Entrevistamos uma das vencedoras do Prêmio para Mulheres na Ciência 2020. Saiba mais e inspire-se!
A astrofísica Rita de Cássia dos Anjos foi uma das sete vencedoras da edição nacional do Prêmio Para Mulheres na Ciência em 2020, promovido pela L’Oréal Brasil, Unesco Brasil e Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Aos 36 anos e especialista em física teórica, a professora do Departamento de Engenharia e Exatas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) é uma das principais pesquisadoras brasileiras que investiga as chamadas galáxias starburst — sistemas onde há uma intensa formação de estrelas, luminosidade e ventos fortes.
Segundo estudos, essas galáxias exercem um papel essencial na aceleração e propagação de raios cósmicos, que são partículas de alta energia que chegam à Terra na velocidade da luz e podem nos dar pistas sobre a história e formação do Universo. “Raios cósmicos são partículas (núcleos químicos, como próton, carbono, ferro, etc.) de altíssimas energias que são detectadas na Terra. Nosso objetivo é saber a origem destas partículas e quais os processos astrofísicos no Universo que podem originá-las”, explica Rita de Cássia, que tem mestrado e doutorado em física concluídos na Universidade de São Paulo (USP) e é especialista em física teórica.
E a professora Rita de Cássia também se dedica a outras atividades para além das estrelas. Ela já colaborou com o projeto Rocket Girls: Meninas na Astronomia e na Astronáutica, que leva conceitos de astronomia e robótica para alunas de escolas públicas de Palotina, no Paraná, e ainda é coordenadora do Física em Braille, iniciativa que propõe oficinas de física para professores do Ensino Médio.
Em entrevista exclusiva ao Programaê! Rita de Cássia conta mais sobre sua história, que une amor à ciência, enfrentamento ao racismo e machismo do universo acadêmico, e também compartilha com a gente um de seus sonhos.
Como foi sua trajetória até chegar ao Prêmio Para Mulheres na Ciência 2020?
Sempre tive interesse por ciência devido ao incentivo da minha mãe. Durante o Ensino Médio interessei-me por biologia. Tive oportunidade de fazer um cursinho pré-vestibular. Foi quando me apaixonei pela física. Cursei, então, física biológica na UNESP de São José do Rio Preto (SP). Durante o curso, identifiquei-me mais com a física e optei por fazer o mestrado e doutorado em física teórica, no Instituto de Física da USP de São Carlos. Concluí o meu doutorado em astrofísica de partículas em 2014 e passei no concurso na UFPR-Setor Palotina no mesmo ano. Desde então, comecei a lecionar e a trabalhar com pesquisa e com meus projetos de extensão na UFPR. Após o meu estágio probatório de três anos, visitei centros de pesquisa fora do Brasil e fiz várias parcerias internacionais. Sempre vislumbrei este prêmio e este ano fui contemplada, foi uma grande conquista para mim.
O que este prêmio significou para você?
Ter conquistado o prêmio este ano significa que a pesquisa que faço é de qualidade, mesmo estando em um Campus no interior do estado do Paraná. Mesmo sendo minoria no ambiente acadêmico é possível fazer ciência e incentivar nossos alunos para seguirem a carreira acadêmica. Além disso, a cientista em início de carreira enfrenta muitas dificuldades por ser mulher e estar iniciando um laboratório ou um grupo de pesquisa na universidade.
Em que etapa está a sua pesquisa agora?
Continuo seguindo muito animada com a minha pesquisa. Estou trabalhando com meus modelos e simulações computacionais, estudando estruturas de galáxias starburts e propagação de raios cósmicos.
Neste caminho, tenho dividido meu tempo com as aulas, orientações dos meus alunos de mestrado e iniciação científica, várias lives e seminários. Estou aproveitando estas oportunidades para divulgar a ciência que eu faço e a importância da representatividade da mulher negra na ciência.
E sobre o Física em Braille?
O projeto de oficinas de professores tem o objetivo de promover uma formação continuada junto aos educadores da rede pública. A ideia é atualizá-los e incentivá-los com práticas experimentais possíveis de serem realizadas em sala de aula. Isto os motiva e desperta os alunos para a ciência. Assim, o projeto confecciona materiais que auxiliam no aprendizado de exatas, em especial física, para os alunos com deficiência visual e com baixa visão. O objetivo é proporcionar a eles uma oportunidade de aprendizado da física com materiais táteis e em braile. Após a pandemia, pretendo retomá-lo. Tenho várias ideias e pretendo colocá-las em prática.
Como enxerga o pensamento computacional e sua utilidade para solucionarmos problemas?
O pensamento computacional é uma oportunidade de aprendermos a organizar nossas ideias e as colocarmos em funcionamento. Quando você estrutura um algoritmo é exatamente isto que você faz: descreve passo a passo o que a máquina precisa fazer. Para isto são necessários um pensamento claro sobre o problema, de onde você quer sair, onde você quer chegar e como deve ser o caminho. Isto nos permite direcionar nosso cérebro para pensarmos com clareza, coerência e otimização todos os problemas que chegam até nós, dos mais simples aos mais complexos.
O que você diria para garotas que se interessam por ciência e tecnologia, mas que não se veem inseridas neste universo?
Jamais desista! Você tem um belo caminho pela frente. Nele, você encontrará situações amigáveis e outras não muito, mas jamais desanime quando você tem um objetivo! Ao final você verá que cada sacrifício valeu muito a pena!
Como o racismo e o machismo estrutural impedem que mais garotas negras estejam atuando com ciência e tecnologia?
Nos ambientes que frequentei durante minha formação não havia muita diversidade. No entanto, é extremamente importante a diversidade no meio acadêmico para o crescimento e sentimento de pertencimento de todos. Quando não há diversidade, nos deparamos com situações de racismo em que fica claro que aquele ambiente não nos pertence. Isto impede nossas alunas negras de crescerem e se vislumbrarem no ambiente acadêmico. Precisamos incentivar nossas alunas a buscarem carreiras científicas e tecnológicas, e quando isto acontecer, incentivá-las durante o caminho.
O que você sonha para a ciência brasileira?
Sonho com uma ciência com investimento e oportunidades para nossos jovens doutores, e que gerará melhor qualidade de vida para nossa população, diminuindo a desigualdade social que tanto nos destrói.