“A gente vai para o lado de fora da escola e visita diferentes lugares para conseguir dialogar com o território”, diz Jéssica.
Durante as aulas, eles trazem sugestão de lugares que precisam de visibilidade e, coletivamente, selecionam quais precisam de mais ênfase. A partir dessas experiências, as crianças e os jovens conhecem bons motivos para destacar o bairro.
“As crianças chegaram a mapear os espaços físicos que elas tinham para brincar e os serviços de proteção à mulher no bairro. Isso tem ajudado os moradores a se encontrarem no próprio bairro”, especifica Wellington.
Como resultado, alunos já participaram de palestras e eventos para apresentar a iniciativa. Algumas dessas participações também foram mapeadas na plataforma, na seção Por Onde Passamos. E eles querem mais! A intenção é ampliar gerar pesquisas e materiais metodológicos para que o projeto chegue a mais pessoas.
“São crianças e jovens que começam a pensar a cartografia da periferia de outro jeito. E, depois dessa experiência, vão para o mundo seguir o caminho deles”, finaliza Wellington.
A metodologia também contribui para a consciência política dos alunos e traz orgulho em pertencer à comunidade.
“Participar do projeto foi bem intenso, foi como descobrir o verdadeiro valor da minha quebrada e das outras que não estão no mapa”, relata a estudante Jennifer Paiva, de 14 anos. Para a moradora do bairro Itaim Paulista, cada etapa é uma descoberta que mantém a vontade de continuar.
“A ferramenta me fez abrir os olhos para o que sempre estava escondido. Faz a gente querer lutar por algo em que a gente acredita, que deve ser visto por todos. É mostrar que a favela vive e está crescendo com projetos como esse!”, enfatiza a estudante.