Nesse texto, Isa de Oliveira analisa os diversos conceitos de trabalho infantil e os desafios que ainda devem ser enfrentados para combater o trabalho infantil
O conceito de trabalho infantil adotado pelo Brasil está definido no Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, e transcrito a seguir: “trabalho infantil refere-se às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional.”
Esse conceito é resultado de consenso construído na Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil – CONAETI –, composta por representantes do Governo Federal, das Centrais e Confederações de Trabalhadores, das Confederações Patronais, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA –, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI –, do Ministério Público do Trabalho – MPT – e da OIT e UNICEF na condição de observadores.
Os fundamentos legais deste conceito estão previstos no inciso XXXIII, art. 7º da Constituição Federal de 1988, alterado pelo Emenda Constitucional nº 20/1998; no art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (Lei Federal nº 8.069/1990) e na Convenção nº 138 da OIT, ratificada pelo Brasil (Decreto nº 4.134/2002).
À proibição legal do trabalho precoce se soma a compreensão de que a exploração de crianças e adolescentes no trabalho é uma violação dos seus direitos fundamentais e se insere no campo da violação dos direitos humanos. A proibição ética do trabalho infantil está fundada nos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e dos arts. 3º, 4º e 5º do ECA.
É importante destacar que o Brasil adotou uma ampla proibição ao trabalho infantil. Em primeiro lugar, definiu 16 anos como idade mínima para ingresso no mercado de trabalho e não 15 anos, como indicado pela Convenção nº 138. Ao ratificar esta Convenção e ao apresentar o primeiro relatório sobre sua implementação, o Brasil não excluiu nenhuma atividade econômica da proibição da idade mínima de 16 anos. Portanto, o Estado brasileiro, a sociedade e a família têm a responsabilidade ética de proteger as crianças e adolescentes contra a exploração de todas as formas de trabalho, e garantir a elas todos os direitos fundamentais e o respeito a sua condição de seres humanos em condição especial de desenvolvimento.
A resposta aos desafios que se apresentam quando avaliamos que ainda persistem elevados índices de trabalho infantil, que a sua redução ao longo da última década foi lenta e pouco expressiva, que não há estratégias eficazes para o enfrentamento ao trabalho infantil doméstico, ao trabalho infantil na agricultura, à exploração sexual comercial, como exemplos – não é, com certeza, buscar “conceitos inovadores” de trabalho infantil.
É sim, definir novas medidas que devem ser implementadas pelas três esferas de governo, com o apoio de todos os setores sociais, para se cumprir plenamente a legislação e proteger crianças e adolescentes contra a exploração no trabalho e contra todas as formas de violações dos seus direitos.
Por outro lado, os indicadores sociais e econômicos que apontam a redução da pobreza extrema, o aumento real da renda, particularmente, a melhoria da renda dos segmentos mais pobres, criam um cenário favorável para se buscar a elevação da idade mínima para o trabalho e emprego. Pois, os países signatários da Convenção nº 138 assumem, ao ratificá-la, o compromisso de elevar progressivamente a idade mínima para o trabalho, que deve ser compatível com a conclusão do ensino obrigatório. Ressaltamos que a Emenda Constitucional nº 059/2009 tornou o ensino obrigatório para a faixa etária de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos.
Do ponto de vista do princípio da proteção integral e do compromisso ético, a prioridade é implementar políticas públicas, programas e ações para ampliar a promoção e a garantia dos direitos da criança e do adolescente à educação de qualidade e à escola em tempo integral, à saúde, ao lazer, à profissionalização, ao esporte, à cultura, à convivência familiar, enfim à garantia do seu pleno desenvolvimento físico, psíquico e moral.
Não há espaço legítimo, tanto do ponto de vista da legislação como da ética, para se redefinir ou flexibilizar o conceito de trabalho infantil, e para propor “conceitos inovadores”. Seja pelos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro (ratificação das Convenções da OIT, a Cooperação Sul-Sul, a realização da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil em 2013), seja pelos avanços alcançados com a aprovação da Lista das Piores Formas (Decreto 6.481/2008); com a revisão do Plano Nacional, propondo uma maior articulação das políticas públicas, buscando o fortalecimento da articulação entre governo e os setores sociais comprometidos com o interesse superior da criança; com a rejeição, pela Câmara Federal, das Propostas de Emenda à Constituição – PECs – que propunham a redução da idade mínima para trabalho, fundamentada no princípio do não retrocesso social e da sua inconstitucionalidade.
O que precisa ser feito, com eficácia e efetividade, é centralizar o enfrentamento do trabalho infantil na educação de qualidade, que assegure a todas as crianças e adolescentes o direito de aprender. Que seja ampliada progressivamente a oferta de escola em tempo integral, combinando com a ampliação do tempo educativo como estratégia para evitar a repetência e o abandono da escola, na maioria das vezes causados pela inserção precoce no trabalho, e ainda pela combinação do trabalho com afazeres domésticos.
Prioridade deve ser dada à implementação de medidas para garantir a todas as crianças e adolescentes do campo, onde há maior incidência de trabalho infantil, escola de qualidade que tenha um projeto político-pedagógico que atenda as suas especificidades e potencialidades. É preciso assegurar, também, a prestação de serviços sócioeducativos que respondam à realidade do campo.
Essas questões, sim, devem ser priorizadas pelo debate sobre os desafios para se prevenir e eliminar o trabalho infantil, e devem orientar a sociedade civil brasileira no exercício do controle social.