Nota técnica "Educar na era da Inteligência Artifical: Caminhos para a BNCC Computação"

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19.11.2025
Tempo de leitura: 9 minutos

Trajetórias negras na tecnologia abrem caminhos para os jovens

Histórias de pioneiros e líderes que romperam barreiras estruturais revelam como talento, apoio e representatividade impulsionam a inovação e ampliam oportunidades

Imagem ilustra a matéria que exemplifica o termo representatividade negra na tecnologia

O Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, convida a olhar com atenção para quem chega, permanece e transforma o mundo da tecnologia. Em um setor que cresce de forma acelerada e oferece oportunidades qualificadas, jovens negros ainda enfrentam barreiras estruturais profundas para acessar e se formar em cursos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM) e ocupar cargos estratégicos. Mas há profissionais também que constroem trajetórias, reabrem caminhos e inspiram as novas gerações.

O contraste entre o potencial da tecnologia e os obstáculos enfrentados por estudantes negros é evidenciado na pesquisa “Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil”, realizada pelo NERI/Insper com apoio da Fundação Telefônica Vivo. O estudo mostra que a desigualdade não está apenas no acesso inicial, mas na qualidade do acesso e nas condições pedagógicas que o acompanham. Mesmo em condições socioeconômicas semelhantes, estudantes brancos têm maior probabilidade de acessar computadores, internet e ambientes escolares equipados, refletindo em melhores resultados em matemática. Já alunos pretos e pardos enfrentam desvantagens acumuladas que começam no uso desigual da tecnologia, o que impacta no desempenho escolar, no desenvolvimento de competências digitais e nas suas oportunidades futuras.

No entanto, as histórias de Sonia Guimarães, Eder Mauricio Barbosa, Ivan Siqueira, Gladys West, Philip Emeagwali e Valerie Thomas, que vocês conhecerão ao longo da matéria, mostram como curiosidade, estudo e apoio em redes de pertencimento podem transformar destinos. São percursos que começam em escolas com pouca infraestrutura ou em contextos marcados pela discriminação racial e alcançam laboratórios de ponta, supercomputadores, redes globais de pesquisa e cargos de liderança em dados e educação.

Conheça a seguir as trajetórias inspiradoras desses profissionais.

 

Pioneira na física e na tecnologia

A história de Sonia Guimarães começa cedinho: aos quatro anos, já era alfabetizada e movida por uma curiosidade incansável. De UFSCar a USP, passando pela Itália e pela Universidade de Manchester, construiu uma formação rara e brilhante. Em 1989, tornou-se a primeira mulher negra brasileira com PhD em Física. Anos depois, foi também a primeira professora mulher no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde trabalha atualmente, numa época em que a instituição sequer aceitava alunas. Sonia transformou barreiras em pontes: levou estudantes de escolas públicas para dentro dos laboratórios e se tornou inspiração viva para jovens no Brasil e no exterior.

Ela se tornou uma referência para jovens negros dentro e fora do Brasil. Relata que, em viagens a Boston, Nova York e Illinois, encontrou estudantes brasileiros que diziam: “A Sonia conseguiu, eu também consigo”. No Brasil, coletivos negros de universidades e centros de pesquisa levam seu nome, evidenciando que sua história circula como inspiração mesmo onde nunca esteve presencialmente.

 

Tecnologia e representatividade

A história de Eder Mauricio Barbosa com a tecnologia começou muito antes de qualquer título profissional. Ele era o menino que desmontava objetos para descobrir o que havia dentro, não por obrigação, mas por pura fascinação. “Eu sempre quis entender como as coisas funcionam”, lembra. Esse impulso cresceu em um cenário pouco favorável: escolas com infraestrutura mínima, computadores divididos entre muitos alunos e um caminho feito de cursos gratuitos, bibliotecas e oportunidades improvisadas. Eder aprendeu cedo que, quando o mundo não oferece caminhos prontos, é você quem precisa construí-los. “A falta de estímulo nunca me desmotivou. Pelo contrário, me fez querer aprender ainda mais.”

O maior obstáculo, porém, não estava no conteúdo técnico, mas no olhar ao redor: “Eu não via pessoas negras em cargos técnicos ou de liderança. Isso mexe com a gente. Dá a sensação de que aquele lugar não foi pensado para nós.”

Aos poucos, viu outras pessoas negras ocupando espaços de destaque e isso virou chave: “Quando a gente vê alguém parecido com a gente ocupando um espaço, a gente entende que é possível.”

Hoje, como gerente sênior de Dados na Vivo, carrega uma missão que vai muito além da técnica: “Quero ser visível. Quero que jovens negros me enxerguem e pensem: ‘eu também posso’.” Por isso, Eder mentora novos talentos, cria espaços de pertencimento e faz questão de abrir portas que ele mesmo não encontrou abertas. Para ele, representatividade não é detalhe, é transformação concreta. Para isso, defende equipes diversas, revisão de vieses e decisões responsáveis no uso da inteligência artificial. Acredita que só assim a tecnologia pode reduzir desigualdades, e nunca reforçá-las.
 

