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No final dos anos 90 eu trabalhava como âncora em um programa jornalístico diário e ao vivo, de alcance nacional, numa grande emissora de televisão. Junto com meus colegas de bancada, eu chamava e comentava todas as notícias do dia. Eram notícias do Brasil e do mundo que abrangiam temas variados que iam desde dramas pessoais até grandes tragédias climáticas, passando por crimes hediondos e curiosidades pitorescas. A tensão e a adrenalina de passar duas horas concentrada em tudo o que acontecia em dezenas de praças era imensa. A sensação de quem ancora programas assim é de estar diariamente numa montanha russa de emoções.

No meio de tantos assuntos envolventes, um tema sempre me tocava mais fundo: crianças. Crianças são tudo aquilo que repetimos e sabemos. São frágeis, fofas, inocentes. E também espertas, surpreendentes, adoráveis. Crianças são, sim, o futuro do Brasil, a esperança do planeta. Some-se a esse buquê de clichés o fato de que todo mundo que é adulto já foi criança um dia e teremos a cena completa. Criança é assunto de interesse público que afeta a todos nós.

Crianças são, sobretudo, seres humanos ainda em formação. Não estão maduras física ou psicologicamente, não desenvolveram mecanismos de autoconhecimento ou defesa, não têm experiências anteriores para tomarem decisões. Justamente por isso qualquer tipo de mal ou abuso feito contra uma criança mexe tanto com a gente.

Sempre que eu tinha que apresentar ou comentar uma notícia triste, dolorosa ou trágica envolvendo uma criança eu desabava. Várias vezes perdi a batalha para o autocontrole e chorei ao vivo diante das câmeras.

Infligir sofrimento a uma criança é algo que nos revolta profundamente, porque é uma covardia em todos os níveis.

O problema é que além dos visíveis atos de abuso contra crianças e adolescentes, aqueles que todos nós repudiamos como sendo inadmissíveis e hediondos, do tipo que me fazia chorar no ar, existem muitas outras instâncias menos perceptíveis, mas não menos cruéis, que violam o direito que toda criança tem de viver sua infância como deveria, brincando, estudando, aprendendo, convivendo, sendo bem tratada e feliz.

Circunstâncias sociais, como a pobreza, a falta de acesso à educação e saúde, são as que mais comentamos. Mas há outra, antiga, persistente e absolutamente cruel: o trabalho infantil.

Muitas vezes interpretamos o trabalho infantil como sendo apenas aquelas situações-limite de meninos e meninas trabalhando em carvoarias, em situação de semiescravidão, e esquecemos que muitas vezes nossos próprios amigos, conhecidos, familiares podem estar explorando crianças, por exemplo, em tarefas domésticas.

“Ah, mas eu estou ajudando uma menina de doze anos que veio de uma cidade do interior, dando pra ela um trabalhinho lá em casa, coisa pequena, só pra lavar a louça e arrumar a casa”, dizem algumas pessoas de boa intenção. “Assim ela tem um dinheirinho pra comprar as coisinhas dela”, argumentam, como se os diminutivos da frase diminuíssem o sofrimento de uma criança que, em vez de estudar e brincar, está trabalhando ‘numa casa de família’.

Criança não pode trabalhar. Não pode e não deve. A lei garante isso a elas, através do Estatuto da Criança e do Adolescente. Na condição de aprendiz, ela só pode realizar algum tipo de trabalho a partir dos 14 anos. Em qualquer outro caso, trabalho só a partir dos 16. Não é questão de opinião, é a lei. E contra a lei, não há argumentos, nem mesmo o mais poderoso chavão popular como ‘ela poderia estar roubando, mas pelo menos está trabalhando’. Ela não deveria estar nem roubando e nem trabalhando, deveria estar sendo criança como lhe é de direito!

E é isso que estou fazendo aqui hoje, começando esta coluna no site Promenino, da Fundação Telefônica Vivo. A partir de hoje, estou abraçando esta causa, a do combate ao trabalho infantil.

Porque chorar, emocionar-se, é muito bonito e sensível, mas trabalhar em conjunto por um mundo mais justo, que respeite todas as pessoas, inclusive as crianças, é muito melhor.

O primeiro passo está dado. Agora vamos seguir juntos em direção a nossa meta, não permitir que nenhuma criança trabalhe. Quem tem que trabalhar para isso somos nós, você, eu e todo mundo que já viveu uma infância, mas ainda tem olhos para reconhecer em outra criança, a criança que um dia fomos.

 

Rosana Hermann é escritora, roteirista e autora do blog Querido Leitor.

 

Uma causa pra chamar de sua
Uma causa pra chamar de sua