Educação e transformação

Ivan Siqueira, professor titular em Interdisciplinaridade no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e relator da BNCC Computação, tem uma trajetória marcada pela reflexão crítica sobre educação, tecnologia e desigualdades raciais. Ele descreve o impacto de ocupar a docência em espaços marcados por racismo estrutural como “infinitamente doloroso. Essa experiência o levou a entender que focar “unicamente nos conteúdos disciplinares é insuficiente e contraproducente”, já que a cognição é profundamente afetada pelo contexto social e pelas violências cotidianas do racismo. Seu interesse pela universidade nasce justamente para buscar, pela pesquisa e pela atuação em políticas públicas, formas de pensar currículo, tecnologia e justiça social.

Sua atuação extrapola a sala de aula. Como conselheiro do CNE (Conselho Nacional de Educação) e relator da BNCC Computação, Ivan ajudou a inscrever, no texto de referência da educação básica, a ideia de que as tecnologias digitais não podem ser um apêndice, mas um eixo transversal da formação. Por isso, defende que a BNCC incorpore o “pensamento computacional, o mundo digital e a cultura digital”, articulando cultura algorítmica, dispositivos e redes sociais a debates sobre democracia, trabalho e sociabilidade.

 

Sistemas de posicionamento global (GPS)

Nascida na Virgínia segregada dos anos 1930, Gladys Mae West viu na educação a chance de mudar seu destino. Brilhante desde cedo, conquistou uma bolsa em Matemática e, mais tarde, entrou para uma unidade militar de tecnologia como a segunda mulher negra contratada.

Ali, mergulhou em cálculos sobre a forma da Terra e satélites, trabalhos que se tornariam a base científica do GPS que usamos até hoje. O caminho foi duro: enfrentou racismo institucional e viu projetos serem entregues a colegas brancos. Mas Gladys seguiu firme, guiada por um único pensamento: “Eu só queria acertar tudo.”

Sem imaginar, ela acertou mais do que o mundo poderia prever que seus cálculos ajudariam a orientar o planeta.

 

Pioneiro em modelagens

Philip Emeagwali, um imigrante nigeriano que estudava nos Estados Unidos, conquistou o prêmio Gordon Bell Prize em 1989 ao usar um supercomputador para simular reservatórios de petróleo, com resultados impressionantes em desempenho computacional. Sua abordagem inovadora explorava a comunicação entre microprocessadores de forma eficiente, sendo descrita como pioneira na aplicação em modelagens.

Na Nigéria, Philip Emeagwali teve sua infância atravessada pela Guerra Civil Nigeriana. Aos 13 anos, interrompeu os estudos para entrar no exército. Quando a paz voltou, não desistiu, concluiu o equivalente ao ensino médio sozinho. Essa determinação o levou aos Estados Unidos, onde se formou em Matemática em 1977 e finalizou dois mestrados: em engenharia oceânica e matemática aplicada. De um adolescente que teve os estudos interrompidos pela guerra a um pesquisador premiado em computação de alto desempenho, sua trajetória permanece notável.

 

Exploração espacial

Valerie L. Thomas, nascida em 1943 em Baltimore, nos Estados Unidos, cresceu no período da segregação racial, mas encontrou na ciência seu caminho de afirmação. Em 1964, formou-se em Física “com as mais altas honras” pela Morgan State University, sendo apenas uma das duas mulheres no curso. No mesmo ano, entrou na NASA como analista de dados, onde desenvolveria sistemas revolucionários. Em 1976, inspirada por uma ilusão óptica vista em uma exposição, começou a experimentar com espelhos côncavos e, em 1980, patenteou o “illusion transmitter“, adotado pela NASA e adaptado para diversas aplicações médicas e tecnológicas.

Em 2018, foi incluída no National Inventors Hall of Fame, reconhecimento pelo trabalho de transformar dados, imagens e redes em ferramentas essenciais para a exploração espacial.

Plataforma oferece cursos gratuitos de educação antirracista

O Dia da Consciência Negra é um convite para pensar não só sobre o passado de luta, mas também sobre o direito ao futuro, inclusive o digital. Em um país em que estudantes pretos e pardos ainda têm menos acesso a recursos tecnológicos e piores resultados escolares, garantir que jovens negros participem de forma plena da cultura digital é uma questão de inclusão e justiça social. Isso exige um compromisso contínuo com políticas, práticas e formações que assegurem que jovens negros possam acessar, produzir e liderar na tecnologia, hoje e no futuro.
 
Nesse contexto, a formação de professores em habilidades digitais torna-se central, já que são os educadores que irão desenvolver os estudantes e ensiná-los a usar as tecnologias de forma crítica, intencional e direcionadas ao projeto pedagógico.
 
Para isso, foram desenvolvidos os cursos “Tecnologias como Aliada da Educação Antirracista: Conceito e Fundamentos” e “Tecnologias como Aliada da Educação Antirracista: Práticas e Perspectivas”, oferecidos de forma gratuita e on-line pela plataforma Escolas Conectadas. As formações apoiam os docentes a planejar experiências pedagógicas que articulam cultura digital, BNCC Computação e educação antirracista, contribuindo com a criação de projetos em que a tecnologia fortalece a identidade e o protagonismo de estudantes negros e indígenas, sempre com foco em cultura digital, inclusão e equidade.


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